00. Prólogo

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Meses antes.

     Ser uma leitora assídua e de mente fértil costumava ser uma coisa ótima no ensino médio, quando redigia redações impecáveis e contos românticos, poesias melancólicas e pinturas profundas. Mas a essa altura, poucos anos mais velha e muito mais desacreditada, Maya cultivava certa tendência a se enraivecer com esse hábito. Ler livros não necessariamente românticos, mas com algum romance marcante ativava aquela área de seu cérebro que gostava de vislumbrar o dia e o cenário em que ela viveria um romance tão marcante quanto. Em alguns casos, a imaginação fugia de sua nada doce realidade – porque era muito mais fácil imaginar viver um romance com um bruxo em uma escola de magia, ou com um príncipe mal humorado de um reino fictício, do que com homens reais, em um mundo real, e com defeitos reais. Com quase vinte e um anos, a garota preferia se ater ao amargor de que amores recíprocos e duradouros só aconteciam com pessoas de muita sorte. E bom, ela nunca foi uma delas.

     Prova disso foi aquela sexta-feira. Passava das sete da noite quando o sino do pub soou, mas ninguém escutou. O trovão do lado de fora havia sido expressivamente mais alto, e se não fosse no centro da cidade, o clarão do relâmpago logo atrás dela a teria transformado em uma cena de filme de terror. Maya estava encharcada da cabeça aos pés – a chuva repentina a havia pego de surpresa, assim como a todos os outros, e não teve piedade ao molhar cada centímetro do corpo da garota. O cabelo castanho na altura da cintura parecia uma cascata, com água e mais água escorrendo. A calça preta estava mais colada no corpo do que o costume, e não fosse o coturno de couro, talvez seus pés estivessem em uma poça. A única parte de seu corpo que arriscava dizer estar mais seca eram os braços, cobertos pelas mangas de sua inseparável jaqueta de couro. E só.

     Assim que pôs os dois pés para dentro do estabelecimento, não se importou em olhar quantas pessoas estavam ali, se já estavam testando o som, se sua melhor amiga a esperava no mesmo banco de sempre ou se o tão conhecido barman já a tinha avistado para preparar sua bebida de costume. A morena somente avançou na direção do banheiro, notificando que não estava sozinha ao escutar uma voz bastante conhecida murmurar um palavrão as suas costas.

     — Você é maluca! Por que não me ligou? Eu e Lucian teríamos ido te buscar! – sua melhor amiga falou, puxando a jaqueta de couro da garota para a ajudar. A mais nova a olhou rapidamente, negando com a cabeça antes de torcer o cabelo na pia.

     — Eu não estava há dez minutos daqui quando começou a chover. Vim direto, me alcançou no meio do caminho. – Suspirou profundamente, pegando papel para secar o rosto e o colo, torcendo também a blusa que vestia. – Eu já estava atrasada, de todo modo. Se eu perdesse, você não perderia.

     — Eu não me importo, Maya. Vejo Lucian todos os dias, ele pode cantar para mim a hora que eu quiser. – Revirou os olhos, pegando uma escova de cabelo na bolsa e passando para a mais nova, que aceitou sem pestanejar. – Por um momento, pensei que estivesse se atracando com seu namoradinho nos bastidores. Ele não deu as caras ainda. – O tom risonho era explícito. Ao menos alguém ali estava tentando manter o bom humor.

     — Hahaha, muito engraçado. – Respondeu com ironia, devolvendo a escova e apanhando a jaqueta. Era nesses momentos que não se perdoava por ter sido tão criativa na adolescência.

     Quando conheceu os garotos, há cerca de um ano, teve todos os pensamentos fisgados por um em específico. Chegou a escrever pequenos contos sobre os dois, nas mais diversas circunstâncias e nos mais diversos mundos. Ele já havia sido o cavalheiro de um reino inimigo, o homem misterioso que a encontrou durante um cruzeiro, o filho dos inimigos de seus pais, seu melhor amigo de infância, até mesmo o cara do colégio que se descobria doente e que somente ela podia ajudar. Mas Maya nunca se atreveu a colocá-lo como o guitarrista da banda local que ela mais gostava, porque imaginar um futuro dentro da própria realidade era doloroso demais. E afinal, como um ditado bastante comum dessa geração diz, fanfiqueira só sofre.

Highway to HellOnde histórias criam vida. Descubra agora