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[[ Zayn ]]

O meu corpo espreguiçou-se involuntariamente quando a luz solar intensa trespassou as minhas pálpebras, deixando os meus olhos numa claridade irritante. Eu olho em volta, apercebendo imediatamente do local onde estava e suspirei, frustrado. Como é que eu vim aqui parar?

Uma garrafa de whisky estava vazia no chão imundo assim como alguns pequenos pacotes transparentes sobre os quais eu nem me queria lembrar. O casaco foleiro que eu trazia vestido ontem estava a servir de almofada e a minha camisola estava fora do meu corpo, em nenhum lugar para ser vista. Levantei-me sentindo de imediato a dor de cabeça aguda que eu já estava a espera que aparecesse. Mas que bela maneira de começar uma nova vida, Zayn. Revirei os olhos. Sou uma merda.

Vesti o casaco por cima do meu tronco nu e torci o nariz quando me observei ao velho espelho do meu antigo quarto. Definitivamente, eu preciso de comprar alguma roupa para mim. A que me foi emprestada da prisão é simplesmente horrível.

Senti arrepios pelo meu corpo quando o meu olhar procurou pelo lugar onde tudo aconteceu, enchendo a minha mente com lembranças desnecessárias e tortuosas. A cadeira estava partida ainda no mesmo sitio, o chão continuava manchado num tom escuro agora. Havia pontas de cigarros e garrafas partidas por todo o local, causando um riso morto sair pela minha boca. Continua exatamente igual. O que me faz pensar que provavelmente o meu pai vem cá fazer umas visitas de vez em quando. Mas ele deve ter fugido agora. Se ouviu dizer que eu fui libertado, essa era certamente a coisa mais inteligente que ele deveria fazer. Mas bom, inteligência foi algo que ele nunca teve também.

Os meus punhos fecharam contra a parede ao lembrar-me deste exato local à seis anos atrás e tive vontade de vomitar. O meu estômago rodou e foi exatamente isso que eu fiz nos dez minutos seguintes.

[[. . .]]

Quando voltei ao prédio abandonado, o Louis não estava lá nem estava a atender nenhuma das minhas chamadas. Ontem recebi a sua mensagem com a morada do apartamento onde ele mora mas se for lá agora o mais provável é ele nem estar em casa e a última coisa que eu preciso é de ficar séculos em frente a uma porta a espera do meu melhor amigo. Ele há-de dizer-me alguma coisa, eventualmente.

Mas também não havia nada para fazer aqui. Não tenho tabaco. Nem álcool. Nem uma miúda para me entreter. Raparigas. Deus, eu tenho saudades de estar com uma. Digamos que a prisão não é propriamente nenhuma casa de modelos. Nem lá perto está sequer. Tive vontade de rir com o pensamento. Há quanto tempo não faço tenho sexo? Não consigo sequer lembrar-me, apesar de um isso é das minhas menores preocupações agora.

Uns gemidos abafados captaram a minha atenção no momento em que me deixei cair no sofá velho, deixando-me confuso quando não encontro ninguém a minha volta que os pudesse justificar.

Segui-o. O som agudo levou-me até atrás de uma das cortinas brancas que eu pensei que apenas estavam ali para cobrir uma parede, mas não poderia estar mais enganado. Havia uma outra sala que eles tinham modificado. Um ringue de boxe - não muito grande mas também nada pequeno-, estava situado no meio do espaço, havia sacos de luta velhos pendurados no teto e alguns objetos que não consegui identificar, espalhados pelo chão. Tinha caixotes com equipamentos e alguns cilindros de ferro a servir de bancos.

O meu olhar prendeu-se na figura morena ao fundo da sala e os meus olhos piscaram em surpresa. Fiquei em silêncio, apenas observando a forma como ela dominava o saco de boxe. Umas calças pretas largas e um simples sutiã de desporto amarelo eram a única roupa que ela usava. O seu cabelo estava preso num comprido rabo de cavalo que balançava de um lado para o outro enquanto ela direcionava os seus socos contra o objeto. Socos eram alternados com pontapés, gemidos frustrados escapavam da sua boca em cada movimento que ela fazia. A pele das suas costas brilhava com o suor e mesmo que eu não lhe pudesse ver o rosto, ela parecia estar com raiva.

Aproximei-me um pouco. As minhas costas descansaram contra o ringue atrás dela, a menos de dois metros de  distância mas ainda assim a rapariga não parecia notar a minha presença. O saco parou de balançar quando ela o segurou com as duas mãos, respirando fundo. Podia ver as suas costas a subir e a descer, a sua respiração estava pesada e irregular.

"Não te ensinaram que é feio espiar as pessoas?" A morena pegou na toalha ao seu lado, limpando a sua testa e pescoço das gotas de suor.

Eu fico em silêncio quando ela se vira, encarando-me.

"Tu deves ser o Zayn." Ela dá um breve sorriso, entre respirações descontroladas. "O amigo homicida do Louis ."

Wow, muito direta.

Rolo os olhos face à sua escolha de palavras. Louis deve ter comentado com o grupo de amigos dele acerca da minha história, eu apenas pensei que ele ia mentir ou pelo menos não ia entrar em pormenores .

"Calculo que sejas amiga dele então." Eu murmuro e a morena assente. Fico imóvel, hipnotizado pelos seus movimentos enquanto ela descalçava as luvas vermelhas, desenrolando a fita branca em volta dos seus pulsos também. Ela franze a testa quando me apanha a observá-la e eu volto a falar. "Ele falou sobre mim?"

A rapariga sorri, dando um gole da garrafa de água. Apanha um casaco preto do chão, cobrindo o seu tronco parcialmente despido e depois volta a olhar-me. "O Louis não contou nada." Assegura-me. "É uma cidade pequena, as pessoas simplesmente falam."

Eu devia estar a espera disto.

"Daquilo que não compreendem, obviamente."

"A maior parte das vezes, sim. Apesar de que no teu caso não há muita margem para dúvidas."

"Margem para dúvidas?" Eu estava confuso agora.

"Matas-te a tua mãe, pagas-te por isso. É simples." A rapariga explica, passando o rabo de cavalo por cima do ombro.

"Estás a falar do que não compreendes."

"Estou?" Os seus olhos escuros guardavam uma emoção indecifrável e então ela sorriu de forma inteligente, parecendo estar a provocar para saber mais.

Eu balanço a cabeça, rindo para mim próprio. "Sabes perfeitamente o que estás a fazer, não é?"

Ela guarda o material no caixote atrás de nós. Atira as ligaduras e uma camisola branca para um saco de desporto preto que eu nem tinha reparado que estava aos meus pés, prendendo-o no seu ombro depois antes de voltar a encarar-me com uma certa diversão.

"Não te preocupes Zayn. Não me interessa o teu passado. Provavelmente tiveste as tuas razões." A sua voz saiu rouca desta vez. "Válidas ou não. Não me cabe a mim decidir."

"Nem toda a gente pensa como tu. Embora eu não dê a mínima para o que os outros pensam de mim."

"Nem devias." A miúda sorri. Um sorriso intrigante. Ela estende a mão para mim, puxando a alça do saco mais para cima com a ajuda da outra que tinha livre. "Sou a Scarlet."

Beautiful Chaos || z.mOnde histórias criam vida. Descubra agora