Capítulo 1

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"Eu sabia que era preciso tempo. Cada perda tem sua hora de acabar, cada morto seu prazo de partir, e não depende muito da vontade da gente"

Lya Luft


Ninguém é corajoso o suficiente para dizer a verdade, é preferível mentir ou omitir por não querer magoar o alguém, inconscientemente facilita essa busca por refúgio no esquecimento.

Eu desejava esquecer.

Todos comentam e descrevem o momento de um acidente: quantas pessoas; quem é o culpado, dentre outros detalhes que para os envolvidos são despercebidos. Mas, poucos são corajosos para contar o que acontece depois. A necessidade de refazer a vida e passar uma grande borracha no passado nem tão distante.

Eu só não quero me lembrar.

Imagino que isso seja reflexo de nós, não se apegar a algo que tem a capacidade de machucar. E por que teimamos em pensar no assunto tão estúpido, doloroso e angustiante?

Sinceramente não sei o que responder, minha mente continua a trabalhar na construção de frases sem um real sentido. Minha mão segura firmemente à caneta entre meus dedos e meus olhos segue os contornos das letras enviando o significado de cada palavra.

Ainda é noite, estou sentada em minha cama, firmando o pequeno caderno que usei este ano para registrar todas as informações importantes do meu último ano escolar.

Minha cabeça está apoiada na cabeceira e ao meu lado tenho o celular, onde algum minuto atrás lia uma mensagem de boa noite do meu único e melhor amigo. Sorrio.

Respiro fundo parando por instantes a caneta. Eu não sei qual o objetivo ou motivo de reviver o momento mais marcante da minha vida, porém escrevendo é como se eu estivesse tentando apagá-lo de minha memória.

Tão contraditório!

Penso no amanhã, último dia de aula. A formatura. Serão vinte e quatro horas antes de nos tornamos oficialmente adultos, pessoas mais responsáveis com um futuro brilhante batendo em nossas portas, em uma esperança silenciosa.

Eu nunca pensei que chegaria neste dia.

Minha memória regressa de 2011 para 2001.

Estamos dentro do carro, meu pai, minha mãe e eu, todos sorrindo sem nenhum motivo aparente, somente felizes em mais uma viagem de férias. Olho a paisagem pela janela da direita, o asfalto, as montanhas ao longe, o entardecer, o pouco verde ali presente.

Não há muito movimento na estrada.

Papai está usando uma camisa azul e calça jeans, o cabelo preto um pouco bagunçado, suas roupas não satisfazem mamãe que tinha pedido para que ele usasse a camisa branca e a bermuda, um estilo mais despojado, pois estávamos indo à praia.

Mamãe estava com um lindo vestido rosa-bebê, os cabelos loiros soltos. Retribui o sorriso quando se virou para trás, dizendo o quanto eu estava linda.

Ela havia me elogiado porque escolhi sozinha minha roupa, um short xadrez, uma blusa amarela e meu tênis branco. Nada combinava, todavia, me sentia confortável e única, além de ter trançado devidamente meu cabelo.

Papai liga o rádio e começamos a cantar juntos, entretanto não consigo lembrar a canção. Vejo e ouço a buzina do caminhão, o alce atravessando a estrada, os faróis a nossa frente. Sinto um impacto jogando meu corpo para frente e para trás, antes que o carro sacoleje e desça ao que parece ser uma ribanceira. Meus olhos tentam enxergar, estamos parados novamente, de cabeça para baixo.

Um chamado ao longe e tudo se apaga...




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