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Kiara Vanúbia

Começo a minha história em um beco. Um dos vários becos do morro do Jacarezinho, onde eu, Kiara Vanúbia, depois de um longo dia de trabalho, carregando as compras para o jantar, estou passando, e tem duas senhoras me olhando.

Talvez eu devesse me perguntar,  o que elas estão olhando?
Mas não preciso. Porque eu sei muito bem porquê essas mulheres e o resto do morro me olha quando eu passo.

Para todos eu sou uma vadia. Mais uma puta que transa com o dono do morro por status e dinheiro. Isso é o que eu sou para metade desse morro.

E eu não culpo ninguém, nunca levanto a voz ou brigo para que me respeitem, pelo contrário, todos têm suas razões para acharem isso, e inclusive eu mesma, no fundo sei que é isso que eu sou.

O que eu queria que todos entendessem, é que eu não tive opção.

Nascer no morro já foi uma sentença de fracasso para mim.
Desde criança eu soube que minha vida não seria um mar de rosas, mas ela consegue me surpreender a cada dia, e sempre de forma negativa.

Estudei em escola pública, não tinha as melhores notas, mas consegui terminar a tempo, nessa fase da minha vida, eu cheguei a ter a falsa esperança de que eu poderia ter um futuro. Poderia ser alguém que olha no espelho e tem do que se orgulhar.

Empolgada, e sabendo que uma faculdade seria mais longa e teria mais custos, começei um curso profissional que teria duração de dois anos. Me inscrevi no período de noite, e durante o dia eu fazia faxina e cuidava dos filhos de quem pudesse pagar.

Estava tudo indo bem, até que a vida decidiu que eu estava felizinha demais, as coisas estavam bem demais para alguém como eu, aí, a única pessoa que me apoiava se foi, minha mãe morreu, foi o pior dia da minha vida.
Ela foi atropelada por um camião de uma empresa do governo, e morreu no local. Ela viveu uma merda de vida, e morreu da mesma forma, ficou no meio da rua por horas, até que nos contactaram, meus irmãos e eu. Foi horrível.

A tal empresa prestou apoio apenas para o funeral, depois sumiram. Até tentamos correr atrás, mas estávamos apenas gastando o pouco dinheiro que tínhamos para pagar aqueles urubus que chamam de advogados.

Sem minha mãe, todas as responsabilidades passaram para mim. Como filha mais velha, eu deveria garantir que não tirassem nosso teto e não faltasse comida na mesa.
Gleicy ainda estava estudando e João largou a escola para ficar andando com um bando de drogados.

No início eu não larguei o cursinho. Continuei com as faxinas e a tia Cláudia, mãe da minha melhor amiga, Taís, me chamou para trabalhar com elas na lanchonete que é aqui em frente. Taís e eu somos vizinhas e a lanchonete da mãe dela é na frente das duas casas.

A lanchonete é pequena, então só com o salário de lá não dava para segurar as contas de casa e as despesas do curso, então continuei com as faxinas. Todos me conhecem pelas faxinas. Limpo até a igreja aqui no bairro. Faço todo trabalho que me aparece, mas com três bocas para alimentar, não é fácil. Por isso acabei largando o curso, quando estava quase terminando o primeiro ano, isso me dói até hoje.

As coisas melhoraram um pouco quando não tinha mais as despesas do curso. Com a faxina e o dinheiro que ganhava na lanchonete, com muita dificuldade, eu conseguia pagar o aluguel, a água, luz e comprar comida.

Aí há pouco mais de dois anos, João me apareceu com uma garota de 15 anos grávida.
Eu pirei, gritei com ele. Merda cara, a situação já estava difícil e ele fez o quê? Engravidou uma menina.
Obriguei ele a arrumar um emprego para me ajudar, mas ele nunca dura mais que dois meses, já tem até fama de preguiçoso pelo morro inteiro.

AMANTE : O Outro Lado Da HistóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora