Capítulo 2

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A cozinha seria um mar de escuridão se não fosse pela luz dos postes da rua que entrava pela janela da porta dos fundos. Ele caminhava lentamente até a caixa de chave de luz, com medo de tropeçar em algo, pois ainda não conhecia bem o lugar. Iluminou com a lanterna o disjuntor, ligando e desligando diversas vezes a chave central, mas nada acontecia.

De volta ao bar, sem saber o que dizer aos clientes, ele voltou para atrás do balcão com esperança de usar o computador, mas obviamente a internet havia caído também. O homem que antes estava próximo da porta agora conversava com Maria em frente ao balcão, ela contava a ele sobre seu medo do escuro. Já Luan aproveitava a oportunidade para conversar com Julia, parado em pé ao lado da mesa dela. Carlos foi até ele e o puxa discretamente pelo braço.

- Com licença, vou roubar meu primo um pouquinho. – Ele sorriu para menina que balançou a cabeça em afirmativa, parecendo desinteressada e voltando para seu livro iluminado pela lanterna.

- A chave de luz não funcionou. – Disse Carlos indo até a porta da frente e observando a rua. – Liguei e desliguei e nada.

- Que estranho. Será que o locatário anterior não esqueceu de pagar a luz? – Sugeriu Luan, e antes que Carlos pudesse responder Maria apareceu entre os dois.

- Já faz um tempo que o Marcos foi no banheiro né?

Os primos se olharam, recém se dando conta da falta do amigo. As lanternas nas mãos giraram por todo o ambiente, porém Carlos já caminhava em direção ao banheiro com os amigos o seguindo logo atrás. O dono do bar escancarou a porta escrito "HOMENS" ao entrar e seus olhos se encheram de pânico ao ver Marcos estirado no chão, embaixo das pias.

Ele correu para socorrer o amigo que estava deitado com a barriga pra baixo, tentando vira-lo e pedindo que acordasse. Ao ouvir o primo, Luan entrou no banheiro e olhando os dois em choque. Quando Carlos virou o rosto de Marcos para cima, notou os olhos abertos sem reação. Tentando puxar o amigo para seu colo em meio as lágrimas que desciam involuntariamente, o corpo muito pesado e o pescoço pendido para atrás de forma perturbadora não cooperavam. Com ajudada de Luan, eles deitaram Marcos no chão com cuidado e Carlos pressionou dois dedos no pescoço do amigo, buscando a pulsação sem sucesso.

- Por que vocês... – Maria parou na entrada do banheiro ao ver os amigos no chão com lágrimas no rosto, mas só correu até eles quando notou os olhos sem vida do irmão. Antes que ela pudesse tocar em Marcos, Carlos a segurou em um abraço e a levou de volta ao bar. Ela não merecia ver aquela cena, nem eles mereciam, mas mais do que tudo, Marcos não merecia morrer ali.

Com Maria em seus braços, Carlos chorava junto com ela, mas em silêncio. Luan fechava a porta do banheiro olhando para o chão, sem entender nada do que havia visto. O que havia acontecido? Como era possível ele estar morto? Teria caído e se machucado? Teria tido um ataque cardíaco?

- Nós não devíamos chamar uma ambulância? – Questionou Maria em prantos. – Eles podem salvá-lo!

- Não acho que seja possível... – Luan respondeu ainda olhando para o chão, apagando qualquer brilho que sobrara nos olhos da amiga. – Mas devíamos chamar alguém, talvez a polícia.

Maria foge do abraço de Carlos e senta em uma cadeira em frente ao balcão, quase afogando entre os soluços do choro. O homem que estava olhando pelas janelas logo foi segurar uma das mãos tremulas de Maria, enquanto ela virava um copo de chopp inteiro. Luan colocou a mão no ombro de Carlos que estava limpando o rosto molhado nas mangas da camiseta. Os dois se olharam por uns instantes sem saber o que dizer quando ouvem alguém se aproximar.

- O que aconteceu com aquela menina? Ela não parece nada bem. – Disse Julia receosa, demonstrando interesse neles pela primeira vez.

- Eu sei que vai parecer estranho, mas achamos que nosso amigo sofreu algum tipo de acidente no banheiro e... – Luan não sabia como terminar a frase, mas a menina o olhava atento. – Bom, não conseguimos achar o pulso dele.

A menina ruiva colocou uma das mãos sobre a boca e deu um passo para trás, surpresa. Carlos não demonstrava nada, estava imerso nas próprias lembranças dos olhos sem vida de Marcos tão frescas em sua memória quanto as lágrimas que ainda molhavam seu rosto. Ele piscou algumas vezes, se forçando a voltar a realidade, ao ouvir a voz de Julia.

- Como assim? Isso é sério? – Ela olhava entre Luan e Carlos sem acreditar. – Como é possível?

- Eu não faço ideia. – Respondeu Luan.

O dono do bar tentava recobrar a consciência, organizando na cabeça o que precisava fazer: chamar a ambulância, polícia, alguém. Ele caminha até a porta da frente com o celular em mãos e lanterna iluminando seus passos, quando o homem que conversava com Maria o segurou pelo ombro.

- É verdade? Tem um menino morto no banheiro? – Sua voz era grossa e firme, como a de um soldado dando ordens, o que puxou Carlos para a realidade novamente.

- Eu receio que sim, senhor. Eu vou ir lá fora procurar sinal para chamar as autoridades que... – Carlos para de falar com o som desconcertante da tosse de Maria.

Ele se aproxima para dar tapinhas em suas costas, mas ela cai no chão, junto com a cadeira alta em que estava sentada e o copo que tinha em mãos, antes que ele a alcançasse. Maria tosse fortemente, encolhendo o corpo deitada em posição fetal. Carlos e o homem se ajoelham tentando ajudá-la a sentar, mas ao se apoiar nas mãos para levantar eles notam o sangue caindo no chão conforme a tosse ficava mais carregada.

- Maria! – exclamou Carlos. – Alguém pega um copo de água!

Luan correu até a parte de trás do balcão e serve um copo com água da torneira, o alcançando para Carlos por cima do balcão. Maria quase segura o copo quando seu corpo amolece e ela cai de lado em cima da pequena poça de sangue.

- Não! – Disse Carlos largando o copo no chão e virando Maria para cima.

O homem abaixado ao seu lado checa o batimento no pescoço da menina e olha para o dono do bar com os olhos arregalados. Ele então se posiciona ao lado dela e começa a fazer massagem cardíaca. Os outros mal respiram olhando a cena. Carlos tremia abaixado ao lado da sua amiga de infância. Luan nem percebeu que Julia segurava sua mão por cima do balcão, ambos quase sem piscar.

- 27, 28, 29, 30. – O homem parou as compressões e checou o pulso, mas nada mudava. – 1, 2, 3...

- Carlos! Chama uma ambulância! – Pediu Luan que começava a entrar em pânico.

Levantando do chão, Carlos já esta digitando o número da polícia e correndo em direção a porta. Ele a empurrou como fizera tantas outras vezes e é surpreendido pelo baque: estava trancada. Encarou a porta sem entender e procurou pelo molho de chaves em seu bolso sem sucesso. Teria deixado cair em meio a confusão? Será que deixara na cozinha quando foi ver a chave de luz? Carlos levanta o celular o mais alto que pode ali mesmo, procurando sinal e as barrinhas nem se mexem.

- Não tem sinal, mas que droga! – Ele caminha em passos largos até o balcão, se direcionando ao Luan enquanto fala. – Vê se não está aí o molho de chaves.

Gaveta por gaveta o primo procura as chaves, mas para subitamente ao olhar o que esta junto com os copos de chopp. Carlos que continuava olhando para o celular, na espera de um milagre, vira para apressar Luan e se assusta com a expressão em seu rosto.

- O que foi?

Luan pega uma lata grande, com o lacre aberto e a coloca em cima do balcão. Virando o recipiente para o primo, lê-se em letra preta "veneno para rato". Os dois sabiam que aquilo estava fechado até aquela tarde, eles haviam comprado de manhã porque o antigo locatório os contou sobre uma infestação no lixo dos fundos. Eles se olharam e após alguns segundos Carlos percebeu o que o primo estava sugerindo.

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