Capitulo 1: O começo

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Melanie nunca foi alguém que esperava muito da vida, na verdade ela não esperava nada. Muitos poderiam a considerar ingrata e mesquinha, afinal possuía tudo o que alguém poderia desejar no quesito material, mas no que a garota realmente valorizava, ela não possuía nada. Tendo sua vida completamente doutrinada pelas tradições de sua família, tudo o que desejava era um pouco de liberdade e autonomia, duas das coisas que seu pai nunca cederia, não quando seus desejos eram explicitamente contrários aos do progenitor. Por esse motivo, Melanie aprendeu a agir entre as pequenas brechas que encontrava, sempre fazendo concessões às demandas dos adultos, e também encontrou um escape na literatura, nos livros de fantasia em que os personagens mesmo com uma vida longe da ideal, detinham um propósito e coisas que valiam a pena proteger. Eles davam à jovem um senso de pertencimento, um mundo dela em que poderia ser quem ela quisesse, que não estivesse presa às correntes de seu sobrenome, uma história que ela havia escolhido e não uma escrita por terceiros para ela. Os livros eram sua esperança e muito frequentemente acabava se encontrando submersa nesses mundos fantasiosos criados pelos autores. Talvez fosse isso que a permitiu adentrar sua própria aventura.

O chacoalhar de seu corpo a despertou instantaneamente com as leves batidas que sua cabeça dava no vidro da janela ao seu lado. Seus olhos se abriram logo em seguida de forma assustada e alerta. Não se recordava de ter saído na noite passada e o som da locomotiva só era mais um indicativo de que algo estava errado. A primeira coisa que viu, assim que recuperou toda a sua consciência, foi a paisagem ao lado de fora de onde se encontrava, campos e campos passando em alta velocidade enquanto o sol se punha, ou nascia, não era possível ter certeza sem saber em que direção o trem seguia. Juntando isso com a ambientação estranha da cabine em que se encontrava, uma sensação ruim se instalou no interior de Melanie. Seu coração estava disparado e sua mente ia a mil por hora com as possibilidades do que estava acontecendo. Talvez tivesse sido sequestrada, dosada enquanto dormia e colocada naquele trem peculiar para algum lugar em que sua família não conseguissem a encontrar, não antes de pagarem uma quantia gorda de libras esterlinas, algo que fariam sem pensar duas vezes mas não pelo bem estar da jovem e sim para evitar críticas da mídia e poderem fazer um cena para os jornalistas. Ou talvez seu pai tivesse lido entre as linhas de seu plano, descoberto que pretendia virar uma dançarina e não seguir uma carreira administrativa, e estava a mandando para um internato longe do Royal Ballet e de seus sonhos. Ela não sabia dizer qual dos dois era genuinamente pior.

Como ficar teorizando não a levaria a lugar algum, Melanie se levantou, passando uma última vez o olhar ao seu redor mas não havia nada além de si no compartimento. Ela deixou a cabine em passos calculados e cuidadosos, sempre alerta ao o que acontecia ao seu redor, não sabia se seu sequestrador estaria por perto, se acabaria sendo sedada caso fosse vista e por isso decidiu tomar todas as precauções. Entretanto, depois de andar alguns metros, avistou dentro de uma das outras cabanas um grupo de adolescentes conversando animadamente e vestindo uniformes estranhos com mantos pretos cumpridos. O mesmo se repetiu em todo compartimento que a jovem passava e o corredor estava completamente livre de inspeção, o que só podia indicar que seu pai havia finalmente decidido se livrar dela, a despachando para uma escola em um lugar que só deus sabe onde é.

Sentindo a irritação e raiva crescer dentro de si com tamanha violação e falta de caráter de seu pai, os passos de Melanie aceleram pelo corredor estreito e nem sequer se preocupava mais em observar seus arredores. Tudo o que desejava era descobrir para onde estava indo e pensar em um jeito de sair daquele trem e retornar a sua vida. Ela tinha plena ciência de que teria que lidar com os insultos de seu pai, de seus tios, de sua madrasta e irmãos postiços, escutar eles dizerem como era inútil, egoísta e ingrata por tentar seguir o seu próprio caminho, mas ela estava em um de seus raros momentos de determinação extrema e esperava que ele durasse até o final do confronto ou até o momento em que sua tia Leonora e seu irmão, Adrian, a ajudassem. Estando imersa em seus pensamentos, a garota acabou não notando o garoto que vinha na direção contrária, colidindo diretamente com ele. Ela com certeza teria ido em direção ao chão se o garoto de cabelos longos e negros não tivesse a segurado, fazendo com que mantivesse seu equilíbrio.

A garota que sabia demais || Era MarotosOnde histórias criam vida. Descubra agora