Ela acordou espreguiçando-se e fazendo um alongamento ao mesmo tempo. Mesmo com o bocejo barulhento e o braço esbarrando em seu marido, ele não acordou. Assim, mais uma quarta feira, uma dia comum, sem nada de especial se iniciava.
Após lavar o rosto no banheiro ela voltava para acordar seu companheiro e deparou se com uma cena estranha. Ele estava de pé como uma estátua olhando fixamente para o guarda roupa aberto.
Ela estranhou e quando ia pronunciar seu nome para despertá-lo daquela paralisia, conteve as palavras ao perceber que uma lágrima escorria pelo rosto dele. Aquilo despertou assombro e temor. O que havia acontecendo naquele espaço de tempo? Alguém morreu? Ele estava triste com algo? Com ela? Pior! Com eles?
Assustada mas sem reação, ela só buscava sem ação alguma, tentar entender. Por que ele estava ali, introspectivo, olhando fixamente para o guarda roupa? Por que a lágrima?
O marido estava estático, ele havia olhado para suas camisas, todas praticamente novas e percebeu que poderia sair com qualquer uma delas que estaria elegante para o dia de trabalho, tantas roupas novas ou praticamente novas e lembrou-se que nem sempre foi assim.
Quando criança ele tinha poucas e velhas roupas, geralmente passadas de seu irmão mais velho quando estas já não serviam mais nele. A bela camisa social azul (Sua cor favorita) foi o gatilho de uma reminiscência sem precedentes. Ele lembrou daquele dia triste e nublado em que sua mãe juntou sua melhor roupa, aquela de ir à missa aos domingos junto com outras da família e foi até uma pechincha vende-las por um punhado de trocados, era preciso comprar os materiais da escola. O pai estava desempregado e catava do lixo alguma forma de sobrevivência, cadernos e lápis eram um luxo que ele não poderia dar.
Criança, ele não entendia o que ele tinha feito de errado para que sua melhor camisa, dada pela sua madrinha estivesse sendo vendida. Então só lhe restava chorar puxando o vestido de sua mãe. Mas incontáveis "nãos", não foram suficientes.
Ele demorou tanto tempo para entender que sua mãe não era má naquela época, que até se envergonhou.
Hoje, ele estava ali, dentro de sua casa, uma boa casa, diante de um guarda roupa, um bom guarda roupa, cheio de boas roupas, tudo graças a sua mãe guerreira e toda luta que ele travou para chegar ali. Ele não era rico, mas tinha o suficiente para dar a sua família um conforto que não teve antes ...
Ele inclinou a cabeça olhando para sua mulher, a lágrima contornou um sorriso que brotava em sua face e quando a lágrima brilhou, desprendeu-se de seu rosto e pingou no chão.
"Mulher, eu não sei que camisa usar". Disse ele sorrindo.
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Contos
Short StoryTrata-se da pequenos contos de minha autoria que são publicados no Jornal Folha de Barbacena pelo "Clube dos literatos"