O Mundo Destrói

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O ego humano capacita e alimenta a extinção.

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Ah, o apocalipse!

Aquilo era muito bonito de se assistir. Pelo menos, a parte em que os prédios se reduziam a enormes amontoados de alvenaria enquanto as avenidas, indiscutivelmente na mesma sincronia, eram traçadas em reluzentes rastros de incêndios. Explosões estouravam nos meus ouvidos aqui e acolá, numa desordenada orquestração de ritmo inquietante.

Corríamos — eu, Anderson e Ellen — em direção ao grandioso edifício central do conjunto empresarial, responsável por refletir a ambientação caótica da cidade nos seus painéis espelhados. Muitos dos habitantes locais já se digladiavam em combates para ocuparem um milimétrico espaço na rua. Outros, em total irracionalidade, passavam por cima de multidões com seus carros, esmagando braços, pernas, tórax e pairando o cheiro metálico de sangue no ar, enjoativo ao misturar-se com as partículas do nosso suor coletivo.

Óbvio, estavam preocupados em somente safar suas próprias vidas. Um lapso de memória passou pela minha cabeça, a respeito de um velho escritor que reclamava não ser reconhecido pela sua genialidade e que era pago para soltar pensamentos com teor filosófico num programa cabeçudo que Anderson assistia. "Somos egoístas por natureza. Somos egoístas por instinto", o escritor havia dito no programa de polêmico tema que apontava para a destruição ambiental junto ao avanço da civilização.

Civilização. Soava como uma piada desgraçada eu pensar nessa palavra enquanto atravessava um mar de humanos no seu estado mais primitivo.

— Mamãe! — uma garotinha gritou próximo de mim. Olhei para trás, e era uma jovem morena, que tremia seus dedos ao se segurar no próprio vestidinho. Perdia-se entre as filas de pessoas desconhecidas, e acabou esbarrando contra um homem desesperado, que a fez cair no chão e derramar lágrimas pelo rosto.

Parei um momento, observando a triste cena. As pessoas batiam com suas pernas apressadas na cabeça da garotinha. Algumas até tentavam parar, mas, impulsionadas pela ameaça a suas vidas, acabaram pisoteando a menina. O choro dela desregulou e foi cessado abruptamente, restando apenas uma massa de membros disforme sob um vestidinho manchado de rubro.

Aquela cena fez cessar a energia empolgada nas minhas veias. Minha mão pendeu divaga para a frente, sem notar as pessoas que esbarravam em mim.

— Erik! Anda! — barulhou a voz chatinha de Ellen nos meus ouvidos. Senti um puxão no braço e fui arrancado do transe, enquanto batia com meu outro ombro em alguma cabeça.

Continue, cara. Só continue, continue...

Anderson me observou sombrio, sob seu rosto queimado de suor, como se procurasse o motivo da minha parada repentina. Era um olhar de dúvida, mas me senti reprimido. Baixei a cabeça sem lhe dar uma resposta.

Um grupo endiabrado de motoqueiros avançou à nossa frente, fedorentos e ofegantes, muito provavelmente pela rarefação do ar com a iminência da bola de fogo no horizonte. Alguns foram atropelados por um ônibus desgovernado, que por pouco não atingiu nós três. Puxei o ar, louco para senti-lo à minha frente, mas as moléculas pareciam estar se esgotando a cada segundo.

A luz incidente tocava em tudo com seus raios, deixando as pessoas, as casas e o próprio asfalto num tom de amarelo vibrante. Era um efeito espetacular! Nem as explosões de pó espaciais conseguiam brilhar daquela maneira.

Atravessamos a porta principal do edifício, contrário aos homens engravatados que quebravam os paredões de vidro e pulavam sobre os cacos pontiagudos, juntando-se à procissão enlouquecida de seres humanos na avenida. O saguão luxuoso do hotel estava vazio e revirado em destroços, com pontos de fogo surgindo aqui e acolá em diversas pinturas valiosas.

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