Quatro copos de chopp eram servidos atrás do balcão por Carlos que não conseguia conter o sorriso de contentamento. Era sua primeira noite como dono daquele lindo bar com ar vintage. Um estabelecimento fundo com um balcão de cor amadeirada com adornos pretos que cobriam toda a parede esquerda, até chegar na porta da cozinha. O resto sendo envolvido por mesas e cadeiras combinando com o balcão.
Carregou os copos cheios para frente do balcão e entregou aos três amigos que iriam celebrar aquela vitória com ele. Seu primo, Luan, pegou um e o ergueu, começando um discurso. Os dois tinham o cabelo preto ralo e o maxilar destacado, poderiam ser confundidos com irmãos se não fosse pelo leve tom mais escuro da pele de Luan. Carlos e os amigos copiaram seu movimento.
- Essa é uma grande conquista, primo! E nós queremos te parabenizar por vencer mais um desafio na vida. – Ele colocou a mão no ombro de Carlos. – Obrigada por nos deixar fazer parte dessa nova caminhada, mas principalmente por me contratar como garçom.
Os quatro amigos deram risada e brindaram. Junto com os primos estavam seus vizinhos de infância e melhores amigos, Marcos e Maria. Os dois irmãos gêmeos sempre foram inseparáveis e mal podiam acreditar quando Carlos contou que realizaria seu sonho de ter um bar. A comemoração era especial para todos, estavam conversando alto demais e bebendo um pouco demais quando o sino da porta tocou.
Luan virou a cabeça para ver quando a moça de longos cabelos ruivos presos em um rabo de cavalo alto se direcionava para uma mesa próxima do balcão. Seu rosto tinha traços delicados e sardinhas cobriam seu nariz e bochecha, ela carregava uma grande sacola de pano com livros que largou em cima da mesa. Quando se sentou a bolsa caiu para o lado e alguns livros foram parar no chão.
Antes que ela pudesse se abaixar, Luan já estava lá, alcançando-os para ela. Ele sorriu e ela retribuiu timidamente com um aceno de cabeça, mas continuou séria. Ele se levantou e olhou rápido para o primo antes de atendê-la, Carlos então sinalizou para que Luan se aproxima-se do balcão. Servindo uma xícara de chá, enquanto os irmãos conversavam, Carlos entregou para Luan a comanda que dizia "mesa 5".
- Como você sabe que ela quer chá? Eu nem atendi ela ainda. – Questionou ao dono do bar.
- Ela era filha do primeiro dono desse lugar. – Carlos entregou a xícara na bandeja, junto com um pratinho fundo com pães de queijo. – Vim negociar com o locatário anterior e ele comentou que a Julia sempre vem tomar chá a noite e pede a mesma coisa.
O novo garçom pegou a bandeja e largou a xícara na mesa 5, a menina pareceu nem notar sua presença. Debruçado sobre o balcão, Carlos contava em tom baixo para os irmãos loiros de olhos azuis sobre a vergonha que passou quando conheceu Julia.
- O cara estava me contando a história do lugar e eu não imaginava o que iria ouvir. Ele disse que quando o homem faliu, veio morar aqui com os dois filhos pequenos, mas o conselho tutelar os levou embora. Então ele vendeu o lugar... – Luan se aproximou e Carlos olhou de canto para a menina antes de continuar. – Quando eu perguntei por que ele não comprou o lugar de volta, ela apareceu do nada me respondendo. – Sussurrando ele concluiu. – O homem se matou quando soube que só poderia ver os filhos depois de atingirem a maioridade. Ela tinha 7 anos e o irmão 5.
Os amigos se olharam assustados e, falharam ao tentar olhar discretamente para a menina solitária e nostálgica. O que será que a fazia ir lá reviver aquela dor? Para se sentir mais próxima do pai? Lembrar da época que ainda tinha sua família?
- Quer dizer que alguém morreu aqui? – Disse Maria o mais baixo que conseguiu com os olhos arregalados.
- Não sei, ninguém falou nada sobre ter sido aqui. – Respondeu Carlos.
- Tá, tá. Esse papo é muito fúnebre, vamos mudar de assunto. – Falou Marcos empinando o segundo copo de chopp e pedindo pelo próximo.
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A bebedeira dos amigos continuava, a música de fundo que estava em volume baixo era quase completamente tapada pelas risadas. Maria contava aos amigos uma história sobre seu novo namorado da faculdade e nem notaram o suor que escorria no rosto do homem que entrou no bar, se sentando na mesa mais do fundo.
O bar não era muito comprido, ao fundo havia as portas dos banheiros de um lado e a da cozinha do outro. As grandes janelas da frente, junto com a porta de vidro, davam a impressão de que o lugar era maior do que na realidade era. Porém, com aquele nível de álcool no sangue nem o dono do bar estava prestando atenção em quem eram os clientes em seu primeiro dia abertos.
Carlos notou o homem na mesa do fundo limpando a testa com um lenço e faz um sinal com a cabeça para que Luan o atendesse. O primo vai até lá o cumprimentando, enquanto homem coloca os óculos de grau para ler o cardápio. Ele não deveria ser muito mais novo que Luan, mas tinha uma estatura alta e um corpo largo. Seu sobretudo preto parecia cobrir braço fortes e compridos. Os cabelos de um castanho claro e sua barba por fazer tinha um tom mais puxado para o ruivo escuro.
- Boa noite, quer fazer um pedido?
- Ainda não, mas gostaria de um copo de água, por favor. – respondeu o homem, se encolhendo na cadeira e puxando o celular do bolso.
O relógio da parede soou dez horas quando Luan largou o copo de água na mesa 12. Voltando para seu lugar no balcão ele cruzou o caminho com Marcos que ria de algo que Carlos havia dito. O irmão de Maria entrou no banheiro masculino e o sino da porta tocou mais uma vez. Os amigos viraram para olhar e um homem sentou-se na primeira mesa, a mais próxima da porta.
Ele olhou para os amigos no balcão e pareceu analisar cada um dentro do bar, mas logo virou para a janela e as conversas voltaram a cobrir o ambiente. Julia ainda estava com a cabeça enterrada no livro e Luan virava mais um copo, afundando sua frustração de que a menina não o olhara nenhuma vez desde que pegara seus livros.
- Eu não sei como nenhum dos últimos negócios que abriram aqui duraram, mas eu tenho grandes planos para esse bar. – Carlos falava e gesticulava demais com um sorriso bobo no rosto.
- Ah, mas vai dar tudo certo, até a falta de sinal aqui dentro pode ser uma proposta cult para quem quer se desconectar enquanto come ou estuda. – Comentou Maria, rindo e bracejando o braço que não segurava o copo. – O que você acha, Luan?
- Acho que com bons amigos e um pouco de fé, - Disse se inclinando no balcão como quem conta um segredo – A gente pode transformar totalmente esse lugar.
Os três amigos deram risada e brindaram na mesma hora que as luzes se apagaram.
No susto, os amigos largaram os copos no balcão e esperam as luzes de emergência se acenderem. Passado longos segundos, nada aconteceu, então Carlos ligou a lanterna do celular. Ele passou a luz por todo o bar e onde cada um já ligava sua própria lanterna. O homem próximo da porta agora estava em pé, olhando para o fundo com a luz de seu celular em mãos.
- Será que a chave da luz caiu? – Perguntou Maria, segurando o braço de Luan.
- Talvez, não sei por que as luzes de emergência não ligaram. – Carlos olhou confuso para o teto, encontrando as luzes. – Estão fora da tomada, talvez estivessem sem carga.
- Quer que eu vá no fundo verificar? – Oferece Luan.
- Não precisa, vê se os clientes precisam de algo e avisa que já vamos resolver a luz. – Disse Carlos pegando o molho de chaves da gaveta e indo para a cozinha.
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O Bar
Mystère / ThrillerUm grupo de amigos está comemorando a realização de um sonho, o amigo Carlos acabou de comprar um bar. Entre risadas e muita bebedeira, eles aproveitam o que seria uma noite memorável. Contariam sobre aquele momento para seus filhos e netos, algum d...