Aqueles olhos

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Acordei com o sol batendo em meu rosto.

Acabei me lembrando do ritual que minha mãe fazia assim que ela acordava. Primeiro ela abria a janela, e logo em seguida vinha me dar um beijo na testa e me chamava para tomar café. Não podia faltar isso no início do meu dia.

Mas agora não tenho mais nada disso. Depois que minha mãe faleceu, tudo foi por água abaixo, parece que nada na minha vida dava certo. Tive que trancar a minha faculdade de advocacia para poder pagar as despesas do hospital onde minha mãe fazia o tratamento contra leucemia. Segundo os médicos, ela descobriu o câncer tarde demais.

Acho que ela gostaria de saber como estou vivendo, não sei se ela ficaria orgulhosa ou decepcionada com a pessoa que eu acabei me tornando. A partida dela foi rápida demais, não me curei totalmente e nunca vou, mas tive pessoas que se importaram e me ajudaram, bom, do jeito deles.

Levantei e fui dar um beijo na minha avó que já estava fazendo o café da manhã, ela se parecia muito com a minha mãe e isso doía um pouco, mas não deixava minha dor transparecer tanto.

— Acordou cedo, Alice! -Disse minha avó num tom de surpresa.
— Hoje é domingo, e a senhora sabe que até nos domingos não tenho folga. Tenho que passar no restaurante, o chefe me mandou uma mensagem ontem pedindo para eu cobrir o Pedro que saiu de licença paternidade.
— Então vê se come alguma coisa antes de ir. Saco vazio não para em pé e você sabe disso.
— Sim senhora, dona Maria!
— Falando em licença paternidade, quando você vai arrumar um namorado, minha filha? Você tem que aproveitar enquanto está jovem, mês que vem você faz 23 anos e acho que já está passando da hora de arrumar um pretendente. -Disse ela com um sorriso meio maléfico.
— Vó, a senhora sabe que eu não tenho tempo pra isso e vamos concordar que nos dias de hoje não tem ninguém que preste de verdade.
— Mas que cabeça dura, hein?! Igualzinha sua mãe!
— Ta bom né, vó. Já estou atrasada, vou chegar tarde, então não me espere para o jantar.

***

— Que bom que você chegou, Alice, pensei que não viria hoje. O restaurante está muito movimentado e você chegou na hora certa!
— Eu sei que vocês precisam de mim, Tiago. -Falei, rindo um pouco da cara de desespero dele.

Tiago sempre foi meu ombro amigo, um dos meus melhores amigos e o único que realmente conseguiu me consolar depois da partida da minha mãe. Nos conhecemos no ensino médio e desde então fazemos tudo juntos. Confesso que quando ele começou a namorar me senti meio solitária, mas ele tinha uma vida também, não podia privar ele dos sentimentos só porque eu me sentia sozinha.

— Alice, a mesa 11 precisa ser atendida, anda logo! -Ouvi o chefe gritar.

Nunca entendi as coisas que Tiago dizia para mim em relação à Bia, sobre as borboletas no estômago, o nervosismo antes de encontrá-la, sobre amá-la e querer fazê-la feliz a todo custo. Lembro de uma vez que ele me disse: "Um dia você irá saber como é se sentir assim". E foi assim, na mesa 11, quando meus olhos se encontraram com os dele.

Me vejo em seus olhos castanhosOnde histórias criam vida. Descubra agora