Meus olhos estavam focados em algum ponto vazio à minha frente. Meu corpo estava imóvel, ouvia vozes conhecidas, mas simplesmente não conseguia dar atenção à elas. Nem mesmo o choro de criança – que eu sabia ser de meu filho de um ano, o pequeno Austin – foi o suficiente pra me fazer sair daquele estado de torpor. - Já chega! – ouvi uma voz dizer, um pouco antes de sentir um tapa forte sobre minha face esquerda. Meus olhos atordoados focaram uma Catarina irada, me fuzilando com o olhar e as bochechas coradas de raiva. – Reaja, Dallas! Reaja! Sua filha está desaparecida, e tudo o que você faz é ficar aí sentada, enquanto seu filho mais novo implora pelo colo da mãe? Já chega! – ela disse pausadamente. - O que você quer que eu faça, Catarina? Ache uma bola de cristal que magicamente vai dizer onde minha filha está? – respondi sarcástica.Catarina me olhou por um momento e se levantou do sofá, jogando as mãos para o alto.- Finalmente! Achei que você ia permanecer no estado zumbi por mais alguns anos – retrucou azeda.Suspirei, sabendo que ela estava certa em ficar com raiva de mim. Mas o que eu podia fazer? A perda de uma filha – mesmo que temporariamente – não era uma dor que pudesse se suportar sem enlouquecer um pouquinho.- Desculpe – falei sincera.Ouvi Catarina soltar o ar e se sentar novamente ao meu lado. O choro de Austin estava mais longe. Provavelmente Catarina pediu a Janet – a babá – que tentasse distraí-lo. - Eu sei que está sendo difícil, Dallas. Mas você tem que ser forte. Sabia que seu celular já tocou umas vinte vezes? retornou suas ligações e você nem ao menos avisou o pobre coitado que você estava sã e salva, e não desaparecida também. Ele está preocupado.- Agora ele se preocupa – eu disse seca.- Dallas. Eu sei que você e andam tendo problemas, mas agora não é a hora de trazer isso à tona. Vocês tem que ficar juntos, se apoiarem e deixarem os problemas de lado um pouco. Ellena precisa de vocês. – ela falou pacientemente.Ok. Certo. Catarina, desde sempre, foi a voz da razão. Ela era sensata e – por que não dizer? – fria. Ela agia com praticidade e lógica. Aparentemente, nada tinha o poder de perturbá-la. E é por isso que ela era minha melhor amiga. Sendo meu oposto, ela sempre conseguia me fazer ver as coisas por uma perspectiva diferente.- não atendeu meus telefonemas quando procurei por ele. Ele provavelmente só ficou sabendo que tinha uma filha desaparecida porque virou notícia nacional. – falei em tom baixo.Eu usava aquele tom quando me sentia muito magoada. Catarina me conhecia e sabia disso. Mas não tinha como eu não me magoar. Antes de sair com a banda pra uma mini-turnê pelo país, nós tivemos uma briga, mas eu considerava aquilo águas passadas. Nós resolveríamos quando ele voltasse, como sempre acontecia. Mas aparentemente, tinha levado o assunto a sério demais, e agora estava me evitando. - Eu tenho certeza que ele tem uma justificativa muito boa pra não ter atendido seus telefonemas. Agora, pare de pensar sobre isso e vamos ao ponto: você não tem, nem uma remota ideia de onde Ellena possa ter ido? Abri a boca pra responder, mas a fechei um segundo depois. Catarina tinha essa teoria de que Ellena não tinha sido sequestrada ou algo pior, e sim que tinha fugido de casa por livre espontânea vontade. “Se tem alguém que pode enganar alguns seguranças para poder escapar, esse alguém éEllena ”, minha amiga havia dito. - Ela não tinha motivos pra fugir, Catarina – repeti, pela milésima vez.- Dallas, sua filha é uma adolescente. Adolescentes são irresponsáveis. Eles agem por impulso. E nós duas sabemos como a relação entre vocês duas estava... estremecida. – ela disse receosa.Mordi o lábio e abaixei a cabeça. Eu não podia negar mais a realidade. Ellena e eu tínhamos sim nossas desavenças. Ela era uma jovem de gênio forte, teimosa como o pai e dona de uma língua afiada. A mistura perfeita minha e de , em termos de personalidade. E era por isso que nossas discussões estavam se tornando cada vez mais frequentes. Ela reclamava de tudo, desde não poder ir ao shopping com as amigas sem ter um bando de seguranças atrás, até da foto dela fumando um cigarro que tinha aparecido na primeira página de uma revista de fofocas. E claro, por eu ter dado um sermão nela depois de ver essa maldita foto. - Ok. Talvez as coisas não estivessem tão boas assim, mas... Catarina me encarou, me desafiando a contradizê-la, mas eu simplesmente estava cansada demais pra discutir. - Você já ligou pra toda a família? Amigos? Amigos dela? Todas as pessoas conhecidas? – ela perguntou calmamente.- Sim. A única que não consegui contatar foi minha mãe – falei melancólica.- Bem. Se não tem nenhum lugar que você possa pensar em que ela pode estar, tudo o que podemos fazer é esperar. A polícia está atenta, mas caso eles não consigam nada, você sempre pode contar com agentes especialistas em encontrar pessoas desaparecidas. – Catarina me olhou, com a expressão piedosa. – Não se preocupe, minha amiga. Vai ficar tudo bem. Eu queria, desesperadamente acreditar nela. Mas não sabia se conseguiria.
Capítulo DoisAcordei no escuro, sozinha mais uma vez. Mas desta vez não me importei. Me vesti rapidamente e peguei as chaves do carro. Eu não ia ficar parada enquanto minha filha estava desaparecida. Eu tinha que encontrá-la.Antes de adormecer com o efeito do calmante que Catarina tinha me obrigado a tomar, eu tinha direcionado meus pensamentos à conversa que tinha tido com ela mais cedo. E fiquei surpresa ao chegar a conclusão de que, se tinha um único lugar onde Ellena poderia ir caso ela resolvesse se esconder, seria a casa da minha mãe. Isso explicaria por que mamãe não atendeu minhas ligações.- Dallas? O que está fazendo? – uma Catarina sonolenta acordou com meus movimentos enquanto eu dava um beijo de despedida em um Austin adormecido.Ela tinha resolvido passar a noite lá, alegando que alguém tinha que cuidar de Austin caso eu voltasse ao “estado-zumbi”.- Catarina! Eu sei onde Ellena pode estar! – falei mais animada do que verdadeiramente me sentia.- Então? - Ela levantou a sobrancelha.Nós duas saímos do quarto, encostando a porta gentilmente pra que não acordasse Austin. - Minha mãe! Ela só pode ter ido pra lá! Você sabe como as duas se dão bem. E mamãe nunca negou nada a Ellena. Se ela quisesse se esconder em sua casa, mamãe não hesitaria em deixar de atender o telefone pra não ter que mentir pra mim – conclui chegando à sala.- Isso faz sentido – ela assentiu. – Mas você não pode ir pra casa da sua mãe essa hora da madrugada. Espere o dia clarear. Está vindo uma tempestade por aí.- Eu não me importo com tempestades ou horários impróprios. Tudo o que eu quero é encontrar minha filha – respondi determinada.- Você não vai mudar de ideia, não é? – Catarina perguntou contrariada.- Não – comecei a vestir um dos moletons de , que eram mais quentinhos.- Apenas... tenha cuidado – ela advertiu.Dei de ombros, já me preparando para sair. Mas antes que eu pudesse me aproximar da porta, esta se abriu, e surgiu um bloqueando a passagem.- – falei seu nome sem emoção alguma.Ele me olhou rapidamente, depois desviou os olhos para Catarina e examinou o cômodo com fingido interesse, evitando me encarar.- Onde você está indo? – ele perguntou friamente.E foi isso. Nem um “como você está?” ou “senti sua falta”. Não. Apenas uma estúpida pergunta sem sentimento algum. Eu provavelmente nunca diria a ele, mas aquilo me magoou. Muito. - Não é da sua conta – repliquei mordaz. - Antonina Lioj, eu não estou a fim de brigar, então, por favor, apenas diga onde você está indo. Eu não preciso de mais uma pessoa desaparecida por aqui – ele massageou as têmporas, fechando os olhos por um momento.Aquilo foi a gota d’água. Ele chegava sem avisar, demonstrava não estar nem aí pra mim e eu ainda tinha que aturar ele falando da nossa filha desaparecida como se fosse um assunto banal?- Você é um idiota, Cameron Dallas ! – cuspi as palavras, passando por ele e o empurrando, saindo porta afora.Enquanto eu esperava o elevador chegar, ouvi as vozes de e Catarina conversando baixo. Traidora. Ela devia estar contando tudo a ele.Assim que as portas se abriram, entrei rapidamente, ansiando que elas se fechassem logo. Mas aquele maldito elevador era lento demais, e por consequência, entrou um minuto antes que as portas se fechassem.- Eu vou com você – foi tudo o que ele disse.- Você não precisa perder seu tempo – respondi rudemente.- Perder meu tempo? Te ajudar a procurar nossa filha é perder meu tempo? – ele me encarou incrédulo.- Com certeza sim. Do contrário você teria atendido meus telefonemas. Te liguei dez vezes, Cameron Dallas . Não foram duas nem três vezes, foram DEZ, e em nenhuma delas você se indignou a atender.- O mundo não gira em torno de você, Antonina Lioj. Eu não posso estar 24 horas disponível pra você. E você sabe disso – ele falou na defensiva. – Eu te retornei as ligações, e quem disse que você se indignou a atender?Cruzei os braços e me recusei a responder. Ele não sabia o que eu tinha passado desde que percebi que Ellena tinha desaparecido. Ele não sabia a angústia que tudo isso me trazido. Não sabia o quanto eu tinha precisado dele naquele momento. Mas ele não estava lá. E eu, por mais que quisesse ter alguém a quem culpar, não podia culpá-lo.