Parte I

18 2 0
                                    

Sempre pensei que minha vida era tudo menos ousada. Não haviam desafios ou aventuras em meu dia a dia. Bem, talvez não até aquele exato momento. Estava segurando um livro de poemas de Edgar Allan Poe em minhas mãos, a mente enterrada nas narrativas e belas palavras do poeta. Achei o exemplar no banco do ônibus que estava sentada naquele mesmo instante. Havia acabado de sair da faculdade, completamente exausta depois de longas horas de explicações sobre a Constituição e as leis criminais. E simplesmente pegara um ônibus para ir ao meu confortável apartamento.

Fui até o ''fundão'' do ônibus e encontrei o livro de capa gasta e escura, não haviam palavras ou nomes nela. Por isso tive de abri-lo para descobrir que se tratava de um livro de poesia. A princípio fiquei preocupada em lê-lo. Afinal, o dono talvez estivesse correndo para buscar sua preciosa obra. Mas vendo a improbabilidade de tal acontecimento, resolvi sentar e apenas curtir a leitura.

Folhei e analisei as páginas com cuidado. Notando que, mesmo a capa estando num estado deplorável, o resto estava impecável. Não havia nem uma mancha, muito menos marcas que comprovavam a velhice daquele exemplar. Tudo parecia tão novo. Como se tivesse sido impresso naquele mesmo dia.

Empolguei-me com os fatos e li tudo mais avidamente, curiosa para descobrir o que havia de tão especial em meio a tantos versos. Até que me deparei com um trecho destacado que dizia:


Annabel Lee

''E os anjos, menos felizes no céu,

Ainda a nos invejar...

Sim, foi essa a razão (como sabem todos,

Neste reino ao pé do mar)

Que o vento saiu da nuvem de noite

Gelando e matando a que eu soube amar.


Mas o nosso amor era mais que o amor

De muitos mais velhos a amar,

De muitos de mais meditar,

E nem os anjos do céu lá em cima,

Nem demônios debaixo do mar

Poderão separar a minha alma da alma

Da linda que eu soube amar.''

SUNKOU


Olhei as partes marcadas e perguntei-me o que aquilo queria dizer. O que o leitor e dono deste livro achara tão importante a ponto de destacar certos versos e palavras? E afinal, o que seria SUNKOU? Uma névoa de pensamentos e dúvidas invadiram minha cabeça, mas em menos de um segundo depois, uma carta caiu em meu colo. Ela estava na página seguinte e caíra assim que ergui o livro para enxergar melhor os detalhes no texto.

Peguei-a e abri. Franzi as sobrancelhas ao ver a bela caligrafia com os dizeres:


Kensy, 25 de julho de 2021.

Velho amigo,

Tenho me preocupado com seu sumiço constante. Entendo que está passando por um período difícil e que tem mais coisas para fazer do que ficar respondendo às minhas mensagens. Mas o que está fazendo pode lhe trazer problemas maiores, talvez mortais. Não quero lhe privar de suas vontades, mas quero que saiba que é necessário apoio. Eu estou aqui, pode confiar. Então, pelo amor de Deus, vá à minha casa hoje às 16h.

Mortos Não Falam (conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora