Um velho gravador repousava sobre a mesa. Tratava-se de uma máquina marrom e espaçosa feita de metal e madeira em formato de paralelepípedo. Em suas laterais existiam pequenos furos através dos quais era possível observar uma infinidade de engrenagens girando e produzindo pequenos estalos, que lembravam os passos apressados de um rato. Na parte de cima da coisa existiam dois objetos que lembravam rodas de carruagem em miniatura. Elas estavam posicionadas na vertical de modo que suas metades inferiores se encontravam inteiramente dentro do gravador. As duas giravam vagarosamente em sentidos opostos e ao fazerem isso puxavam uma fita escura tão fina que era quase transparente.
Sentado em frente à máquina estava um homem. Vestindo um terno cinza surrado e com a barba por fazer, o sujeito se encontrava dentro de uma sala escura cuja única iluminação eram dois raios de sol que escapavam por entre uma lâmina rasgada da persiana e batiam na mesa a pouco mais do que dois dedos de distância do equipamento de metal. O homem tirou um cigarro da boca com a mão esquerda e expeliu a fumaça que estava em seus pulmões fazendo com que as partículas de poeira se agitassem no raio de sol. Depois disso esticou o braço direito e mexeu em uma das seis chaves localizadas na face da frente do gravador. Em seguida, se inclinou levemente na direção da mesa como se quisesse ouvir algo.
-Acho que tá funcionando. -Disse o sujeito para si mesmo.
O homem voltou a se recostar em sua cadeira, posicionou o cigarro num cinzeiro, molhou os lábios com a língua e em seguida olhou em volta para se certificar de que estava sozinho. Por fim, começou a falar com a boca próxima a um pequeno objeto que era ligado ao gravador por um fio preto encaracolado como as madeixas de um cabelo cacheado.
-Primeira fita...
...Encontrei essa coisa há umas semanas dentro do depósito enquanto procurava algo de valor para vender. Ela estava em cima de um sofá velho coberto por um pano branco ao lado de uma caixa de fitas e um breve manual de instruções. Perguntei a Viviane o que era essa máquina e ela respondeu que se trata de um gravador, um aparelho que consegue guardar a voz das pessoas. Deixei o no lugar onde encontrei até hoje, quando decidi que o usaria em meu novo trabalho. Normalmente, não me preocuparia em aprender a operar uma bugiganga dessas, mas acredito que a natureza do caso que estou envolvido é tão estranha que vai exigir que eu use todos os recursos disponíveis.
Além do mais, minha memória nunca foi das melhores. Sempre acabo esquecendo de pontos importantes e isso inevitavelmente acaba me prejudicando. Possivelmente, criar um áudio diário para narrar todos os pormenores da minha investigação possa me ajudar com esse problema. E mesmo que essa porra não funcione talvez ao menos faça com que eu pareça mais profissional na frequente dos meus clientes. Impressões são tudo no meu ramo de trabalho, especialmente se tratando do cliente com quem estou lidado.
O homem parecia contrariado e um tanto constrangido. Pronunciava cada sílaba de maneira precisa como se estivesse diante de uma plateia ou em alguma cerimonia formal. Ele tomou fôlego e por alguns minutos ficou parado sem dizer nada. Quando voltou a falar parecia um pouco mais relaxado.
É evidente que tentarei dar alguma coesão para essa narração. Não faz sentido nenhum simplesmente descrever fatos sem incluir minhas impressões e pensamentos. Isso não contribuiria em nada com a investigação. Quero ligar as pontas e os acontecimentos de modo que tudo faça sentido. E a única maneira de fazer isso é com um relato minucioso que seja capaz de incluir todos pormenores dos eventos.
Não sei bem como começar essa coisa então irei direto ao ponto. Estou investigado um roubo. E não se trata de um simples furto envolvendo jóias de família ou a escritura da propriedade de um avô falecido. É um roubo que pode levar à falência a empresa mais importante de Rio Grande. E é claro que estou falando da Aço e Vapor.
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Corações A Vapor
Mystery / ThrillerBernardo, um investigador particular amargurado, estava com problemas financeiros quando recebe em seu escritorio um cliente diferente daqueles com quem esta habituado. Dessa vez ele não vai trabalhar pra um homem de meia idade interessado na infide...