Capítulo 1 - Dois Minutos

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Na sacola tinha pão, café e leite.

Volto o mais rápido possível para casa. Hoje, provavelmente, será um dia chuvoso e frio mesmo que a época do ano seja de extremo calor.

Abro a porta e encontro minha mãe sentada no sofá. É um milagre ela estar sentada na sala sem chamá-la para tomar café.

Seu cabelo ainda estava bagunçado, seu rosto estava amassado, mas estava sorridente trocando o canal da televisão.

— Gostei da peruca! Essa eu não tinha visto. — falo colocando as coisas na bancada.

— Ganhei do tio Willian. — diz passando as mãos arrumando os fios — Eu gostei mais dessa, é mais confortável.

— Eu também gostei.

Minha mãe tinha câncer de pele. Passou por algumas cirurgias, mas o médico disse que estava em um estágio avançado. Às vezes precisamos ir correndo para o hospital por causa de uma dor ou outra, ou pelo mal estar. Ela é a única família que me restou depois da morte do meu pai, em um acidente no trabalho com as máquinas.

Claro que temos parentes, mas eles se distanciaram. A gente percebe realmente quando uma pessoa nos ama quando ela chega junto, pergunta se está bem, ou se está faltando alguma coisa. Desde que minha mãe pegou o diagnóstico do câncer, todos se afastaram como se fosse algo contagioso.

Não nos restou mais ninguém e eu sou a única que consegue dinheiro para casa, fora o auxílio que minha mãe consegue receber, mas não é algo que eu gosto de contar. O pouco que consegue sobrar vai para o banco de emergência. Nunca se sabe o que eu vou gastar de remédios. Ainda estou quitando o dinheiro que pedi para Cristian emprestado para realizar uma cirurgia que o plano não cobria.

— Sinto que você está cansada. Mais que nos outros dias.

Coloco o pão na torradeira e me viro para pegar o leite na bancada vendo-a me olhar com olhos tristes e distantes.

Eu não gostava de preocupa-la com meu cansaço, com as coisas de casa, da faculdade, do plano de saúde, e nem nada. Mas geralmente é difícil esconder as coisas da Dona Lia. E ela tinha razão como sempre, eu estava exausta. O trabalho tinha me matado essa noite e eu tinha ainda coisas da faculdade para ser resolvidas.

— Eu sei que você anda cansada com esse trabalho que conseguiu. Não dorme direito, tem que fazer as coisas que eu não consigo fazer. Eu posso estar doente, mas não estou cega, Lívia.

Respiro fundo misturando o leite com o café e sorrio fraco:

— Eu preciso trabalhar, mãe. — levo a caneca e entrego em sua mão. — Cuidado, que está um pouco quente. A vida é assim, fácil para alguns, difíceis para outras, e a gente continua vivendo.

— Você não quer conversar com seu tio e ver se ele não tem um trabalho em um turno melhor?

Desde que eu comecei a trabalhar em uma boate/bar na cidade, a preocupação que minha mãe tinha antes multiplicou. Mas era o único meio que eu tinha achado de ganhar um pouco mais e poupar uma grana.

A vida noturna não é fácil. Ainda mais quando se tem vários homens te rondando e te chamando de nomes horríveis a noite toda. Lidar com o público é difícil, e mais difícil ainda é lidar com o público bêbado. Eles acham que tem propriedade sobre você, que você é obrigado a fazer tudo o que eles mandam.

Minha mãe acha que eu amo meu emprego, mas é o meio que eu achei de sobrevivência.

Antes eu trabalhava como garçonete em uma cafeteria que era do meu tio Willian, mas trabalhar para a família é mais complicado do que se pensa. Eles acham que não precisamos do dinheiro na data certa e que se ficar um mês sem receber é "de boa".

QUERIDA LORENAOnde histórias criam vida. Descubra agora