FLASHBACK II

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Durante o período em que minha mãe fazia quimioterapia, ela começara a perder seus cabelos, o que a deixava triste e a mim também.

Eu não podia ajudá-la e isso doía, fazia me sentir inutil. E eu realmente era.

Eu queria lembrá-la de que isso passaria, que ela voltaria a ser como antes e que ela voltaria a ser forte novamente. Mesmo que ela tentasse, com todas a forças, ela não conseguia ser forte, mas fingia. Por mim.

Ainda me restava alguma esperança, que tudo aquilo logo passaria. Mesmo que pouco, ainda restava.

________

Queria muito dizer que ela sobrevivera, que agora ela está feliz e contente, que ela encontrara o amor novamente. Queria dizer que nós agora íamos fazer compras juntas e que todas as noites assistíamos filmes de romance e choramos comendo brigadeiro.

Mas não, isso não aconteceu. Infelizmente ela me deixou. Queria culpá-la por tudo. Por não ter me contado sobre o câncer  e por não ter sobrevivido... Mas eu simplesmente não conseguia, porque sabia que ela havia lutado até suas forças esvaírem.

Ela tentou, mas não conseguiu.

***

Doía viver na casa onde fomos felizes. Tantas memórias. Tantas lembranças; felizes, tristes.

Apenas lembranças agora.

Não queria viver mais ali, então decidi morar com minha avó. Ela ainda não aceitava a ideia de eu trancar a faculdade, até se oferecera para pagar os gastos do hospital, mas eu, orgulhosa como sempre, neguei com veemência. Eu deveria fazê-lo, pela minha mãe.

________

Arrumando as coisas da minha mãe, encontrei muitas fotos. Sentei-me no chão e me permiti chorar vendo aquelas lembranças de um tempo que ainda era claro em minha memória.

Só hoje, me permiti ser fraca. Me permiti sentir o luto, a dor da perda de mais uma pessoa que eu amava incondicionalmente.

Procurando mais fotos, encontrei uma carta com a letra dela. Meu primeiro amor.

Me pus a ler:

Lembro-me da primeira vez em que nos vimos.
A primeira vez em que pus meus olhos em você.
Encarando ao longe, percebia o quão doce tu eras, o quão gentil e meigo se parecia aos meus olhos.
Você estava trabalhando, vendendo sorvetes e eu não parava de admirar-lhe.
O teu sorriso, que era tão cativante, fez eu me apaixonar; ele me acalmava.
Quando o vi me encarando, com dúvida, procurei desviar meu olhar rapidamente, mas quis olhar-lhe novamente. E lá estava você, sorrindo para mim ao longe.
Trouxeste um sorvete de morango para mim e logo me pus a aceitá-lo com prazer.
Dias depois me convidou para um piquenique, lembro-me que fiquei tão animada que senti borboletas em meu estômago.
E lá estava você novamente, sentado sob um pano xadrez, sorrindo perfeitamente para mim.
Seu nervosismo era notável quando fora conversar com meus pais, sobre nós. Mas isso o deixava mais encantador ainda. E foi por isso que me apaixonei.
Mas, meu primeiro amor se foi.
Éramos tão felizes.
Ainda me pergunto o porquê de você ter ido embora tão cedo.
Ainda dói. A dor fez-se parte de mim, aprendi a conviver com ela. Tão insuportável.

Terminei de ler em meio aos soluços.
A felicidade deles fora interrompida. Isso era doloroso.

Um dia encontrarei um amor tão puro e singelo quanto ao deles?

Mergulhei em meus pensamentos.

Duvidava.

Me vejo em seus olhos castanhosOnde histórias criam vida. Descubra agora