Não sei bem o que se passava na minha cabeça naquele momento. Eram tantas coisas, tantos problemas que era difícil me socializar com meus amigos. Mas eles insistiram muito em sair para tomar uma cerveja. Na verdade, eles sabiam que eu estava mal, queriam me ajudar a relaxar e eu só posso ser agradecido por ter pessoas que se importam um pouco comigo, além da minha mãe.
Arrumamos uma mesa do lado de fora do bar e o ar fresco, no calor daquela noite, só deixou aquela cerveja mais saborosa, Mas não demorou muito para que os assuntos de distração fossem enterrados para virar uma sessão de reflexão sobre a fase tenebrosa que eu estava vivendo.
George logo alegou que todo mundo tem sua fase de nuvens negras na cabeça, mas que sobrevivemos. É sempre uma questão de resiliência.
Já Leo, levantou que a energia do cosmos nos dá aquilo que pensamos, que eu deveria então me voltar aos pensamentos positivos que o universo se encarregava do resto.
Agostinho foi mais incisivo, as pessoas são ruins! Mal olhados existem, pois a inveja está na alma das pessoas que menos desconfiamos. Provavelmente eu sou vítima dessas forças. Talvez até mesmo agora tenha uma energia negativa encostada em mim, disse ele.
Continuou sustentando que sentiu um arrepio perto de minha pessoa, que eu estou carregado e que talvez fosse interessante eu ir no culto com ele para garantir uma limpeza espiritual.
Eu que até acredito em Deus mas não sou de pensar nisso, comecei a achar aquelas suposições muito sincronizadas. Embora meus amigos tivessem crenças bem divergentes, todos ali falando em algo com alguma similaridade me assustou e me fez pensar.
O relacionamento abalando, o emprego ameaçado, o problema no carro que vai me custar caro, o diagnóstico do médico sobre meu coração ... e o cartão de crédito, oh Deus, clonado! Isso foi a gota d'água. Não seria tudo isso demais de uma vez só?
Rimos bastante de toda minha desgraça e isso me relaxou um pouco. Sabe como é, "rir para não chorar". Aquilo me ajudou mesmo e na hora de ir embora a galera não me deixou pagar. Fiquei mais agradecido ainda, pois cada centavo está me pesando muito nesses tempos.
Neguei a carona. Resolvi andar até em casa para despairecer a mente, ainda mais depois que colocaram na minha cabeça que forças negativas estavam no meu encalço. Aquilo me deu calafrios quando cheguei na minha casa, antiga, escura e silenciosa ...
Joguei a roupa no cabide que ficava ao lado da porta do quarto e já me atirei na cama. Mas eu não estava cansado, minha mente estava agitada, pensando em tudo.
Será que alguém estava tão interessado na minha vida ao ponto de mexer com coisas obscuras para me prejudicar? Será que eventualmente eu esbarrei com coisas de tal natureza? Essa casa velha, eu não sei nada dela, aluguei sem pensar quando vi o preço! Será que o valor baixo tem a ver com alguma coisa de ruim que aconteceu aqui que desvalorizou o imóvel?
Minha mente embriagada viajou pelos cômodos da casa e minha imaginação criava histórias. Mas meu coração disparou mesmo quando abri os olhos ...
Percebi de rabo de olho que "ele" estava lá! Um vulto inclinado na porta de meu quarto me olhando! Eu não sabia se ele percebeu que eu o havia notado, mas estava imóvel quieto como um predador espreitando sua presa.
Meu coração estava saindo pela boca enquanto fiquei olhando para o teto esperando perceber o movimento dele. Que ele voltasse para o canto e sumisse da porta achando que eu não o havia visto, mas não, ele permaneceu. Estaria me encarando, me desafiando a olhar para ele? Fiquei com tanto medo que não conseguia fazer as orbes dos olhos descerem para olhar diretamente para ele.
Não sei quantos minutos fiquei naquela angústia, sentido meu coração bater e fazer mais barulho que qualquer outra coisa. Engoli seco, respirei fundo e obriguei meus olhos a encará-lo. Não conseguia distinguir o que era. Talvez o mais perto de como poderia descrevê-lo, era a morte da cultura popular, embora eu não via um esqueleto trajando o manto negro, era o que minha mente completava naquilo que minha visão não conseguia revelar da silhueta parada na escuridão.
Meus olhos voltaram a fitar o teto novamente, e meu corpo paralisado, tremia de medo ou pelos sacolejos que meu coração parecia dar. Era uma das piores sensações que eu tive em toda minha curta vida.
"Aquilo" não desistia, permanecia, confrontava meu medo paralisante e eu já não sabia o que fazer. Fingia que não a via e escondia debaixo do lençol atuando a sonolência para dormir ou confrontava o vulto?
Foi então que eu decidi enfrentar. Me inclinei na cama e olhei diretamente. Minha respiração era tão alta que parecia que eu não podia falar, mas indaguei:
"Quem está aí?"
Aquilo não respondia, não se mexia como se me torturasse psicologicamente o que fez minha raiva superar o medo me levando a sair da cama e ir em sua direção.
Quando pude ver, meus olhos se arregalaram:
"Não acredito!"
Na escuridão de minha casa, minha roupa dependurada de forma caótica no cabide do corredor, próximo à porta do quarto, era a "morte" que me fitava ...
Marcos Faria
VOCÊ ESTÁ LENDO
Contos
Short StoryTrata-se da pequenos contos de minha autoria que são publicados no Jornal Folha de Barbacena pelo "Clube dos literatos"