Capítulo 8

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"Com a minha própria luz, me deixe ser eu mesmo"

Let Me Be Myself - 3  Doors Down



Estou sentada no sofá com Paul, minha cabeça apoiada em seu peito, envolvida no abraço. O silêncio não é irritante, pois sua presença me acalma. As lágrimas finalmente cessam e a paz novamente se apodera de mim.

Não quero conversar sobre o motivo de chorar e ele respeita minha decisão. Eu sei que isso poderá acontecer outras vezes, não é um episódio que desaparecerá como mágica. Já que é o único momento que o vazio parece existir de verdade.

— Qual a cor do seu vestido? — Ele pergunta quebrando o silêncio.

— Como assim? — Franzo o cenho intrigada com seu questionamento. Por que ele quer saber a cor do meu vestido? Isso é absurdo.

— Minha irmã disse que devemos combinar— sua voz é cética —Eu não sei de onde ela tirou essa ideia, mas me obrigou vir aqui e até tentou ligar para você.

— Acho que ela tem lido muitas revistas — sorrio — Quanto à cor do meu vestido, não é chamativa.

Ele ri, apertando seus braços ao meu redor.

Houve um tempo em que fui apaixonada por ele, acho que a culpa se deve ao fato dele ter sido meu amigo por muito tempo, não me viu como a garota manca da escola ou se aproximou de mim por ser filha de um homem respeitado ou por pena. Ele sempre demonstrou um carinho especial por mim, como sua irmã.

Aos poucos, essa minha paixão tornou-se impossível, ele estava acompanhado de garotas normais totalmente diferentes de mim. Nunca daria certo.

— Pensando demais — ele murmura beijando minha bochecha.

Escuto o chacoalhar de chaves, meu pai aparece no meu campo de visão com muitas sacolas, o senhor Rafael nos encara com uma sobrancelha arqueada, um semblante descrente, antes de bufar e sussurrar algo inaudível. Ele deveria ter se acostumado com a presença de Paul.

— Boa tarde — diz sério — Vou estar no escritório com a porta aberta se precisar de mim.

— Tudo bem, pai. Nós conhecemos as regras.

Ele concordou, desaparecendo em seguida. Gargalhamos quando ouvimos a porta do escritório ser fechada. Como se fosse possível existir algo entre mim e Paul.

— Acho que seu pai continua não gostando de mim — ele resmunga, afrouxando o abraço.

— Ele não gosta de nenhum garoto perto da filha dele — retruco ficando de frente para ele — Papai acha que vocês querem se aproveitar de mim, independente de quem seja filho.

— O senhor Rafael tem razão — concorda, deixando-me surpresa com suas palavras — Agora vamos ensaiar! — Se levanta me pegando no colo, indo em direção ao estúdio.

—Isso não é divertido — resmungo — Eu consigo andar.

Ensaiar é um eufemismo para as horas terríveis de fisioterapia que, embora doloridas e irritantes, Paul tenta tornar divertido. Retiro os tênis ficando somente com as meias, ele escolhe um CD que me presenteou ano passado, segundo ele, as melhores músicas do mundo.

Reviro meus olhos antes de segurar sua mão.

— Vamos treinar nossa dança de verdade.

— Além de ir para o baile, tenho que dançar? Isso não estava no pacote.

— Sempre esteve, você que desejou ignorar.

Seguro sua mão direita, enquanto sua mão esquerda segura minha cintura causando um leve arrepio, coloco minha mão direita em seu ombro. Ele conta até três, antes de começar a ditar as ordens: Pé direito para trás, agora o esquerdo, direito para o lado, e um, dois e três, gira.

Estava tudo indo muito bem, eu pisando em seu pé sucessíveis vezes, até sentir uma fisgada no joelho. Sento-me na poltrona, esticando as pernas, vendo-o se ajoelhar a minha frente com o cenho franzido.

— Por que tirou a órtese? — Paul está irritado.

— Nenhum motivo aparente — respondo, tirando suas mãos da minha perna — Eu só fiquei com raiva por não ser igual as outras garotas. Eu nem posso andar sem este equipamento idiota.

— Ninguém é igual a ninguém, e jamais diga que isso é idiota — diz sorrindo, segurando meu queixo — Cada pessoa tem um defeito.

— Eu acho que todos são perfeitos.

— Você está mentindo, Valentina — fecho a cara e ele sorri — Se conseguisse ver todas as suas qualidades e o quanto é bonita não se importaria com detalhes insignificantes.

—Diz isso porque é meu amigo.

Paul meneia a cabeça frustrado com minha afirmação. Olho o relógio marcando dezoito horas. O tempo pela primeira vez correndo. A música terminou e a sala regressa para o silêncio.

— Acho melhor ir se arrumar — digo, embora minha voz falhe.

Ele se levanta, beija minha testa e vai embora, deixando um enigma. Abraço-me fechando os olhos tentando compreender minha aflição e sentimentos confusos. Tudo parece tão contraditório, sem coerência. Eu tento entender o motivo de viver cada dia, contudo nada tem sentindo. Respiro fundo, sentindo o abandono e a dor retornar com mais intensidade. Não quero chorar.

— Resolveu ir ao baile? — Abro os olhos encarando meu pai, de braços cruzados, entrar no estúdio.

— Sim, na verdade fui coagida— sorrio, batendo no braço da poltrona para que ele se sente.

— Ótimo! Você precisa se divertir em seu aniversário — encosto minha cabeça em seu tronco, abraçando-o e inalando seu perfume.

— Papai? — Digo e ele me fita nos olhos.

— Sim? Mas, antes que pergunte eu nem sei dar nó em gravata muito menos maquiagem— balanço a cabeça ignorando sua piada sem graça.

— Não é isso — digo depressa — Eu... só queria saber por que não se casou novamente.

Ele suspira, levantando e indo até o piano onde há uma foto de nós três. Papai passa a mão calmamente sobre a fotografia e tenho certeza que seus olhos estão marejados.

— Quando tinha a sua idade, seu avô me disse que só há uma mulher certa para um homem certo. No começo pensei que fosse mentira até conhecer sua mãe, ela era a única certa para mim.

Papai volta seus olhos para mim e sorri.

— Obrigada por ser um grande pai. A mamãe teria orgulho do senhor.

— Eu te amo, querida — diz mandando um beijo no ar, deixando-me sozinha no estúdio.

Encaro novamente o relógio, fitando o enorme espelho na parede, observo meu reflexo, alguns fios soltos do coque, meu rosto sem maquiagem e os aparelhos abandonados na sala. Respiro fundo, antes de me levantar e ir para meu quarto.

Só espero não me arrepender de ir ao baile.



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