- Você não acha que... – Olhando para a amiga no chão que o homem ainda fazia compressões. – Mas... - Ele afastou os pensamentos por um minuto, lembrando que precisava de uma ambulância independente de tudo. – As chaves, você achou?
- Não, você não deixou no banheiro? Ou na cozinha? – Questionou Luan.
- Não sei, talvez. – Ele estava pronto para continuar a busca quando o homem se levantou afirmando que não conseguia sentir o pulso dela, mas não foi isso que apavorou Carlos. De costas para ele, o homem deixou a mostra um volume por baixo do casaco.
O dono do bar sentiu a adrenalina subir, ele sabia o que aquele volume significava. Ele já havia trabalhado como segurança de bar antes e reconhecia aquilo em qualquer lugar. Se aproximando com cuidado enquanto o homem limpava o suor da testa com a manga do casaco, Carlos estava pronto para dar o bote quando o homem se defendeu rapidamente, empurrando-o para o chão e sacando a arma.
- Eu não quero nenhum problema. - Ele apontava arma para Carlos, que tentava se levantar com as mãos para cima. – Vocês precisam saber que eu só quero ajudar...
Em um movimento rápido, inesperado e certeiro, algo acertou o homem na nuca. Só viram Julia parada atrás dele e o extintor de incêndio pendurado em uma mão. Nenhum dos primos percebeu o que a menina planejava. Em pânico, Carlos chutou a arma para longe das mãos do homem estirado ao lado do corpo sem vida de Maria, e acabou por notar um pequeno brilho em seu cinto. Ao se aproximar e levantar o casaco que o tapava, Carlos cai de joelho em desespero.
- Ele é um policial! – Disse, tentando conter o medo que subia por seu corpo. – Ele tem um distintivo e a gente atacou um policial!
- A gente não! – Exclamou Luan com a voz ficando aguda e dando a volta no balcão. – Ela atacou!
- Eu achei que ele ia matar a gente. – A voz de Julia não passava de um sussurro, olhando o corpo inerte do homem que começava a formar uma poça de sangue no chão.
Julia larga o pesado extintor em cima da mesa derrubando sua xícara de chá ainda cheia. Os dois primos continuam com os olhos fixados nela, o silêncio se tornando ensurdecedor. A escuridão do lugar consumia a esperança deles. O bar parecia ficar cada vez menor. Precisavam sair de lá, precisavam chamar alguém, qualquer pessoa.
- Eu quero sair daqui! – Julia correu para porta da frente e a empurrou como sempre fizera, mas ela não se moveu. – Por favor, eu quero ir embora! – Lágrimas começavam a rolar por seu rosto e a voz a falhar a cada palavra.
- A porta dos fundos! – Disse Luan, como se uma lâmpada acendesse em sua cabeça. – Vamos sair pela porta dos fundos!
Os três trocaram olhares rápidos e correram até a cozinha, esquecendo seus pertences, seus amigos, as poças de sangue que deixariam manchas inesquecíveis no chão do bar. Não importava mais nada, só queriam sair daquele pesadelo, de perto daquele ar de morte que consumia o pequeno estabelecimento. Tudo que levavam em mãos eram os celulares sem sinal com as lanternas ligadas, iluminando seus passos.
A cozinha estava gelada e a luz que vinha da janela da porta era assombrosa. Carlos girou a maçaneta uma, duas, três vezes antes de chutá-la com toda sua força, mas nada aconteceu. O molho de chaves ainda estava desaparecido, não havia sinal dele, mas as coisas aconteceram rápido demais para que pudessem procurá-lo.
- Que droga! – Exclamou o dono do bar. – Nada funciona!
- Como pode estar fechada? Ela só abre por dentro. – Comenta Luan com as mãos tremulas segurando a lanterna em direção ao primo.
- Mas cadê a chave? Não está com vocês? – Perguntou a menina, causando um olhar raivoso de Carlos.
- Se eu tivesse a chave, já estaríamos lá fora! – Julia parecia pronta pra revidar a investida furiosa de Carlos, quando Luan interveio entre os dois.
- Pessoal! – Falou alto. – Precisamos achar algo para abrir essa porta, vamos procurar aqui na cozinha primeiro. – Tentou parecer calmo e sem embargar a voz, mas o suor em seu rosto denunciava o desespero crescente.
Sem mais nenhuma palavra os três se separaram e as lanternas eram o único sinal de onde estava cada um. O único som era de portas e gavetas sendo abertas e panelas e talheres sendo remexidos. Enquanto Carlos e Julia procuravam nas prateleiras, Luan foi até o depósito afim de procurar por uma caixa de ferramentas. A porta estava estranhamente entre aberta, deixando um ar frio sair. Ele entrou com cuidado, apontando a lanterna para todos os lados, segurando a respiração para não deixar nenhum barulho passar. Foi quando escutou a porta fechar em suas costas que o celular caiu de suas mãos e ele começou a gritar.
- Carlos! Carlos! – Mal conseguia puxar o fôlego para gritar. – Abre a porta, por favor! Eu não gosto disso! Por favor!
Entre um suspiro e outro ele ouve Carlos gritar de volta, sem entender suas palavras. Luan se afasta da porta, o medo tomando conta do seu corpo. Algumas batidas fortes podiam ser ouvidas do lado de fora, ecoando pelo seu peito, até que pararam. Por um breve silêncio seu próprio coração batendo parecia alto demais.
A porta se abre e Luan vê o homem grande de óculos que pediram água para ele mais cedo naquela noite, sério e com um olhar que quase pedia perdão a ele. Ele caminha para dentro do depósito e segura Luan pela gola da camiseta, o arrastando para a cozinha.
- Socorro! Por favor! – As lágrimas escorriam por seu rosto, ele não conseguia lutar contra os braços fortes daquele homem que mais parecia uma montanha. – Não faz isso comigo! Por favor! Socorro!
Atirado no meio do chão da cozinha, de barriga para cima, Luan olha para o homem, pronto para lutar por sua vida, quando enxerga Julia atrás dele com uma grande faca em mãos. Ele sorri para ela, com esperança de que poderia viver, e ela estranhamente sorri de volta. Nem o homem a sua frente era tão assustador quanto aquele sorriso.
Ela pega um copo de whisky servido em cima de uma mesa da cozinha e toma ele inteiro, passando para frente do homem como se fosse o ato mais natural do mundo. Luan não continha mais as lágrimas que escorriam. Olhando em volta, procurando por ajuda, qualquer coisa que pudesse o salvar, ele encontrou Carlos.
O primo que tanto amava, que crescera junto, agora estava com os olhos esbugalhados do outro lado da cozinha com sangue jorrando de seu pescoço. Os gritos de horror de Luan não formavam mais palavras, eram urros de desespero, de horror. Quando olhou para cima novamente, viu Julia a tempo suficiente de notar o relance da faca que ela empunhava com as duas mãos em um golpe certeiro em seu peito.
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A menina desperta de seu devaneio quando o garçom larga a xícara de chá em sua mesa. Ela volta a tentar ler mais uma vez aquele parágrafo chato que não conseguia prender sua atenção. Apesar da música, conseguia ouvir a voz irritante de uma menina perguntar: Quer dizer que alguém morreu aqui? A pergunta abriu um meio sorriso no rosto de Julia, que aumentou ainda mais quando seu irmão entrou pela porta.
Ao olhar para ele sentado no fundo, vê um menino loiro caminhar até o banheiro. O sino da porta chama sua atenção e o sorriso de seu rosto some quando nota o olhar de desaprovação do policial que é seu guarda de condicional sentado próximo a porta. Os amigos no bar bateram os copos em um brinde, as luzes se apagaram e ela sussurrou.
- Esse é o meu bar.
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O Bar
Mystery / ThrillerUm grupo de amigos está comemorando a realização de um sonho, o amigo Carlos acabou de comprar um bar. Entre risadas e muita bebedeira, eles aproveitam o que seria uma noite memorável. Contariam sobre aquele momento para seus filhos e netos, algum d...