Vídeo-ensaio: um bom formato pra dormir

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Minha opinião não é a "correta" nem corresponde a uma verdade absoluta dos fatos. Todavia cabe ressaltar que tudo que é expresso aqui e nos demais capítulos são frutos de empirismo, isto é, opiniões oriundas da MINHA vivência. Isto significa que embora você possa ter tido uma ótima experiência com algo, isso não se aplica a mim e vice-versa. Discussões e comentários sempre são bem-vindos, contanto que a educação e civilidade sempre prevaleçam.


16/02/2021


Aos meus 22 anos, havia ingressado no terceiro curso superior da minha vida, Licenciatura em Letras, no qual estou estudando até hoje, no último ano. As duas tentativas anteriores eram extremamente destoantes: Sistemas para Internet e Logística. Em todas elas, independentemente do tempo em que permaneci, um dos meus grandes receios era acabar me perdendo em meio a todo aquele famigerado elitismo que muitos já conhecem dentro do âmbito acadêmico. Acabar confinado em uma torre de marfim ou me perder naquela série de proselitismos idiotas eram como um pesadelo para mim. Tal foi a minha surpresa ao perceber que, neste último ano de Letras, não sucumbi à erudição. Claro, tal força tentou arrastar-me, mas de algum modo consegui lutar. No entanto, o que me surpreende é que, apesar de meu repertório de palavras e toda minha bagagem teórica terem se ampliado, ao invés de tornar prolixa as coisas que escrevo, tenho procurado a simplicidade cada vez mais. Não se trata de uma necessidade de autoafirmação para me assegurar de que compreendi um determinado assunto, mas de me fazer entendido por aqueles que me leem (se é que leem). Às vezes fico confuso ou precisando reler três ou até quatro vezes o mesmo trecho de um artigo ou livro e então acabo encontrando um subterfúgio da minha frustração (e o espaço da minha procrastinação) em diversos vídeos pelo YouTube. E foi então que, há muito tempo, me deparei com o formato do vídeo-ensaio, que vem adquirindo cada vez mais popularidade no Brasil nos últimos dois anos.


Vídeo-ensaio não te soa familiar? Bom, certamente você já deve ter ouvido falar dos canais Elegante e Quadro em Branco, dois dos maiores e mais populares canais brasileiros da plataforma. Ainda que atuem em vertentes diferentes, é possível enquadrá-los como os principais — mas não os únicos — criadores de conteúdo de referência do formato. Admito, já gostei bastante de ambos os canais no ano retrasado, mas fazendo uma retrospectiva das características que os definem (não estes canais, especificamente), chega a ser cômico: uma voz suave, que é tão suave que desperta bocejos ou se assemelha a aqueles vídeos constrangedores de ASMR; excesso de jumpcuts e efeitos que não parecem agregar muito ao que está sendo dito; algumas sentenças que são ditas como se fossem axiomas, verdades absolutas que não precisam ser provadas; e por último, mas não menos importante e o que mais me incomoda: o roteiro, que parece ser extremamente genial em um primeiro momento, mas quando se revisita o vídeo, é possível constatar uma série de problemas, não necessariamente graves, porém irritantes. Não irei discutir esses pontos um a um, apenas dois deles: as verdades absolutas e os roteiros.


Uma das coisas que mais me desagrada nesses vídeos que são narrados por pessoas com vozes de ASMR quase tão irritantes quanto a de canais como Goularte e Leo Otaco é a forma como denotam suas afirmações. Ainda que proponham interpretações ou reflexões acerca de uma temática que realmente é plausível e às vezes — esporadicamente, na verdade — bem fundamentada, fazem-no como se fosse a única possibilidade de caminho interpretativo, aquilo mais que desvia disso está "errado". Chega a ser um maniqueísmo desnecessário. Eu falo isso partindo de um lugar que não se respalda necessariamente no conhecimento acadêmico, mas nunca existe somente um olhar para uma determinada obra ou produção, seja de que tipo for. Questões de formação de um indivíduo, o que ele vive, presenciou etc. é o que define sua ótica para com aquilo. Sugerir que existe apenas uma forma de contemplar algo é tornar o objeto de sua observação simplório tal como sua própria existência. Se você vê insignificância no olhar de outrem, talvez essa insignificância seja um espelho de si, aquilo que você é. E, ainda atrelada de certa forma a essa mesma questão, tem-se um roteiro problemático. 


Por dois motivos: em primeiro lugar, porque é evidente, ao menos para mim, a forma prolixa com que são feitos. Sei que parte disso é a busca para alcançar um tempo satisfatório de vídeo que esteja condizente com o favorecido pelo algoritmo do YouTube; contudo, não bastasse a linguagem rebuscada que alguns utilizam para tentar consolidar uma imagem de canal culto/erudito, é possível perceber neles como há uma sequência enorme de sentenças e afirmações que não agregam absolutamente nada, apenas chovem no molhado. E o mais irritante: no fim, não chegam a nenhum lugar, não fica clara a proposição que eles estão sugerindo. É como se estivessem dizendo "o filme diz assim, assado, mas não dá pra saber com certeza, né?". O que diabos é possível entender disso? É explícito o medo de defender um determinado ponto de vista e acabar desagradando uma parcela de seu público, mas esse rabo preso que têm só acaba os colocando num relativismo que beira o constrangedor. E para ofuscar um pouco dessa covardia, encontram no festival de frames de filmes ou documentários a camuflagem ideal. O espectador é bombardeado com uma série de coisas acontecendo fora do contexto das obras de que foram extraídas e ao mesmo tempo vai escutando um monte de dizeres que não são fáceis de assimilar de primeira. Só que as palavras e as edições são tão bonitas que você acaba pensando que tudo aquilo foi genial e gerou a epifania necessária para que começasse a ressignificar sua vida.


Em uma palestra no ano passado, ouvi uma frase de um professor que pretendo levar para o resto da minha vida: "Eu não quero produzir erudição, quero produzir conhecimento". É por isso que vídeo-ensaio não é mais algo que faz parte do meu hábito. Não queria ser injusto dizendo dessa maneira, mas acontece que eles são produzidos com o viés reflexivo e falham nesse sentido. Falham como entretenimento também, pois não consigo me divertir. Bom, pelo menos encontrei neles a cura para a minha insônia, em menos de vinte segundos e os bocejos dão o ar da graça.

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