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Acordou bem cedo na manhã seguinte. O sol nem tinha raiado, o quarto estava na penumbra. Odiava quando acordava a essa hora, e encontrava o silêncio gritante no pequeno cômodo. Ficava impaciente, e perdia logo o sono de vez desejando que o relógio trabalhasse rápido, e chegasse a hora de levantar-se, e sair dalí para estar logo a caminho do trabalho, e ver gente.

Dessa vez foi ainda pior. Ficou olhando para cima, mas não enxergava o teto. Estava perdida em seus pensamentos, analisando toda a sua vida para ter certeza mais uma vez de que tudo o que viveu, todas as suas experiências foram em vão, nada valeu a pena. Não tinha nada pelo qual se orgulhasse; das coisas passadas, não guardava nenhuma lembrança com carinho, gratidão ou felicidade, pois mesmo os poucos momentos que um dia chegou a considerar felizes, tinham sido repassados na memória tantas vezes que ficaram desgastados, o tempo tornou-os insignificantes.
Bem diferente das lembranças ruins, essas de tão relembradas só intensificaram-se cada vez mais. Era capaz de sentir novamente a mesma raiva, a mesma dor. E nesses exercícios trazia constantemente o passado de volta, acordando memórias já adormecidas que a machucavam, e a impediam de seguir em frente. E esse foi seu maior erro.

Nem percebeu que estava chorando até sentir a lágrima que rolara do canto do olho adentrar no ouvido. Suava, e a pele estava pegajosa pela fadiga. A cabeça começou a latejar, agora sabia a causa e teve medo de morrer, pois isso podia acontecer a qualquer momento. Teve medo que isso ocorresse naquele instante, e seu corpo só ser encontrado dias depois quando os vizinhos começassem a sentir o mau cheiro, então chamariam a polícia, e a encontrariam em estado de decomposição com aquela camisola velha que precisava de costura do lado. Tinha uma camisola nova, guardada, que nunca usara, aliás tinha várias roupas novas que comprara por impulso em liquidações, e que não tivera ocasião de usá-las. Bem, já estava na hora de tirá-las do guarda-roupa.

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