PARTE 1

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Não somos nada. Nunca seremos nada. Absolutamente, nada. Quando o sol se põe, caímos, quando ele nasce, levantamos. Mas continuamos sendo nada. Apenas pó.

"Levante, Dubois! Pare de ser fraca, garota imunda".

"Não consigo". Diz Dubois.

"Consegue!" ela rosna. "Se foi capaz de deitar-se com quem não devia, é capaz de se levantar". Charlotte sentiu na boca o gosto
amargo do ódio.

"Você é uma vaca". Disse, gemendo. O sangue escorrendo de seu queixo.

"Cale a boca, desgraçada!" Com esta ordem, meteu-lhe o chute no estômago de Charlotte, até ouvir seu gemido fino e angustiante de dor.

"Já chega!" uma voz grossa ecoou na grande sala de pedras. Charlotte reconheceu a voz e se permitiu desmaiar, sabendo estar salva da mulher que chamava de mãe. "Vai acabar matando-a" disse, agachando até Dubois e tirando os cabelos de seu rosto ensanguentado.

"Não encoste nela, imbecil!" Turan diz cuspindo no chão, se arrependendo no instante em que Blenk se levanta indo em sua direção. Dá um beijo demorado em sua testa, com uma das mãos acolhendo a parte de trás de sua cabeça e logo depois, lhe golpeia um tapa no rosto, fazendo-a cair no chão. Ele se lança em cima de Turan, que está aterrorizada e a pega pelo rosto, apertando-o com força até seus lábios formarem um bico deformado. Blenk se aproxima o suficiente de seu ouvido, para que ela consiga sentir seu hálito quente,
escaldante penetra-la.

"Encoste nela outra vez, e faço com que todos os homens desta terra te comam viva". sussurra, com frieza. "Seria seu maior pesadelo, não é mesmo?" pergunta, descendo a mão livre até encontrar seu seio coberto por vestes sujas. "Ser tocada por alguém como nós".

Turan chora ao sentir a mão dele apertando seu seio.

"Acho...que já está bom" ele sussurra em seu pescoço e se levanta, devolvendo o ar a Turan, que inflou desesperadamente. "Vou levá-la comigo. Não ouse vir atrás dela, novamente, senão já sabe o que te acontecera". Ele agacha ao lado de Dubois e a pega nos braços, levando-a como se não pesasse nada.

Turan continuou imóvel no chão sem entender o que aconteceu.

2 ANOS DEPOIS

Charlotte estava de frente ao espelho, nua, apreciando seu corpo, que mudará muito com os anos. Estava crescida, forte e bonita. Glorificava a si mesma todos os dias. Seus cabelos negros, longos e ondulados. Suas pernas esguias e seus belos olhos verde-claro. Um terço de seus cabelos encobrindo um de seus seios, cheio e redondo, o outro estava à mostra, mas fora escondido por uma mão máscula surgindo de repente atrás de si. Logo a outra estava em sua cintura.

"Bom dia" diz Blenk, dando um beijo em seu rosto pálido.

"Não estou muito feliz com você, Blenk". ela diz com desdém, se desvencilhando de suas mãos maldosas.

"O quê? "ele ri "O que houve agora, Charlotte?

Blenk já estava bem acostumado com os dramas e exigências de Charlotte. Sempre obedecia às suas ordens calado, mas algumas vezes ele a fazia lembrar qual era seu lugar no mundo.

"Você sabe o que houve," responde "não deixou que eles entrassem ontem à noite". Blenk começa a rir debochadamente da cara dela, como se estivesse louca.

"Charlotte," sua voz apela. Ele vai até ela, que se afasta, mas desiste, e passa as costas das mãos em seu rosto. "Minha querida. Não espera que eu divida você com outros, não é?

"Não pertenço a você". sussurra. "não se esqueça disso". Ela volta sua atenção ao espelho.

Com o golpe daquelas palavras, ele permanece parado ao seu lado, observando-a, e pensando, que não poderia haver criatura mais magnífica e cruel na terra.

Depois de sua própria mãe tentar matá-la, ele a levou para sua casa e cuidou dela, quando ela tinha apenas 17 anos. Ele sabia que ela havia mudado, mas não imaginou que fosse para o pior. Com o tempo ela se tornou fria, ambiciosa e sem um pingo de piedade. Ele não era melhor, era completamente igual, mas lhe sobrou amor. Estava apaixonado por esta criatura deslumbrante. Esse anjo da morte, mas ela não sentia o mesmo, e ele sabia o por quê. Charlotte é diferente de todas as criaturas de Greeant, a mistura de um humano com um Kalumeno, uma das criaturas mais lindas e más da terra. Se fosse somente uma Kalumeno, teria dizimado metade de Greeant, apenas com um simples toque.

"Certo". disse, apreensivo, coçando a cabeça. "Vou tomar um banho".

"Não me espere". As palavras foram fúteis demais, até, mesmo, para ela.

Assim que, ele se retirou, Charlotte não pode esperar, nem sequer, mais um segundo para se vestir e sair dali às pressas. Ela queria ver. Ela tinha de ver. Não poderia perder o espetáculo, ridículo, da mãe. Se divertia muito vendo-a sofrer. Cuspiu-lhe, uma vez, na cara, quando a encontrou na rua e, os Greeants viram tudo. Apesar de odiarem Charlotte, a ponto de a matarem com as próprias mãos, não defenderam sua mãe. Turan era um ser horrendo; ter o sangue humano e o sangue Greeant correndo nas veias, não significava nada para ela. Tentou assassinar sua filha, por ter se deitado com um humano, sendo ela mesma portadora do mesmo DNA. Tentar matar a própria filha era um pecado enorme contra as Leis do povo e, era por isso que o reino inteiro odiava tanto Turan. Desrespeito às Leis.

Charlotte chegou à cidade correndo, nada muito diferente do mundo humano. Grandes prédios em construção, veículos indo e voltando com velocidade, pessoas andando de um lado para o outro, sempre ocupadas demais para cumprimentar ou prestar atenção umas nas outras. Um caos sem fim. Porém, não passa de uma bela miragem para enganar os olhos humanos, para atraírem eles para este lado, sem perceberem que saíram do seu mundo. A verdade é que o Reino de Greeant, não passa de um lugar enevoado, cheio de areia e solidão, com antigas casas e castelos corroídos pelo fogo.
Há muito tempo atrás, houve uma guerra entre os Greeants e os Kalumenos. O povo de Greeant teria algo que os Kalumenos ansiavam muito por ter, mas não conseguiram achar. Quando viram que não encontrariam a coisa que estavam procurando, se revoltaram e mataram metade do povo, incluindo mulheres grávidas e crianças, botando fogo em tudo. Mas, com a magia dos Greeants, aos poucos foram reconstruindo tudo outra vez, mas nada era real. Tudo ilusão onde podiam pisar, tocar. O Rei Rory poderia ter reconstruído tudo com sua magia, mas ele queria mais, queria os humanos, pois, somente com os humanos eles poderiam procriar. Greeant com Greeant, não conseguem reproduzir. Os kalumenos obtinham esse poder, mas eram raras as chances de procriarem com a própria espécie, por isso os Kalumenos são tão poucos.

Charlotte chegou a parte pobre da cidade, onde as pessoas imploravam por esmolas e restos de comida. Onde tudo era imperfeito. Onde sua mãe morava. Enfiou-se em um beco sem saída, mas havia uma abertura feita no muro da parede coberta por um pedaço de madeira grande e pesado, do lado de dentro. Charlotte bateu no velho pedaço de madeira e uma mulher com cabelos ruivos e olhos castanhos atendeu.

"Está atrasada". Adverte a mulher, preocupada.

"Eu sei". retrucou. "Blenk me atrasou. Abra logo esta porcaria!" Mandou, em um cochicho raivoso.

"Claro". disse a mulher olhando para os lados antes de puxar a madeira. "Ande logo!". Charlotte passou pela pequena abertura e não perdeu tempo.

"No mesmo quarto?" Charlotte pergunta, apressada.

"Sim" responde a mulher. "Cuidado para não ser pega".

Charlotte concorda com a cabeça e sai andando por um corredor escuro até achar uma porta pintada em tom vermelho-rubro, número 92, onde entra sem bater na porta.

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