Minha mãe era filha única e meus avós já eram falecidos há muito tempo. O mesmo podia ser dito sobre a família de meu pai. E ele, coitado, também tinha morrido há 4 anos longe do contato das filhas. No final das contas, a missa de sétimo dia da morte de minha mãe era uma completa perda de tempo. Ninguém viria de qualquer forma.
Apesar de trabalhar há anos no mesmo serviço, mamãe não tinha uma grande rede de amizade. Então estavam presentes na celebração somente eu, nossa vizinha Dona Vera, seu neto André e algumas beatas que provavelmente fazem questão de estar presentes em todas as missas de sétimo dia da igreja (mesmo não fazendo idéia de quem é o falecido). Além disso, minha irmã mais velha, Solange, ficou o tempo todo perto de mim. Tão, ou mais, entediada que eu.
Estávamos morando juntas há menos de 24 horas e eu já podia afirmar que isso não daria certo. Não brigamos em nenhum momento. Chegamos a trocar sorrisos duas vezes. Eu segurei a porta para ela passar quando saímos de casa. Mas nada disso adiantava, eu não me sentia à vontade com ela no apartamento.
Solange saiu de casa há três anos, sem se importar nenhum pouco em como eu ficaria com a sua partida.
Meu plano era seguir os passos dela. Assim que chegasse à minha maioridade eu moraria sozinha. Sairia do apartamento de minha mãe. Agora, com o acidente, os planos mudaram um pouco. O apartamento não era mais de minha mãe e ela não mais existia.
O padre que realizava a missa era um senhor muito idoso que falava com um sotaque engraçado. Metade da celebração eu fiquei tentando decifrar o que ele dizia e na outra tentando compreender o que falava. Como alguém conseguia seguir os passos de Jesus com um intermediário tão enrolado?
Nunca fui realmente uma pessoa religiosa, mas me lembro de ir à missa aos domingos com mamãe e Sol quando era mais nova. Meu pai sempre trabalhou muito para nunca deixar faltar nada em casa, por isso ele dificilmente participava dos nossos passeios.
Apesar de lembrar exatamente minha última ida à igreja, eu não me recordava da última oração. Eu conversava com Deus constantemente. Acreditava Nele. Mas tinha uma relação quase de amiga com Ele, não de filha.
No momento em que o padre falou para ficarmos de joelho e pedirmos paz para a alma de minha mãe eu pensei muito no que dizer. Eu a amava. Amava do meu jeito. Ela tinha feito muitas coisas erradas, não era um exemplo para ninguém. Mas sangue é sangue.
Rezei pedindo que Deus cuidasse dela. Só.
O que mais poderia pedir?
Na saída algumas beatas nos deram os pêsames. Solange estava ao meu lado. Passamos quase uma hora e meia sem trocar uma palavra. Não tínhamos muito a dizer, afinal.
– Minha querida, você está bem? – Dona Vera perguntou assim que afrouxou o abraço que me deu. Meus braços ficaram momentaneamente dormentes pelo aperto.
– Estou bem. Obrigada.
– Sol, querida, quanto tempo – ela abraçou minha irmã e sorriu com mais felicidade do que era conveniente em uma missa de sétimo dia – Você está tão bonita!
Como se ela precisasse de mais elogios. Solange era a mais bonita e, definitivamente, a mais convencida da família. Seu cabelo loiro liso sem chapinha, olhos cor de mel e corpo com tudo no lugar. Pessoas naturalmente bonitas simplesmente não deviam existir!
– É bom vê-la, Dona Vera.
– Pois é, uma pena ter sido nessa situação. – nossa vizinha era muito amiga de minha mãe, a dor dela era sincera – Como vocês chegaram à igreja, meninas?
– Pegamos um táxi – já que o carro de nossa mãe tinha sofrido perda total no acidente, agora nossa locomoção estava restrita ao transporte público e taxis.
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A dona do cabelo laranja
RomanceSolange é uma jornalista frustrada com sua vida. Luara uma adolescente problemática. Em comum as duas jovens possuem o mesmo sangue e a mesma mãe negligente. Após um trágico acidente, as duas irmãs precisam aprender a conviver juntas, mesmo que isso...