24 de Dezembro, 15:06 da tarde, horário local.
Atenção todos os passageiros do vôo 1774 de Dublin para...
Mais um alarme falso. Agora já são sete. O painel está começando a ficar verde novamente, mas a faixa onde está meu vôo continua intacta há quase três horas; infelizmente não posso dizer o mesmo de minha paciência. Observar as pessoas já se tornou maçante, todos são tão iguais, agem da mesma forma como se fossem diferentes uns dos outros. Meu café acabou menos de dez minutos depois que o comprei, não sinto fome, apesar de acreditar que deveria comer algo em breve.
Penso na garota ruiva mais uma vez – deve ser a vigésima agora –, não sei ao certo o que era, mas algo nela era diferente das outras pessoas. Fiquei impressionado com seu dom involuntário de me fazer falar coisas que geralmente eu evito, como conversar com pessoas apenas para passar um pouco do tempo.
Ao sinal dos alto-falantes, a voz genérica de uma mulher ocupa as lacunas de todo o aeroporto.
Atenção todos os passageiros do vôo 3587 de Dublin para Nova Iorque, por favor, dirijam-se ao portão de embarque número 2. Atenção todos os passageiros do vôo 3587...
Sinto que por uma fração de segundos meu ouvidos estão me enganando, observo o painel e vejo que a linha com as indicações de meu vôo está verde. Mal posso acreditar.
Levanto-me apressadamente e me junto à massa de pessoas que estão andando para todos os lados do saguão de embarque. Dirijo-me ao portão indicado e entrego minha passagem à garota sorridente que a recebe e deseja-me uma boa viagem e um Feliz Natal.
Natal. Já estamos nessa época do ano outra vez? penso, mas não digo, apenas agradeço – mesmo sabendo que meu Natal se resumirá em um relatório, duas caminhadas matinais e minha volta ao trabalho já na segunda-feira – e finalmente entro em meu vôo de volta para casa.
– Tudo bem, agora você deve achar que eu estou te perseguindo mesmo.
Olho para cima depois de me sentar no lugar que minha passagem indicava como meu e vejo a garota ruiva sorrindo para mim. Desta vez ela está carregando apenas sua necessáire e bolsa, a mala gigante se foi.
Eu a observo colocar ambas as bagagens pequenas no lugar e sentar-se ao meu lado, não digo uma palavra porque estou confuso com a situação.
– Você está indo para Nova Iorque também? – faço a pergunta mais óbvia de todas.
Ela ri mais uma vez.
– Acho que sim. Este vôo vai para lá, não é?
Não respondo, fico sem saber o que fazer, o que é totalmente ridículo. Por que eu estou agindo como um idiota? É só uma garota, não é como se eu nunca tivesse falado com uma.
Ela está mexendo no celular, aparentemente enviando uma mensagem. Decido parar de olhá-la antes que alguém ache que sou algum maluco.
– Indo à trabalho? – ouço-a perguntar.
– Não. Voltando. – respondo sem desviar os olhos da janela do avião. Vejo alguns trabalhadores ainda retirando neve da pista.
– Eu também. Quer dizer, eu não estava aqui a trabalho, na verdade eu estava visitando meu irmão e a esposa dele. Eles acabaram de ter uma filha, uma menininha linda que eu ainda não havia conhecido porque estava trabalhando sem parar em Londres. Mas agora eu estou voltando para a casa dos meus pais para passar o fim de ano.
Não consigo evitar e a encaro novamente, ela cala-se e percebe que estava falando demais.
– Desculpe, eu sei que às vezes eu falo demais – ela sorri e eu me pergunto se ela não cansa de demonstrar tanta alegria o tempo todo.
– Tudo bem. – eu lhe digo.
– Aliás, me chamo Meredith.
Ela estende-me a mão em cumprimento.
– Adam.
Aperto sua mão, sua pele é macia mas está fria como gelo.
– Desculpe. – ela diz quando percebe minha reação ao tocá-la.
– Você está congelando.
– Perdi minhas luvas. – ela confessa, como se tivesse cometido um crime.
– Por que você diz isso como se tivesse cometido um crime? – pergunto.
Consigo notar ao fundo a voz do capitão apresentando-se e desejando a todos uma viagem confortável.
– Por que é um crime. Foi presente da minha avó.
Eu rio, é inacreditável, mas eu rio como se estivesse conversando com uma pessoa que me conhece há anos. Uma mulher que está sentada na poltrona do outro lado do corredor me olha como se eu estivesse surtando, mas eu mal noto.
– Por que está rindo?
– Desculpe, desculpe. – eu digo depois de me recuperar. – É que você pareceu tão culpada.
– E eu estou. – ela diz – Ganhei aquelas luvas quando tinha 16 e prometi usá-las sempre. Minha avó que fez, especialmente para mim.
– Quantos anos você tem?
– 23, por quê?
– Nada.
Ela entende minha pergunta tardiamente.
– Ei! Não me julgue. Você deve ter a minha idade.
– Não. Tenho 26.
– Rá! Grande coisa, só três anos. E eu aposto que você já fez promessas desse tipo para a sua avó.
De repente o clima extrovertido acaba.
– Não, na verdade não. – digo.
– O quê? Nunca? – ela continua sorrindo, sem notar minha expressão.
– Não.
Meredith parece notar minha postura e não faz mais perguntas. Permanecemos em silêncio por algum tempo.
O avião já está no ar por cerca de 40 minutos quando uma das comissárias aproxima-se e oferece as opções de petiscos e bebidas.
– Uma água. – peço e ela entrega-me uma pequena garrafa.
– Um café preto. – responde Meredith.
– Vai no tradicional, desta vez? – pergunto.
Ela sorri.
– Só às vezes.
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Aconteceu em Dezembro
Short StoryÀs vésperas do Natal, depois de duas horas preso no aeroporto lotado de Dublin, a única coisa que Adam Elberg deseja é chegar em casa, esquecer do restante do mundo e de como essa época do ano é desnecessária para ele. Com uma carreira de sucesso...