Parte III

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Entrei em meu apartamento. Tudo tão silencioso, tão calmo para aquele dia corrido e maluco. Mal percebi o quanto estava cansada até chegar ali. Tranquei a porta e resolvi fazer um café. Tinha que fazer o tempo passar mais rápido. Pelo menos para mim.

Peguei a garrafa e pus a água para esquentar. Meu cérebro gritava;

Que merda você está fazendo, Cora? Era para você estar tremendo da cabeça aos pés agora e não aí, fazendo um café com bolinhos!

Expulsei tais pensamentos e continuei agindo como se tivesse chegado da faculdade e não realizado uma investigação completa em menos de duas horas. Fui até meu quarto e peguei uma roupa mais aberta e que facilitava a movimentação. Pois eu iria ter de correr, e muito.

Estava colocando minha legging quando ouvi a campainha tocar. Parei de respirar e perguntei hesitante:

— Quem é? — tentei falar sem gaguejar.

— Oi, sou eu, Finneas. Seu colega de clube do livro, por apenas uma semana. — riu ele. — Preciso que me ajude com uma pesquisa do clube. Se não se importar é claro, juro que não demoro nem cinco minutos.

Que ótimo! pensei. A polícia teria de chegar logo, ou eu iria virar a próxima manchete do jornal. E não de um jeito bom...

— Ah, sim! Finneas, não é? Um segundo.

Fingi mover e mexer as coisas. Como se estivesse arrumando uma bagunça, fiz isso por cerca de um minuto. Depois fui até a porta e inspirei fundo antes de girar a chave. Abri-a e encarei o terrível assassino. Finneas era baixo e tinha olhos azuis pequenos e arregalados, indicando inocência e gentileza. Não me deixei enganar e forcei um sorriso convidativo.

— Entre, por favor.

Fomos até a sala e sentamos no sofá. Ele retirou do bolso um caderno e começou uma entrevista sobre literatura e poesia até que ele parou e perguntou enfaticamente:

— O que acha de Edgar Allan Poe? Acha que ele deveria ser eternizado na mente das pessoas?

Hesitei em responder. Sem dúvidas, Finneas era o assassino, disso eu tinha certeza. Mas o que em minha resposta poderia comprovar seu comportamento psicótico? O que eu deveria dizer?

Pensei na adoração dele pelo cara e no fato de eu e Karolline termos curtido a publicação sobre Poe. Descobri então o que deveria falar.

— Acho que sim. Acho que todos deveriam conhece-lo, ele era um grande poeta. Não concorda, Finn? — pronunciei o apelido de forma provocante, gostaria de fazê-lo agir o mais rápido possível. Não podia permitir que a polícia pensasse que aquilo fora um trote.

Pelo visto, minha provocação funcionou. Porque ele fechou a cara e sorriu de canto, cruelmente.

— Concordo plenamente, Cora. Aliás, preciso de sua ajuda para eternizar a todos os adoradores de Poe. Estou numa missão para salvar todos nós, fãs dessa poesia divina, desse mundo horrível em que todos só sabem adorar um bando de ''ídolos'' que vestem roupas curtas e falam palavrão. Pessoas como nós precisam sair desse inferno e alcançar a plenitude.

Meu sorriso desapareceu.

— O que quer dizer, Finneas? Alcançar a plenitude?

Ele balançou a cabeça e tirou o lenço de seu pescoço.

— Tsc, tsc, tsc... Não se preocupe, minha cara amiga. Vai ser rápido, eu prometo. Além do mais, você irá me agradecer quando chegar aos céus. Junto de nosso amado Poe.

Ele era um fã maníaco de Edgar Allan Poe. Por que isso ainda me surpreendia?!

— Você matou Karolline, não é, Finn?

Ele hesitou por um instante, apenas para depois se aproximar mais de mim. Recuei até a parede perto da sacada.

— Karolline era pura demais para continuar nesse mundo sujo. Você também, Cora. Mas não se preocupe, quando terminar minha missão vou me juntar a vocês.

— Não creio que nos encontraremos, Finn. Tem um lugar especial para onde assassinos como você...

— Cale a boca! Antes que eu decida que sua morte terá de ser bem mais dura.

Ele pulou na minha direção, o cachecol, vermelho como sangue, firme em suas mãos. Desviei e corri para a porta, tropecei graças a maldita mochila dele e cai com tudo no chão. Finneas aproveitou a deixa e tentou me imobilizar. Escutei as sirenes da polícia e isso motivou meu corpo a lutar.

Chutei seus países baixos e o joguei para trás. Ele caiu mas se recuperou mais rápido do que o esperado. Mal consegui chegar na porta quando ele me laçou. O cachecol vermelho me puxou para trás e eu tentei recuperar o ar e o equilíbrio. Logo meu corpo desistiu de tudo e apenas tentou arrancar aquele maldito lenço do meu pescoço.

— Shhh... se você parar de resistir, vai doer menos.

Sua voz tão calma e persuasiva estava começando a ficar distante. Tentei lutar mais mas a escuridão me cercava.

— Mãos pra cima! Agora! — alguém gritou ao longe.

A escuridão estava tão convidativa, parecia... trazer paz.

Um tiro soou.

Mortos Não Falam (conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora