III

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Uma semana depois da entrega das passagens promocionais em Omaha, a empresa Michelle Airlines anunciou que um novo modelo de aeronave seria a responsável pela viagem dos sonhos dos premiados.

O Crow Plane 300 foi construído para transportar passageiros em primeira classe, com apenas uma pequena acomodação executiva de luxo, para apenas 2 pessoas.

No dia do embarque, a imprensa fez nova cobertura exclusiva para mostrar o embarque dos passageiros, na sua grande maioria composta por pequenas famílias, que posavam sorridentes para as câmeras.

Mas o foco principal da imprensa era uma entrevista com o presidente da empresa aérea, Walter Nicolson, que chegou ao aeroporto em sua limusine.

Ele se vestia com um terno preto, tendo os cabelos soltos que caiam de forma elegante sobre o rosto, dando-lhe um aspecto mais jovial, contrastando com os 60 anos que possuía.

Trazia uma maleta executiva 007 de couro, com o símbolo da empresa impresso na lateral e sorria em cumprimento aos presentes, se aproximando lentamente até onde a imprensa o aguardava.

Uma dor de cabeça terrível havia se instalado nele nos últimos dias, além das tonturas e nauseas frequentes, mas quem o visse desfilando até os microfones jamais imaginaria o seu sofrimento interno.

*Quero saldar a todos nesta manhã festiva para a Michelle Airlines. Minha mãe deve estar nos olhando agora e sorrindo, lá onde ela se encontra - disse Walter olhando para o céu, enquanto a maioria o imitava.

Na verdade, se quiserem vê-la, deveriam olhar pra baixo, idiotas, pois ela deve estar queimando no inferno neste momento - pensou e seu sorriso se tornou mais largo, esquecendo por alguns segundos da dor de cabeça latejante.

*Ficamos muito felizes em poder proporcionar esta curta viagem de férias para a capital e eu mesmo estarei supervisionando este voo, para que tudo ocorra como foi planejado por mim e pela minha equipe. Garanto a todos que será um evento inesquecível, do qual todos os envolvidos jamais se esquecerão.

Muito menos eu!

Se despediu de forma carinhosa da impressa e de todos que vieram para se despedir no saguão do aeroporto e rumou para embarcar no Crow Plane.

Já na aeronave, passou entre os aplausos e assobios dos passageiros que acompanharam pelos monitores internos a rápida entrevista e continuou sorrindo até chegar ao seu aposento exclusivo, onde despencou na poltrona.

O esforço para controlar suas emoções era enorme e uma careta de dor tomou conta da sua face, a qual foi substituída automaticamente quando a comissária de bordo abriu a porta de acesso ao seu aposento.

*Estamos preparados para partir, Sr. Walter. Alguma última orientação?

Ele cogitou falar uns bons palavrões para ela, mas conseguiu disfarçar bem. Esforçou-se para ler seu nome no crachá e lhe respondeu com a pouca paciência que lhe restava.

*Muito obrigado, Mônica. Está tudo perfeito, podemos iniciar a viagem, sem problema algum. Agora eu só preciso de um pouco de privacidade, pois tenho um trabalho inacabado que preciso resolver. Se precisarem falar comigo, ou se eu necessitar contactar vocês, usamos o telefone interno.

Ela também agradeceu e sorriu, saindo do aposento. Walter se levantou e travou a porta, pois precisava descansar. Tomou uma série de comprimidos relaxantes e apagou na mesma hora, antes mesmo da nave decolar.

Imediatamente um pesadelo invadiu sua mente, onde se encontrava com sua mãe, ganhando uma das inúmeras repreensões, tal Michelle o fazia em vida.

Wal, o que pensa que está fazendo, seu imbecilzinho de uma figa. Não consegue fazer merda nenhuma direito? Olhe pra mim quando estou falando com você, seu merdinha...

No pesadelo ele voltou a ser um menino e usava o seu velho pijama vermelho com capa, que ele dizia para o pai que era o seu uniforme de supergaroto, quando planejava voar para a cama.

Mamãe, me ajuda! Walter não sabe o que está fazendo. Ele quer matar todas aquelas pessoas, têm um monte de crianças também. Mamãe, me ajuda a controlar ele...

O rosto de sua mãe, que parecia estar carregado de maquiagem vermelha, endureceu e ela o fitou, com os olhos arregalados, que pareciam querer saltar para fora das órbitas.

Não meta o seu narizinho arrebitado onde não é chamado, Wal! Ele sabe muito bem o que está fazendo. Falta pouco agora. Logo ele vai estar aqui me abraçando e todo o seu sofrimento vai acabar. Vou levá-lo para dar uma volta e conhecer as profundezas do seu futuro lar.

E os outros, mamãe? O que será dos outros? Temos que ajudá-los!

Ah, moleque, sempre chorando que nem um bebê. Os outros, os outros - disse ela imitando o pequeno super-herói, com uma vozinha fina - Os outros que se explodam com Walter. É isso que ele quer! É isso que eu quero! É isso que você deveria querer, se tem alguma consideração por ele. Olhe para dentro de seu cérebro, já todo comido pela doença. Ele é uma carcaça humana, já no ponto para ser devorada por aqueles pássaros... Veja!

Ela apontou para a aeronave que decolava. Não parecia mais um avião, era um enorme corvo, com as asas abertas, sendo seguido por dezenas de corvos menores que faziam um barulho ensurdecedor.

O avião-corvo subiu, indo se confundir com o negrume da noite e o pequeno super-herói o seguiu, voando com seu uniforme vermelho, com a capa esvoaçando atrás dele.

Eu não vou deixar, mamãe! Eu vou ajudar a todos, o Walter também...

Você não pode mais ajudá-lo - disse Michelle em sua mente - Ele não quer ser ajudado, ele só quer morrer...

Quando Walter acordou estava todo suado e a dor de cabeça havia diminuído para uma intensidade aceitável. Conseguiu se lembrar de cada detalhe do sonho e sorriu satisfeito.

Olhou pela janela e viu que planavam por sobre as nuvens.

Você está certa, mãe! Logo estaremos nos abraçando aí no inferno...

E deu início a segunda parte do seu plano.

Sem ChãoOnde histórias criam vida. Descubra agora