Capítulo 01 - Rachaduras

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~ 01 ~

 Rachaduras

  

O que estou fazendo aqui? Isso não é pra mim! Fazer as mesmas coisas todos os dias. Às vezes, sinto vontade de dizer a todos que vou embora, mas... Será que sentiriam minha falta?

Covardia. Por que essa palavra não sai da minha cabeça? Espera aí, eu sei o porquê.

Essa é a quarta sutura que faço num cara chamado Ovídeo. Que tipo de nome é Ovideo? Fico pensando no que se passava na mente de uma mãe pra batizar alguém com esse nome...

— Parabéns, é um menino!

— Ah, meu Deus! Que lindo é o meu filho! Já tenho um nome perfeito pra ele... Ovídeo.

...

Hum... Acho que Ovideo não foi muito popular no colégio.

Pelo menos tem algo de bom em passar metade da minha vida nesse hospital suturando, receitando, enfaixando e examinando. Posso pensar o que quiser dos meus pacientes. Mas Ovídeo parece ser uma boa pessoa, mesmo desmaiado, cortado e sangrando. Foi uma queda e tanto! De acordo com a ficha preenchida pela esposa, ele caiu da varanda de casa, de aproximadamente seis metros de altura e isso poderia matar alguém, porém o dito cujo sofreu apenas quatro cortes. Exatamente quatro.

Pessoas normais chamariam isso de “sinal dos céus”, “sorte” ou “milagre”, mas pra mim tudo não passa de matemática e probabilidade. Ninguém pode negar que se Ovídeo caísse de cabeça de uma altura dessas, a queda seria mortal. Porém ele caiu, não com o corpo em linha reta como uma vareta, mas sim na horizontal e isso fez com que o impacto se distribuísse através do seu corpo. Além disso, outros fatores favoreceram para que ele ainda esteja vivo, como: O chão não era denso o suficiente para uma fratura grave e a queda não foi direta, visto que Ovideo se prendeu nos fios do poste de energia antes de atingir o solo.

E com isso, surgem dúvidas em minha mente, que causam rachaduras naquilo em que acredito. Como por exemplo: Mesmo que o impacto da queda de Ovídeo tenha sido na areia molhada, foi a uma altura de seis metros! Claro que ele poderia ter quebrado metade dos ossos. Ou então... O que fez com que justo 20 minutos antes dele cair, a companhia de luz desligasse a energia de todo o quarteirão para fazer testes nas linhas e cabos, fazendo com que Ovídeo não tivesse sido eletrocutado e tido uma morte horrível e, além disso, ter ajudado para que ele não caísse com mais impacto no chão?

São perguntas que me faço todos os dias. Razão ou sorte? Matemática ou sinal divino? Coincidência ou milagre? Acho que, o que realmente tenho que concordar, é que nem uma verdade é confiável. Mesmo não acreditando em milagres, pra mim é um fato que toda verdade é questionável.

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