II - TIRIRI
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Eu o amava por demais,
Era um misto de admiração e devoção
Que nem eu mesmo compreendia.
Infelizmente ele que era homem preto
Só amava verdadeiramente
Outro homem preto.
Os conheci ainda menina,
Dois irmãos, ambos na casa
Dos vinte anos.
Nunca soube seus nomes de verdade
Pois o povo escravo dava a eles
Apelidos vindos de palavras
Usadas em cantigas
De um de seus Deuses,
Um tal Exu, que era Deus arteiro
E que mesmo sendo sagrado
Ainda assim não abria mão
De fazer molecagens.
Então os irmãos tinham nomes de Exu,
O mais velho era corpulento, um gigante
E o mais novo era mais baixo
Mas também forte.
O grandalhão era Marabô
E o ligeiro era Tiriri,
E os nomes lhe caiam bem
Pois eram dados as zuelas.
Os dois viviam grudados,
Se avistasse um era porque
O outro não estava mais longe
Que um quarteirão.
Quando os conheci foi na época
Da minha juventude,
Época que era moça de cabelos
Louros e sem rugas na face,
Quando cai na vida e fui
Ser messalina no cabaré de
Dona Maria Quitéria,
Os dois estavam lá de leão de chácara,
Que é o nome que se dá
Para quem protege uma casa
De mulheres da noite.
Eu era jovem e vaidosa,
Então quando passava por Tiriri
E ele para mim lançava um assobio,
Bom, basta dizer que me sentia
A mais bela das damas.
Todos os homens na verdade
Se derretiam por mim,
Mas eu sabia que poucos entre eles
Me viam como gente,
E Tiriri era um desses
Que me olhava como pessoa.
Fiquei muito amiga dos dois irmãos,
Quando um se afastava
O outro ja ficava inquieto,
E então eu pensava
"Mais que bonita a fraternidade, dois que sentem saudade um do outro",
Mas um dia Tiriri bebeu demais
E subiu comigo para o quarto,
Em meio as nossas libertinagens
Ele acabou por contar o motivo
De nunca querer ficar longe de Marabô.
Haviam os dois nascidos escravos
Filhos de uma negra que trabalhava
Na casa de um barão de cafezal
Lá para o norte da província,
Quando eram ainda muito novos
Viram que a esposa do barão
começou a fazer muitas
Perversidades com a mãe dos dois,
Tinha ciúmes da beleza dela.
Fez-lhe tantas crueldades que
A mulher não aguentou e morreu.
Tiriri e Marabô passaram a baronesa
Na faca, a Mataram e fugiram,
Porém, não se sabe como,
O barão descobriu que eles
Eram os assassinos
E jurou que iria encontrar
Os dois e os matar.
Daí percebi que o olhar cumprido
Que Tiriri lançava a sua volta
Quando o irmão não estava
Não era saudade, era medo,
Medo que o outro fosse
Pego sozinho.
Eu continuei a ter meus romances
Com ele, era risonho, bonito,
Sabia contar anedotas das mais hilárias
E sabia beijar de uma forma
A deixar qualquer moça
Com as pernas bambas.
Pensava eu que ele me amava,
Mas não amava nada,
Tiriri me queria como
Amante e como amiga, só.
Foi então que aquela mulher
Chegou na casa, uma vadiazinha
Que tinha trejeitos ciganos e
Dançava alá espanhola em cima do palco
Como se fosse artista,
Pintava os olhos com kajal
E usava o espartilho tão apertado
Que os peitos pareciam bombas d'água
Prestes a romper.
Sete Saias era seu nome
E por muitos anos eu a odiei,
A odiei pois ela tirou Tiriri de mim.
Sim, ele caiu de amores por ela,
E a lambisgoia se fazia de besta
Tirando dele toda a atenção
Que deveria ser minha.
Eu havia chegado Primero,
Mas ela só por ser mais bonita
E por se fingir de misteriosa
O enlaçou como um bezerro.
Sabe, ciúme é coisa que parece
Que não é nada demais,
Mas faz a gente cometer loucuras.
Uma manhã estava eu na faxina
Do salão após uma noite de trabalho
Quando dei por falta dela.
Sim, dona Quitéria já havia falecido
Mas Dona Maria Padilha, que era
A nova dona da casa
Mantinha os costumes rígidos,
Todas as moças tinham de ajudar
Na faxina após a casa fechar as portas.
E porque eu Serafina tinha de
Fazer a faxina com minhas iguais
Enquanto aquela megera estava
Lá em cima descansando?
Subi as turras batendo
Os saltos no assoalho com raiva
E quando bati a porta do quarto
Pronta para descascar a bandoleira
Não foi Sete Saias que atendeu,
Foi Marabô, e ele estava desnudo.
Vi ali a oportunidade,
Sai correndo para fora do cabaré
E o encontrei na porta de um botiquim
Que ficava perto.
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Contos dos Maridos da Lua
RomanceA dor da Morte é o Princípio do caminho deste sete poderosos homens que habitam hoje a fé espiritual Brasileira.