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Reuni as crianças que sempre adoravam a palhacinha Luna. É ridículo, eu sei, mas por ser a prima mais velha entre os netos caçulas, era cabida a mim a árdua tarefa de entreter a dúzia de primos, enquanto o restante dos adultos se ocupava com os afazeres das festas.Com o tempo, a brincadeira virou tradição.

Eu estava com um nariz vermelho de palhaço, juntando as crianças na sala. Embora fosse muito sem noção, eu não me importava, pois, todos os familiares estavam acostumados com as travessuras da palhacinha Luna. As crianças riam das brincadeiras e era divertido o modo como sorriam de algo tão simples.

Minha irmã Lana chegou com o marido, e se não fosse por seu abraço apertado nem teria percebido sua presença. Eu estava tão entretida, em meu personagem infantil, que quando me virei para cumprimenta-los, quase tive um ataque cardíaco. Eu não esperava... Não esperava, mesmo, me deparar com a figura à minha frente.

- Oi, Lu! Saudades! Nem parece que nos vimos dias atrás. – embora a voz de Lana fosse bastante característica, um pouco grave para uma mulher, eu não ouvi mais nada do que ela falava, apenas olhava o homem misterioso ao lado do meu cunhado.

- Oi, Luna. –Ricardo me abraçou – este é meu amigo Diego. Trabalhamos juntos na empresa.

- Olá! – Diego sorriu, e eu não conseguia tirar meus olhos de seu sorriso incrivelmente branco. Ele era real? Talvez fosse uma miragem ou algo do tipo. Talvez Lauane tivesse contratado-o para me fazer de boba para com a família. - É um prazer conhece-la.

Diego estendeu a mão e eu a olhei por alguns segundos. Com se tivesse saído de um transe, retribui o gesto para não parecer mais estranha do que eu já era. Uma corrente elétrica passou por entre meus dedos, e chegou ao meu coração fazendo com que batesse mais forte. Sim, o homem à minha frente era real! Meu Deus o quê era aquilo?

- Gostei do seu nariz. – Diego fitava meu rosto com o olhar divertido e eu o encarei sem entender. Só quando ele tocou a ponta meu nariz, foi que percebi o quanto estava fazendo papel de ridícula. Tirei o nariz de palhaço, tentando esconde-lo entre as mãos. Era muita vergonha para um dia só. Além de ficar paralisada encarando o homem à minha frente, ainda estava com um nariz horroroso de borracha.

- Crianças! Sabe como é? – disse por fim, com um sorriso amarelo. Não entendia o porquê, mas não queria que Diego tivesse uma má impressão de mim. O que será que ele estava pensando ao me ver brincar feito uma criançona?

- Você leva jeito com elas. - O modo como seus olhos negros me encaravam era de arrepiar a pele. Eram tão penetrantes! Então, ele tinha visto minha atuação patética? Que vergonha! Eu queria ficar invisível e desaparecer!

- Elas são bastante pacientes comigo, então nos damos bem.

-Você é divertida!

 O sorriso de Diego era tão encantador que me vi sorrindo junto. Não sei por qual motivo, mas me vi sorrindo ao seu lado para o resto da minha vida. Estava sonhando acordada! Tive que piscar, para ver se eu voltava ao normal. Eu precisava de um pouco de ar. A agitação ao meu redor estava me fazendo delirar. Inventei uma desculpa qualquer e caminhei apresada até a varanda. O que foi aquilo? Eu nunca me senti assim antes. Nunca me senti tão vulnerável diante de um homem. Eu que sempre fui muito falante, não conseguia formular nada inteligente para falar. Que olhos eram aqueles? Parecia que liam a minha alma!

Debrucei –me no corrimão da varanda e fiquei olhando a agitação da família no andar de baixo. Tio Nico discutia com tio Tomás sobre motores de carro. Do outro lado, minha prima Barbara ria de algo que meu primo Afonso lhe mostrava no celular. Tia Verônica chegava com os filhos gêmeos que corriam animados para dentro da casa. Ela parecia cansada, e não era para menos. Cuidar de duas crianças movidas a carboidrato, não era para qualquer um! Ela me acenou antes de começar a conversar com tia Luíza. Pela sua cara, a conversa não era muito agradável. Vi seus lábios pronunciarem "socorro", mas preferi ignorar. Ainda não estava preparada para encarar minha "encantadora" tia.

Eu já ia entrar para casa, quando tio Roni apareceu. Era o que me faltava! Tentei dar o meu melhor sorriso e passar direto, mas fui impedida:

- Querida sobrinha, ainda não a vi. Como está crescida! Ainda me lembro de quando eu e seu pai jogávamos bola logo ali – ele apontou para o campinho do outro lado da rua – eram bons momentos. Agora, você e sua irmã estão aí, duas mulheres! Isso faz-me lembrar de uma piada: Duas irmãs estavam sentadas debaixo de uma árvore e...

-Desculpa, tio, mas preciso ajudar minha mãe- desconversei o mais rápido – deixa para outra hora, sim?

Antes que ele respondesse corri para o quintal, onde minha mãe arrumava os últimos detalhes da mesa. Tudo estava impecavelmente arrumado, com flores e frutas e várias panelas que acabaria com a fome do planeta inteiro!

- Querida, esqueci as taças. Estão no armário da copa.

-Vou busca-las. – disse enquanto minha mãe reprimia alguns dos meus primos que mexiam na mesa à procura de doces.

-Ora, ora, priminha! Adorei o vestido. – senti a voz melosa de Lauane atrás de mim. Dei um longo suspiro ao me virar e deparar com seu rosto impecavelmente maquiado.

- Obrigada, o seu também é muito bonito.

- Que bom que você gostou. Sabe, eu ganhei de uma grife famosa, por qual fiz uma campanha. As fotos estão em meu Twitter. Oh, esqueci que você é contraria à tecnologia. Não sabe o quanto isso é ruim, você fica desinformada. Se visitasse o meu blog, teria visto meu tutorial de maquiagem. Você está tão pálida. Parece um zumbi! Sem cabelo está sem vida! Tenho vários tutoriais que te ajudariam muito! Qualquer um mataria para ter uma prima top model, blogueira  e antenada como eu, queridinha!

Eu respirei fundo. Uma, duas, três vezes. Tive que morder a língua para não dizer umas boas verdades a Lauane. Não era da sua conta, o fato de eu detestar redes sociais e preferir a conversa cara a cara. Não é porque todo mundo faz algo, que eu tenha que fazer também! Nunca fui do tipo " Maria vai com as outras"! E não havia nada de erado com o meu cabelo! O tom de deboche de Lauane me causava enjoos.

-Lauane, me deixe em paz! Cuida da sua vida! Esquece que eu existo!

-O que foi, prima? Ficou zangadinha, foi?

Passei por ela, esbarrando em seu braço, a fazendo dar um gritinho fingindo dor. Para piorar encontrei com tia Luíza, na copa conversando com tia Marcia. Sua postura era tão austera, que quem não  a conhecesse, pensaria que fosse alguém  realmente sofisticada. Isso antes de notar que seus copos, que ela dizia quer eram importados, eram copos de requeijão!  Pisei duro ate o armário, sem cumprimentar nem nada. Por pouco nao caí de cara no chão, ao tropoçar em uma mala enorme. Quem seria o resposavel por quase me fazer quebrar os dentes? Nem adiantaria perguntar...

- Querida, que bom que apareceu! Estava falando à sua tia o quanto Lauane está famosa! Algo me diz que ela irá para o exterior em breve! Estou tão orgulhosa! E você, o que tem feito? Ainda trabalha naquele escritório de contabilidade? Como é mesmo o nome? Aquilo dá dinheiro? Você ainda não se formou!? E o namorado por que não veio? Não me diga que não tem um... Lauane tem vários pretendentes, e....

Parei de ouvir na parte dos " pretendentes". Eu não estava com a menor paciência! Por sorte, tia Marcia sempre se impressionava com o sucesso da sobrinha "prodígio", e era a única a dar atenção à tia Luíza. Peguei as taças e corri até o jardim. Tudo o que eu queria era que esse ano chegasse logo e que todos fossem embora. Eu queria ficar sozinha. Ficar em paz, em sossego. Era pedir demais? Nem em meu quarto eu podia ficar, minhas primas estavam lá arrumando o cabelo. Até a risada delas me irritavam.

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