A Dívida

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 Meredith e eu caminhamos juntos até pegarmos nossa bagagem. Quando a dela chegou, lembrei-me da primeira vez que a vi, comecei a me sentir mal por tê-la julgado de uma forma tão errônea. Ela não era uma garota atrapalhada, desmiolada ou sequer alguém fútil ou desorientada. Muito pelo contrário. Ela fora a primeira pessoa em todo o tempo que já passei viajando, que conseguiu fazer meu tempo dentro do avião parecer tão curto e assustadoramente divertido.

 A sensação era estranha, mas libertadora.

 – Ei, quer conhecer minha família? – perguntou ela.

 Minhas sobrancelhas franziram-se. Ela riu.

 – Não se preocupe, eles são legais. Estão me esperando na saída.

 Pensei rapidamente no assunto; eu não tinha nenhum talento para ser simpático com outras pessoas. Aliás, meu talento era estritamente conversar com outras pessoas no trabalho, a respeito de assuntos do trabalho. Mas Meredith havia conseguido me fazer falar mais em um vôo do que eu já falara em anos. Valia a pena arriscar.

 – Tudo bem. 

 Quando chegamos ao desembarque, um grupo de mais ou menos doze pessoas estava toda reunida logo no início da saída. Todos estavam usando tocas de Papai Noel, um casal jovem que estava na frente segurava um cartaz com os dizeres "BEM-VINDA DE VOLTA, MERI".

 Tive vontade de dar meia volta e fingir que não havia entendido o convite de Meredith, mas já era tarde demais, ela soltou a bagagem no chão e correu para abraçar um casal mais velho que estava bem na ponta do grupo. A mulher tinha cabelos castanhos e o homem era ruivo como Meredith, mas fisicamente ela tinha as feições da mãe, incluindo o sorriso.

 Eu não sabia como reagir. Nunca tinha visto uma família tão grande e feliz. Onde é que eu estou com a cabeça? penso ao me dar conta de que estou parecendo um idiota parado alguns metros longe da família, ao lado das malas de Meredith.

 Decido deixar para lá e recomeço a andar. Ninguém percebe minha saída. Olho mais uma vez de relance para ela, que está tão feliz abraçando e cumprimentando todos, que tenho certeza de que não irá dar por minha falta muito cedo.

 24 de Dezembro, 22:38 da noite, horário local.

 O aeroporto JFK está tão lotado que é difícil andar em direção à saída. Começo a me perguntar se meu motorista já está a postos. Espero que sim, pois não aguento mais nenhuma hora extra no meio de tanta gente.

 Quando saio para fora, vejo os primeiros flocos de neve descerem até o asfalto negro. O movimento de carros é caótico. Procuro no mar amarelo um sedã preto e o avisto do outro lado da rua. Sigo em frente, ignorando o desconforto que sinto ao me afastar do aeroporto.

 Acho que fiquei tempo demais dentro de um. 

 Atravesso a rua e cumprimento Henry, meu motorista. Ele pega minha pequena mala enquanto me dirijo ao banco do carro.

 – Adam! 

 Ouço uma voz me chamar no meio do barulho de buzinas e músicas natalinas.

 – Adam!

 Olho para o outro lado da rua e vejo Meredith acenando freneticamente para mim. Ela atravessa a rua e vem em minha direção.

 – Por que você fugiu? – perguntou ela, sem fôlego.

 – Não quis incomodar. – repondo na defensiva.

 – O quê? Que besteira.

 Não tenho uma desculpa melhor, então resolvo terminar a conversa por isto mesmo e me despedir.

 – Preciso ir.

 – Espere, para onde? 

 Ignoro sua pergunta.

 – Foi bom conhecê-la. – digo, Meredith desmancha seu sorriso e me observa sem entender – Feliz Natal.

 Viro-me na direção do carro, Henry já está esperando com o motor ligado.

 – Adam.

 Meredith chama, mas eu finjo não ouvir.

 – Adam! – ela grita, mais alto que o som de carros ao redor, olho para ela novamente. – Eu estou te devendo um café.

 Por alguns segundos não entendo o que ela quer dizer. Então me lembro do avião e da conversa interminável que tivemos durante toda a viagem. Não consigo evitar o sorriso que vem de dentro para fora.

 – Que tal um Irlandês? – digo.

Aconteceu em DezembroOnde histórias criam vida. Descubra agora