Aina - Recorte 2

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Como em uma dança de salão, os flocos de neve caíam ao chão, brancos feito algodão. O vento da noite não se continha em levar apenas a neve, levava também os poucos fósforos que uma garota tivesse, e isso era o que acontecia naquele breve momento.
Enquanto muitos aproveitavam o conforto de suas lareiras, Aina procurava por seus fósforos que haviam sido arremessados ao ar por uma cadela que agora corria ao seu redor para tentar se aquecer. Era de se imaginar que procurar fósforos em meio a uma nevasca fosse algo impossível, mas em meio a baixas chances Aina sorriu ao achar alguns e por sorte uma caixa ainda estava intacta, mas o sorriso logo se foi ao dar de encontro com aquela cadela, de um marrom sem graça e com poucas machas brancas ao redor do focinho.
A menina, com o olhar cinza e os cabelos negros como a fumaça de uma fábrica, colocou o seu achado nos bolsos do casaco usado, já branco pela neve, e antes que ajeitasse a coluna para se dirigir a algum lugar, encarou os olhos daquele animal, que parecia ter pouco mais de um ano de vida e imitou um latido, a cachorra pouco se incomodou e continuou sua corrida.
Aina desistiu de gerar qualquer intimidação e poupou seus esforços para uma caminhada até uma antiga ponte de ferro, ou como preferir, sua casa. O local tão monocromático quanto a sua habitante não possuía pouco mais que uma cadeira, já remendada, uma lata de metal usada como fogueira que acompanhava um garfo de ferro para mexer a brasa e alguns outros parasitas que visitavam a área em busca de calor.
Assim que a jovem se assentou para acender o fogo a cachorra se deitou ao lado da lata, esperando conseguir uma forma mais eficiente de evitar o frio que surgia naquela época do ano.
Com toda a habilidade adquirida com anos nas ruas, Aina acendeu de três a quatro jornais antes de conseguir atear chamas em um bloco de madeira, aquilo seria o suficiente para evitar a morte, pelo menos naquela noite, e foi assim que ambas as almas ao redor daquela lata, a menina e a cadela, passariam a noite, isto se não fosse pela rapidez com que o belo contraste do fogo com o metal frio da ponte monocromática atraísse a atenção de alguns homens para visitá-la.
A altura dos dois desconhecidos fora o suficiente para fazer o animalzinho que seguira Ainda até ali entrasse em alerta.
Em pouco tempo se ouviu um punhado de palavras desabarem dá boca de um dos indivíduos, tão secas que quase alimentaram o fogo da lata.

- Agradecemos que tenha feito o trabalho para nós, agora pode ir embora, seu serviço não é mais útil aqui

O olhar sombrio que surgia através do vão entre um gorro e um cachecol fez a menina se levantar, ao mesmo tempo a cadela pulou em direção ao homem buscando defender o seu território, a ação soava mais como um pedido de desculpas para Aina, e fez com que a pequena jovem se inspirasse e tomasse a frente naquele instante, e quando o segundo homem partiu para cima do pequeno animal, A agora destemida mulher pegou a pinça de ferro e usou para arremessar uma e outra brasa sobre as costas do agressor de sua nova amiga.

- Se quer tanto o fogo, pegue!

A dança do vermelho em meio a neve fez com que as chamas se multiplicaram como pares em um salão ao anoitecer, fazendo também o homem entrar em uma grande aflição, se jogando ao chão gritando por ajuda, seu companheiro que agora não possuía mais uma das botas e tão pouco havia saído com a perna ilesa das presas de cadela, agora corria para se salvar, seguido pelo Homem que agora tinha as costas nuas.
A risada da jovem parecia seguir os dois independente da distância, juntamente com os latidos daquela cadela sem nome.
Aina, ao se virar para a nova companheira sorriu e a acariciou ao invés de tentar fazer com que ela fugisse. Assim que a euforia do momento se foi, o chão que antes tinha sido local de luta, se tornou uma cama. A menina se deitou ao redor da lata ja fria e sem fogo, e em pouco tempo a pequenina defensora de quatro patas se aconchegou em seus braços.
Aina sussurrou ao ar, em voz baixa já cansada pelo dia, um curto nome.

- Nina

A cadelinha agora com seu nome latiu em concordância, dando o que se parecia a um sorriso, e assim com os olhos fechados, o calor das duas foi diminuindo até que a última chama se apagasse.

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