Capítulo 2 - Jie Feng

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A quem se agarraria para continuar respirando?

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As estrelas pintavam o céu noturno e o vento causava pequenas ondas nos lagos de lótus. Os servos já estavam em suas casas e juniores caminhavam até seus dormitórios.

As cortinas balançavam suavemente e o silêncio cobria o cómodo. A luz da lua iluminava o rosto frágil, dando-lhe um pouco mais de vida. Ao abrir seus olhos foi como se visse uma luz intensa, fazendo suas pupilas encolherem. Esfregou os olhos enquanto se sentava e o seu corpo latejou de dor na hora. Sua boca seca necessitando de algo líquido.

Uma voz gentil ascendeu seus sentidos. "Por favor, beba isso"

Procurando a origem da voz, se deparou com uma mulher muito bonita que lhe estendia uma xícara de chá.

A bebida desceu por sua garganta como fogo, ascendendo chamas por todos seus meridianos, seu sangue ferveu e seu coração batia rápido. Uma energia revigorante preencheu suas células.

A mulher explicou com um sorriso gentil. "Isso vai ajudar a sua energia espiritual"

A moça explicou algumas coisas antes de sair. Jie Feng estava na seita YumengJiang, liderada por Sandu ShengShou. Ele havia lhe resgatado à um mês atrás, tempo esse em que permaneceu desacordada.

Sua perna já havia sarado, assim como outros ossos, mas ainda precisava repousar. Mesmo tendo um núcleo dourado, sua energia espiritual permanecia muito fraca, seu estado de desnutrição era severo. O que mais preocupava os médicos eram as marcas de tortura que Jie Feng tinha pelo corpo, o que os fez concluir que ela havia sido espancada até perder os sentidos.

Suspirando cansada, percebeu que a situação não era tão simples assim. Tudo o que conseguia lembrar eram pequenas manchas de lembranças antigas. A situação era tão estranha que tudo o que poderia fazer era rir de nervoso, nem sequer se permitia em pensar numa explicação razoável para aquilo tudo, simplesmente não tinha, e não conseguiria encontrar uma. Tudo era tão absurdo que lhe causava enjoou.

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Bagunçando seu cabelo percebeu o quão sujo e quebradiço estava, se assustando quando fios negros se prenderam em seus dedos. Olhando atentamente para as madeixas escuras, percebeu que estavam mais lisos que o normal. Não mais ondulados e castanhos, mas sim lisos e escuros.

Jie Feng se lembrava perfeitamente de como mudará seu cabelo para se encaixar melhor em seu estilo de vida. Pintando e ondulado-o.

Ela riu mais ainda, era inacreditável que, talvez, não estivesse em seu corpo original. Relutante em se olhar no espelho, começou a examinar seu próprio corpo, rezando para que nada tivesse mudado.

Passando sua mão pela extensão de sua pele, percebeu que, de fato, tinha muitas marcas, era repulsivo senti-las. Algumas fundas, outras rasas, algumas poderiam sumir, outras não. Assustou-se ainda mais quando elas não pararam de aparecer, tinham muitas.

Parando de tocar nas feridas, levou a mão ao rosto, um rosto muito fino, a pele estava oleosa, mas de certa forma limpa. Provavelmente alguém a limpou superficialmente enquanto estava desacorda. Ao pensar nisso um arrepio subiu por sua espinha.

Quase desejou não tomar banho somente para não conhecer seu novo corpo.

Começou a olhar em volta e fazer cálculos mentalmente. Todas as coisas presentes no quarto eram diferentes do que estava acostumada, ao julgar pela falta de energia elétrica, máquinas medicinais e remédios, deduziu que estaria em um tempo muito antigo.

Ao julgar pelas feições da jovem mulher que conversara agora pouco, estaria de volta ao seu país de origem, visto que as feições eram chinesas. Não estava no país em que se mudará para recomeçar, não estava em sua época, e não estava em seu corpo. Talvez estava em outro mundo? Sinceramente, Jie Feng não queria saber a resposta.

Seus pensamentos foram completamente varridos ao ouvir batidas na porta, ela gritou que entrasse e assim a moça de mais cedo apareceu. Trouxe comida e roupas, fez-lhe companhia e disse seu nome, começando uma conversa casual sem lhe fazer questionamentos inoportunos, nem a enchendo com informações. Na verdade sua companhia era até que agradável. A moça era alegre e gentil, como um raio de sol. E, sinceramente, Jie Feng  não gostava de pessoas que eram como raios de sol. Em toda sua vida, sempre dependeu dessas pessoas. Ela era como um cubo de gelo que afastava os outros, por isso, sempre se prendia a alguém extrovertido e alegre, para não ficar sozinha e para as pessoas não se afastarem. Porém, odiava o fato de sempre ser apenas uma sombra do raio de sol que iluminava as pessoas. Afinal, ninguém gosta de energias negativas perto de si.

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A moça lhe contou quase que desabafando. " O líder da seita Jiang ultimamente anda estranho, não está mais com seu mau humor habitual, nem sua carranca rotineira, parece até mesmo que anda sempre calmo"

Jie Feng questionou: "E por que isso é estranho?"

"Bem, Jiang Wan Yin por natureza é uma pessoa estressada e de pavio curto. Normalmente está sempre gritando, mas de uns tempos para cá, ele tem se reservado, não sai para caçadas noturnas e nem supervisiona os treinamentos dos discípulos. Raramente o vemos, seu comportamento não é mais o mesmo."

Com a explicação de Ling Lie, Jie Feng imaginou um velho ranzinza que sempre batia na cabeça dos mais novos com um jornal. Ela riu com sua imaginação.

Ao terminar de comer, pediu que Ling Lie lhe desse licença para se trocar. Antes de sair a moça lhe disse que Jiang Wan Yin queria vê-la. Ela concordou com a cabeça, mas não estava disposta em vê-lo, ele poderia muito bem esperar, agora iria encarar o seu novo corpo e se preparar para afogar-se na banheira.

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A imagem no espelho era tão deprimente que poderia muito bem derramar lágrimas, mas seu corpo parecia completamente ausente de água. Tudo o que podia sentir era um desconforto enorme em sua garganta, como se estivesse engolido vidro e fosse incapaz de cuspir o sangue.

Os olhos acinzentados reluziam em desgosto, seu rosto estava tão pálido que parecia um cadáver. O que mais lhe assustava eram as infinitas marcas, a dona original do corpo claramente sofreu além do imaginável, estava claro que aquele corpo tinha permanecido em cativeiro. Mesmo assim, podia se perceber a beleza em seus traços.

Jie Feng afundou-se desesperadamente na água como se esperasse se afogar, porém, logo seu corpo gritou por oxigénio.

Os minutos foram passando, sua cabeça começou a fervilhar. Qual era o problema de querer desaparecer? Não foi isso que desejou? Na verdade seu desejo foi: querer ir para outro mundo. E bem, isso realmente aconteceu.

Riu amargamente. Como os céus foram misericordiosos em conceder seu desejo! Isso parecia uma piada, com certeza quem estivesse encarregue de seu destino estaria se divertindo com seu desespero. Desespero esse que durou pouco tempo, não adiantaria se lamentar. Não tinha como voltar atrás, poderia apenas aceitar.

Jie Feng, surpreendentemente, aceitou seu destino com certa indiferença,  como se fosse algo sem importância. Era como se sua vida fosse um jogo e para ela não fazia diferencia quem o jogava.

E agora, qual seria o próximo passo? A quem se agarraria para continuar respirando?

Pétalas de lótusOnde histórias criam vida. Descubra agora