Cap 2

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Já havia se passado um semestre, e como em toda boa escola com jovens de imaginação fértil, havia um boato de que o colégio era assombrado por uma mulher amarga que estava a atormentar os garotos, porque eles simplesmente caíam no chão, assim do nada. Também, ninguém mais ia para o fundo da escola onde ficava aquela árvore majestosa pelas suas flores alaranjadas. Como se fosse o roteiro de um mangá, até a árvore estava com uma atmosfera diferente por ter perdido suas flores coloridas, apesar de sua enorme copa verde ainda estar cheia e me oferecer uma sombra muito boa.

No começo os alunos iam para lá namorar escondido, mas todos saíam de lá molhados. Os professores, intrigados, acabaram descobrindo e passaram a ficar mais atentos à ida dos alunos para aquele lado. “Porque a escola não é lugar para namoro”, eles diziam. Logo, aquela árvore virou parte do boato. Diziam ser onde o fantasma da mulher raivosa descontava sua frustração nos amantes incorrigíveis por ter sido traída ali.
Acabou que aquele lugar ficou isolado e virou meu refúgio. Tinha horas que eu queria me afastar das minhas fãs e poder ser apenas um otak... nerd comum.

Eu tinha status e nome. Meu rosto saía de vez em quando em revistas adolescentes e propagandas, porém eu achava cada vez mais desconfortável o tratamento bajulador que estava recebendo. Era exagerado.
Obviamente eu não me achava feio, mas não me considerava tão bonito para estar tendo todo esse estardalhaço. Aliás, esse “emprego” foi pelo nome do meu pai, não por eu ser alguém interessante, então, às vezes, quando eu me sentia sufocado, eu ia para baixo daquela árvore para tirar um cochilo, ou assistir uns animes entre as aulas, ou apenas para matar o tempo mesmo.

Num dia, enquanto eu cochilava tranquilamente, acordei assustado com a sensação de que algo subia em mim e qual não foi minha surpresa ao ver uma cobra enrolada no meu peito. Não sei se congelei, estava muito assustado, e só me lembro que me mijei. Isso é vergonhoso, mas o que eu iria fazer? Tinha uma cobra venenosa em cima de mim, eu não podia me mexer nem gritar, fiquei com medo de ela me matar. E agora, meu Pai? Eu iria morrer ali?

Tão jovem e inexperiente, nem tinha dado meu primeiro beijo ainda. Isso não era justo! Agora sim eu parecia um bobo e não o Kayo descolado e pegador — que nunca pegava ninguém na prática. Melhor seria eu me enterrar logo, ou ser engolido... não, a cobra era pequena para conseguir me engolir, mas eu não entendo nada de cobras, e era melhor morrer engolido do que me verem mijado.
Um vulto escuro apareceu ao meu lado, como se caísse do céu. Eu já estava com medo da cobra, agora tinha alguém do meu lado, e esse ser abençoado não disse nada. Senti que estava perto e se aproximando devagar. E agora, meu Deus?
Sei que eu não sou do tipo fiel, mas preciso muito de um favor. Sou muito novo para morrer!

Chorei silenciosamente, com medo da cobra ou do vulto me matar. Vai que era o fantasma da mulher raivosa. Eu não tinha coragem de abrir meus olhos.

Eu sei, sou um covarde, confesso, mas alguém me ajude, pelo amor de Deus?
Na mesma hora senti meu peito aliviado. Eu nem sabia que a fé tinha um poder tão grande, então abri meus olhos só para infartar.

A cobra estava praticamente na minha cara, com a boca aberta, quase enfiando aquelas presas no meu nariz. Eu já estava mijado, agora provavelmente estaria cagado.

Era humilhação demais, eu provavelmente tinha morrido e estava revivendo meus últimos segundos de vida de uma maneira humilhante. Me arrastei o mais rápido que pude, consegui me firmar nas minhas pernas bambas e me apoiar no tronco da árvore, respirando como um porco prestes a morrer e mais gelado que um picolé. Olhei para trás... morri de novo, ou morri definitivamente. Com certeza meu coração parou.

A asiática estava parada igual a uma assombração pálida e sombria com um sorriso zombeteiro no rosto, segurando a maldita cobra com a mão.

— Idiota! — Ela disse jogando a cobra por cima do muro.

E ainda teve a audácia de pegar sua garrafa e jogar a água toda em mim! Fiquei todo molhado. Não bastava estar mijado, sujo de terra por ter me arrastado no chão e com os braços arranhados por ter me agarrado no tronco da árvore para conseguir levantar, ela tinha que me dar um banho para completar o estrago na minha reputação.

Virou as costas e saiu sem dizer nada. Sem me dar uma única explicação, sem sequer me dizer de onde havia surgido. Só não bati nela porque diziam que não era possível tocar em fantasmas...

Obviamente levei um sermão dos professores por chegar na sala molhado, sujo e arranhado. Todos acharam que eu tinha ido namorar na árvore assombrada.

Pelo menos ninguém percebeu que eu estava mijado, e a fama de pegador ficou ainda mais forte por ser a segunda vez que aparecia molhado vindo da árvore e, porra, eu nem sequer havia dado meu primeiro beijo ainda. Isso era muito humilhante, não ia conseguir uma namorada nesse ritmo. As meninas achavam que eu era um galinha, típico playboy que não queria nada além de um lance, e eu lá, querendo apenas chorar no colo de uma garota fofa. Estava muito puto com a situação.

Não sei se ela tinha feito de propósito, mas, com toda certeza, acabou me ajudando. Eu provavelmente não teria saído de lá vivo, e teria virado chacota se aparecesse mijado, então eu inconscientemente acabei agradecendo em voz alta sem querer quando saía do banheiro depois da última aula.
Eu não sabia que conseguia invocar uma fantasma só de pensar nela, não sabia que eu tinha esse dom. Pensei que estava sozinho, pelo silêncio, mas ela estava parada na minha frente e tinha surgido do nada, assim de repente, puf!

Lá estava ela: mais baixa do que eu com aqueles olhos frios e profundos como o mar. Droga, lá vai eu, perdido de novo, sentindo minha vida inútil ser tragada pela alma penada. Devo ter ficado com cara de idiota pelo modo como ela me olhou com desdém, me chamou de idiota e saiu pisando forte, segurando as alças da mochila com as mãos mesmo que ela estivesse apoiada nas costas.

— Sua esquisita! — gritei.

Ela podia ser um fantasma, mas eu já estava farto de ela me chamar de idiota, e se eu podia invocá-la, podia responder também.
E, pasmem, ela apenas ergueu o dedo do meio bem alto, de costas para mim. Foi a segunda e terceira vez que a vi. Pelo menos ela não tinha me levado para o além.


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O Idiota e a Fantasma - DEGUSTAÇÃO Onde histórias criam vida. Descubra agora