Uma visita não planejada

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É engraçado como a vida mexe com as coisas do nada e vira tudo de cabeça pra baixo.

Eu me chamo Sarah, Sarah Pinto. Eu tenho 27 anos e atualmente moro na Itália onde trabalho como arquiteta e nas horas vagas aprecio de suas safras de vinhos.

Como podem imaginar, sim sou brasileira. Meus pais eram de origem pobre do interior do Rio de Janeiro, de um bairro chamado Éden que pela distância da civilização é bem capaz de ter sido onde surgiu Adão e Eva.

Sorte deles que saíram de lá, (ok talvez nem tanto,) mas meu sonho era conhecer o mundo e lá não tinha muito o que me prendesse, bem... Talvez por uma coisa só.

Filipe Almeida era o nome da minha âncora, crescemos junto, eu era dois anos mais velha que ele mas isso não fazia muita diferença pra nós dois já que vivíamos juntos. Eu sempre senti algo por ele mas nunca falei nada com medo de afastar a única pessoa interessante que tinha naquele fim de mundo.

O tempo passou e quando entrei no ensino médio meu pai ganhou uma promoção numa filial em São Paulo e como qualquer oportunidade que nós davam ele agarrou sem pensar duas vezes, quando notei já estava enfiada no banco de trás com malas e malas e deixando pra trás a minha casa e principalmente Filipe que nem tive tempo de contar nada.

Daquele tempo pra cá 15 anos se passaram e hoje eu estou onde estou, e bem tirando meus pais, alguns parentes ainda moravam lá e aproveitei a situação financeira pra visitar meus tios e tias e levar alguns presentes.

Eu cheguei na casa da minha tia e foi muito nostálgico rever todos que estavam lá, meus primos tinham crescido um monte e alguns deles já estavam até terminando o ensino médio. Um pouco de tristeza misturada com nostalgia me bateu no meio de todo reencontro e isso me lembrou da minha âncora...

Despretensiosamente resolvi perguntar a minha tia se meus antigos vizinhos ainda moravam lá, claro que não disse que era de Filipe que queria saber mas não queria parecer uma adulta que não lidou com um amor de adolescentes (mesmo sendo a verdade mas não vem ao caso).

Para a minha surpresa minha tia ainda mantinha contato com eles e me passou o contato da mãe dele pra mim e não consegui nem conter a minha expressão de felicidade ao saber disso.

Aproveitei o restante da noite e dirigi de volta ao centro do rio, mais precisamente a botafogo onde estava ficando na casa de uma antiga amiga de faculdade. É claro que chegando lá não resisti e mandei mensagem pro celular da mãe dele, como quem não quer nada.

Sarah: Boa noite, esse número é da Dona Marta?

Foi visualizado quase instantaneamente e em cima do aparecia dona Marta escrevendo.

2 minutos se passaram...

5 minutos se passaram...

10 minutos se passaram...

Dona Marta: OI , SIM SOU EU QUEM E

Bom, eu não podia esperar muito, lembro que quando éramos mais novos ela vivia trabalhando pra compensar o salário de Seu Júlio. Acho que ela nunca teve muito tempo pra estudar ou até mesmo aprender a usar um celular mas como já tinha confirmado que era ela resolvi ligar.

Biiip......Biiiiip.....biii

Dona Marta: Alou?

Sarah: Oi Dona Marta, é a Sarah, a senhora lembra de mim? Sou a filha do Seu Carlos e Dona Ivete. Tudo bem?

Dona Marta: Ôooh meu amor, mas que saudade de você, como mudou sua voz, quanto tempo que a gente não se fala menina, como cê tá? Já virou uma moça já né?

Soltei uma leve risada, fazia tempo que não falava com ela mas ela continuava a mesma pessoa.

Sarah: Ah Dona Marta, tô bem, naquele tempo que a gente se mudou eu fui morar em São Paulo e as coisas vem, as coisas vai, e agora sou arquiteta e tô morando na Itália.

Dona Marta: Ai que bom meu amor, sabia que cê ia alcançar seus sonhos, é tão gostoso ouvir isso, lembro de você pequenininha falando o dia inteiro que ia conhecer o mundo, ai que saudade que dá, você e o Felipe eram fogo, ninguém segurava vocês dois.

Ai estava a minha brecha, agora podia perguntar dele!

Sarah: Falando no Lipe, como ele tá? Sobreviveu esses anos sem mim ou entrou numa desilusão amorosa pro resto da vida?

Deixei escapar uma risadinha da brincadeira mas como resposta tive um suspiro fraco e uma voz que começava a fraquejar.

Dona Marta: Ah Sarinha, minha querida então sabe o Felipe....

Ela deu uma pausa de alguns segundos pra retomar o fôlego e junto com essa frase quem perdeu o ar fui eu.

Dona Marta: Então meu bem, o Filipe está internado em estado gravíssimo...
Meu filho talvez não tenha muito tempo de vida mas os doutores dizem que ele pode ainda lutar sabe?

Não precisava me esforçar pra saber que ela já estava derrubando lágrimas e eu acompanhava esse temporal que se formava em nossas retinas.

Dona Marta: Meu filho sempre foi muito teimoso, quando ele colocava algo na cabeça ele ia até o fim. Ele se tornou um médico tão bom, sabe Sarah. Mas o sonho dele também está machucando ele tanto... Eu não aguento isso, meu filho não merece isso...

Alí não deu, o que eu tinha de forças desabou junto com todas lágrimas possíveis que poderiam descer do meu rosto e eu nem sabia nem mais o que dizer, só tive forças pra pedir o endereço e me despedir dela.

Tomei um banho pra tentar limpar todo aquele sentimento que estava dentro de mim e refletir sobre tudo o que tava acontecendo.

Eu não via o Felipe a tanto tempo que eu nem lembrava mais do seu rosto, e ainda assim cá estou eu totalmente acabada, sentada debaixo do chuveiro usando da sua água pra lavar as minhas lágrimas.

Bem, isso me leva ao dia de hoje...
Eu vim ao hospital que a Dona Marta me disse que ele estava internado. Copador o seu nome, um ótimo hospital de Copacabana que por sua vez também era o lugar onde ele exercia sua função.

Quando cheguei na recepção e pedi informação do quarto dele senti o pesar no rosto de todas as pessoas a volta, dava pra ver como ele era querido e sua situação trazia tristeza a todos.

Ver isso mexeu comigo e eu já estava quase chorando outra vez enquanto caminhava por entres os corredores até seu quarto.

Número 408, na área de UTI, nem preciso dizer como ler essa sigla mexe com o psicólogico da gente mas eu queria acreditar que assim como a Dona Marta tinha esperanças, eu também tinha.

Peguei o elevador até lá e cheguei no corredor que dava a seu quarto, o ar condicionado parecia que era mais frio aqui do que em todo hospital e meu coração apreensivo sentiu cada passo que dava naquele corredor interminável.

Para melhorar a situação o hospital tinha um som de relógio que clicava a cada segundo quase me deixando louca.

Os pensamentos iam e vinham depressa e uma coisa veio a mente:
Será que ele ainda se lembrava de mim?

Aquilo doeu mas foi um pouco aliviador, bem se ele não lembrasse de mim seria tudo mais fácil, quero dizer não seria tão doloroso como um reencontro 15 anos depois num leito de hospital... E o que eu diria? "Ei tudo bem? Ficou doente de saudades de mim?" Tsc... Eu não sei mas o que estou fazendo aqui...

Quando dei por mim a porta já estava à minha frente mas eu hesitava até mesmo de tocar a maçaneta... A vontade de ir embora me bombardeou, afinal eu não vim até o Brasil pra isso né, quero dizer se ele nem lembra de mim...

Respirei fundo e tomei coragem.

Eu tô aqui, eu lembro.

Toquei a maçaneta e o frio dela me causou arrepios, não sei se tava pronta mas dessa vez não tive escolha, a maçaneta virou sozinha e a porta se abriu.

A luz do quarto invadiu o corredor e uma calorosa recepção me recebeu.

Ao entrar no quarto todos estavam rindo de alguma história e ali eu lembrei o verdadeiro motivo de ter vindo parar aqui:
Aquele maldito sorriso...

Contos de um amor perdidoOnde histórias criam vida. Descubra agora