24 de Dezembro, 14:21 da tarde, horário local.
Exatas duas horas de espera pelo maldito vôo 3587 da companhia aérea na qual minha assistente Eliza teve a genialidade de comprar minha passagem de Dublin de volta à Nova Iorque. Talvez seja errado eu estar culpando-a já que ela não tinha como adivinhar a previsão de nevasca há 3 meses atrás, quando ela fez as reservas. Mesmo assim, isto me irrita profundamente.
Não sou o tipo de homem que gosta de perder tempo na vida, que dirá ficar dentro de um aeroporto por duas horas à espera de um vôo que possa me levar de volta para casa.
Estou cansado, irritado e o pior: não posso fazer nada para mudar a situação, então resolvo comprar mais um café, andar um pouco e esticar minhas pernas. Decido ir a cafeteria do terceiro andar ao invés da lanchonete que fica neste nível só para evitar a senhora que me atendeu nas últimas duas vezes que fui lá e disse estar com pena de minha situação.
Não tenho a menor pressa em chegar ao terceiro piso, por isso, opto pela escada rolante mais distante de onde estou ao invés do elevador. Vejo mulheres andando para lá e para cá, com malas cheias e bolsas mais pesadas que elas mesmas, gente que carrega coisas demais e sofre ao tentar se transportar para todos os lados do terminal. Faço uma nota mental para sempre agradecer por eu ter facilidade em colocar tudo de que preciso em uma bagagem compacta que não me dá muito trabalho.
É incrível observar o quanto as pessoas podem ser estúpidas, me distraio observando uma jovem de uns vinte e poucos anos que está tendo uma luta maçante com sua mala gigantesca, uma bolsa tão grande quanto a de rodas em um ombro e sua necessaire na outra mão, com certeza ela está perdendo horrivelmente, pois seu cabelo ruivo está totalmente desarrumado e sua roupa parece mais amassada que as minhas depois que saem da máquina de lavar. Tenho vontade de rir enquanto ela tenta subir as escadas logo à minha frente.
Ao sinal dos alto-falantes, minha atenção é redirecionada.
Atenção todos os passageiros do vôo 2001, dirijam-se ao portão de embarque...
Mais um vôo decolando, e mais uma vez não é o meu. Pelo menos estão reabrindo os portões, penso, tento ser otimista, mas não é como se eu tivesse talento para isto.
Uma voz alta e estridente chega aos meus ouvidos, volto minha atenção para frente e noto que a garota ruiva está ao celular... e ainda lutando com sua própria bagagem. Droga, eu deveria ter passado na frente dela ou ter ido pela outra escada, vai ser infernal quando chegarmos ao segundo andar e ela demorar dois anos para sair da minha frente.
– ...não, não, ainda estou no aeroporto. – a garota diz, e faz uma pausa. – Eu não sei, não é como se eu quisesse ficar aqui também.
Nenhum de nós quer, penso.
– ... comecem sem mim – diz ela com pouco ânimo – ... é claro que não, apenas peça desculpas por mim, está bem? – pausa – Sim, tenho certeza de que ela está adorando tudo isso. Certo, tudo bem, assim que o vôo sair, eu aviso. – pausa – Tudo bem, certo, certo... Também amo vocês.
E ela desliga. Ainda bem, já estava pensando como ela conseguiria dividir mais uma parte de seu cérebro para falar ao celular e passar com a bagagem para fora da escada rolante. Espero alguns segundos enquanto ela sai, e tento ultrapassá-la, mas há muito mais gente neste andar do que no outro, a locomoção fica difícil, e para minha sorte, tenho a presença da garota mais uma vez na outra escada rolante.
– Um café preto, por favor – digo à atendente antes que ela termine de inspirar o ar para começar a falar. Ela sorri e retira-se para arrumar o pedido.
– Um Irlandês, por favor. – reconheço a voz ao meu lado... de novo?
Olho e vejo a garota ruiva ali, ela vira-se para mim e sorri levemente, percebo que ela tem pequenas sardas em volta do nariz e os olhos são tão cinzentos como uma tempestade, mas mais sólidos que gelo.
– Você deveria experimentar. – ela diz para mim.
Minhas sombrancelhas comprimem-se involuntariamente.
– O quê?
– O café. – ela aponta com o queixo para a atendente que está trazendo o meu café – Você deveria experimentar algo além do tradicional. Já experimentou o Irlandês? – ela sorri amistosamente.
– Gosto do tradicional. – digo, ignorando sua outra pergunta.
Em resposta, ela me ignora por completo e continua.
– É feito com whisky e creme batido, e claro, café. – ela ri como se fosse uma piada e tanto.
Eu me pergunto como ela pode estar tão alegre em um lugar como este, esperando um vôo que não chega nunca.
A atendente entrega-me o café.
– São € 3,75 senhor.
Já estou com o dinheiro em mãos, mas minha atenção ainda está parcialmente voltada para a garota, que também está pagando por seu café.
– Senhor? – a atendente chama outra vez e eu me concentro.
– Sim, desculpe.
Eu pago e dirijo-me a saída. Percebo que mais uma vez a garota está à minha frente. Uma pergunta surge em minha cabeça e eu não penso antes de fazê-la.
– Como você sabe que eu sempre tomo o tradicional?
Por sorte – ou talvez nem tanta – a garota ouve e vira-se.
– Eu vi você pedindo o mesmo café nas duas vezes anteriores.
Isso me surpreende. Ela estava me observando?
– Você está me seguindo? – pergunto, mais uma vez ignoro minha regra de sempre pensar antes de falar.
Ela ri, tão alto que algumas pessoas que passam nos observam como se fossemos malucos, não gosto da sensação de ser julgado, normalmente sou eu quem julgo pessoas desse modo.
– Não, eu não estou te seguindo. Acho que é só coincidência. – ela vira-se novamente e continua a andar, eu não me movo, de repente ela para, olha para mim novamente e acrescenta: – Além do mais, que tipo de perseguidora eu seria se demonstrasse que estou lhe seguindo?
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Aconteceu em Dezembro
Short StoryÀs vésperas do Natal, depois de duas horas preso no aeroporto lotado de Dublin, a única coisa que Adam Elberg deseja é chegar em casa, esquecer do restante do mundo e de como essa época do ano é desnecessária para ele. Com uma carreira de sucesso...