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O que você faria se tivesse somente alguns meses de vida?

Essa foi a pergunta que Walter fez a si mesmo, após sair do hospital e realizar um exame rotineiro, exigência da empresa que criou há mais de 10 anos, onde era o presidente majoritário.

Tirou a franja do rosto, sacudiu o blazer caro, julgando que com isso tiraria o cheiro horrível do hospital e passou a contemplar o além.

Imaginou que toda a sua fortuna, acumulada por trabalho, na maioria honesto, não lhe adiantaria de nada agora, pois não podia se comprar uma vida nova. O câncer, maligno, que já se espalhou silencioso pelo cérebro, também não poderia ser subornado. Nem operado, afirmou o doutor alguns minutos atrás, quase esboçando um sorriso, ao colocar a mão no cheque de pagamento pela sua sentença de morte.

Falando em morte, Walter teve vontade de matá-lo por isso, nossa, chegou a torcer as mãos.

Achou o sentimento estranho, jamais pensou em matar alguém. Dar umas porradas, talvez, arrancar um pouco de sangue de um nariz arrebentado, coisas assim, mas nada tão profundo como o que sentiu pelo odioso doutor.

Então, Wal, o que vou fazer com o resto da vida que me resta? - pensou, seguindo para a limusine que o aguardava - Acho que vou dar vazão a este sentimento novo, o de matar alguém.

Sua empresa, a Michelle Airlines, nome dado em homenagem a sua mãe, cujo símbolo estampado na cauda era um corvo, agora trazia em sua mente toda uma simbologia que Walter nunca notou.

O mesmo símbolo do corvo estava na porta aberta pelo motorista.

Sorriu! Aí estava o início de algo, um planejamento que o faria esquecer da doença, até o momento em que ela o dominasse totalmente, mas enquanto isso não acontecesse, poderia dar umas pequenas instruções e colocar a sua ideia em funcionamento. Algo para ser lembrado, além de apenas mais um rico que bateu as botas, um fato para ser descrito após sua morte por algum grande escritor, inspirado em sua proeza macabra.

Não faça isso, Wal! Uma vozinha fina ecoou em sua mente, mas ele nem deu atenção.

Deixe a sua marca no mundo! Não era assim que pensava o finado Steven Jobs? Pois Walter deixaria a dele, em grande estilo.

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