DIA ATUAL - NOITE NA CADEIA
A verdade é que eu não sei exatamente como vim parar aqui, já passei por tantas coisas na minha vida, mas nunca imaginei que chegaria tão fundo no poço.
Em uma enxurrada de probabilidades, cá estou eu, presa na cadeia de uma cidade pequena no interior do Brasil, á exatamente 3 horas de viagem de avião até a minha casa e 3 dias de ônibus.
Eu tenho a plena consciência de que vou morrer e que meus captores, carrascos dentro da farda da lei, irão me sacrificar para seus Deuses, arrancando meu coração enquanto eu ainda penso no meu suposto pecado, fazendo todos os meus sentimentos e sangue escorrer na praça pública.
Caso isso realmente aconteça, espero que o Deus Sol ao menos atenda os pedidos desse povo. A chuva que cai dentro da cela por meio dessa janela ridiculamente pequena só deixa tudo mais mórbido. E o que seria da minha experiência na cadeia sem ver o sol nascer por essas grades?
Meus capangas, digo, policiais e defensores da boa vizinhança, aparecem, bebendo café e sorrindo amarelo em minha direção.
- Espero que a moça do centro esteja gostando das acomodações – Um deles, o mais alto e menos rechonchudo, diz, me fazendo revirar os olhos. Desde que cheguei nessa cidade estúpida, poucas pessoas me chamaram pelo nome (Valentina, se querem saber), e sim de moça do centro. O guia turístico disse que tem a ver com o fato de que venho de fora, do centro do mundo, enquanto esse povo ainda vive na época do telegrama.
Mas, desconfio seriamente que seja apenas implicância comigo, uma vez que em nenhum momento chamaram Alexia com esse apelido. Falando nisso, eu ainda não sei onde essa cínica foi parar, mas espero que esteja em uma cela, ainda pior que a minha, de preferência.
- Eu quero fazer a minha ligação! – Grito, me lançando nas grades da cela.
O policial baixo me olha seriamente, a cara azeda de quem nunca comeu uma rosquinha que presta no local de trabalho me assusta.
- Tem certeza? – Me questiona, se aproximando da minha grade – Você sabe que só tem uma ligação, e com tamanha chuva, o sinal está fraco.
- Vocês não podem me deixar aqui sem contato com o mundo, como uma criminosa em ascensão – Disparo, encarando-o. A vontade de chorar está próxima – Eu já disse que não fiz nada!
Ele me encara, com a cara se fechando ainda mais.
- Você e sua namorada – Ele pronuncia a palavra como se tivesse medo dela e de mim ao mesmo tempo, como uma doença altamente transmissível e abominável – Atentaram contra o pudor da minha cidadezinha natal; derrubaram uma lata de tinta na cabeça da dona Catarina, provavelmente também picharam o muro da escola com aquelas caricaturas horrendas, e sem falar na influência pecaminosa que causaram nas nossas crianças.
Não, tudo novamente não. Eu realmente acho que joguei uma pedra na cruz enorme dessa cidade por engano, porque tudo que estou passando não é brincadeira não.
- Olha aqui meu senhor... – Tento, pela milésima vez, argumentar. Mas, carrasco como ele é, me tira até mesmo essa chance, indo embora junto ao altão sem nem olhar para trás. Eles desligam a luz da droga da delegacia e vão embora, me deixando sozinha no breu.
A chuva começa a cessar, e tudo que me resta é me deitar nessa cama precária, deixando a tempestade dentro de mim se libertar. Começo a orar pelo Santo adorado por essa maldita cidade me ajudar.
Que hipocrisia, não?
11 DIAS ANTES – QUANDO TUDO COMEÇOU
Lá estava eu, sentada na minha mesa digitando mais uma tradução entediante de um livro de autoajuda. O tema dessa vez é: "Como manter os homens doidos por você: Receitas para fazê-los rasgar sua calcinha", quando, de repente, Justice Thomas sussurrou no meu ouvido.
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O lado bom de ser feminina
RomanceValentina Lima é uma tradutora de livros em ascensão e todos os seus desejos se resumem a bancar a vida de burguês de seu gato e a sobreviver no ambiente de trabalho e, quem sabe, conseguir a bolsa de estudos que tanto sonha fora do país. Tudo...