Acho que um alívio tomou conta de mim, não sei dizer mas o que aconteceu ali foi totalmente fora do esperado. Ao adentrar no quarto me vi no meio de quase a família toda dele rindo e brincando, os pais estavam quando eu entrei no quarto e não mais que alguns minutos depois tios, tias, primos, primas, parentes de todos os tipos invadiam o quarto e faziam da sua "suíte" uma kitnet.
Mesmo com o ar-condicionado do hospital aquele quarto parecia mais quente e confortável que qualquer outro lugar que já estive, não tinha uma pessoa triste naquele lugar e o motivo era só um: Ele.
Mesmo todo entubado ele não deixava ninguém olhar pra ele com uma expressão triste, ele era esse tipo de pessoa, não importava o quanto as coisas estivessem difíceis ele jamais deixaria alguém se sentir mal perto dele e não é pra menos afinal quem brincava, fazia piadas e gargalhava o tempo todo principalmente era ele, quando percebia o quarto todo estava no meio daquela festa.
1 hora se passou e ficou só eu e Dona marta no quarto, seu pai levou seus parentes até a saída do hospital e de lá ia pra casa descansar pois renderia sua esposa no turno de acompanhante no dia seguinte.
Vendo os olhares dele pra mim a senhora saiu do quarto com a desculpa que a bexiga dela estava apertada e sumiu corredor afora (mesmo tendo um banheiro no quarto). Eu olhei pra ele e os olhos dele estavam olhando diretamente para meus olhos e não teve jeito, corei e imediatamente escondi meu rosto usando meu cabelo e olhei pro chão.
- "Ei, cê não vai desperdiçar o tempo que minha mãe vai no banheiro propositalmente admirando o assoalho do hospital não né?" A voz dele me causou borboletas no estômago, mesmo estando aqui a mais de uma hora era o primeiro momento que ele falava comigo diretamente e não tinha mais ninguém em volta.
Eu me abaixei no chão e bati levemente com as costas dos meus dedos nele fazendo um som de cerâmica, me levantei e com o sorriso mais sacana possível retruquei seu comentário: - " Ah, perdão. Estava checando se eu quebraria o chão se eu derrubasse um garoto abusado nele. Felizmente parece que sim e me vejo obrigada a pensar em novas alternativas."
Ele ficou calado, sério. Nem mesmo sorria com meu comentário, parecia estar magoado ou até mesmo irritado, o desespero tomou conta de mim e quando eu já tava prestes a me desculpar e sair correndo da sala ele irrompe o silêncio com sua gargalhada.
- "Ah Sarinha, cê continua a mesma..." ele continuou a rir porém uma tosse seca interrompeu a sua gargalhada e puxando o ar ele deu sequência a sua gozação com a minha cara. "Depois de anos e ainda cai nessa? Achei que tinha aprendido alguma coisa lá fora mas tem coisas que não tem jeito mesmo né." Ele voltou a rir mas dessa vez mais devagar deixando só a tona seu sorriso de canto da boca.
- "Se eu soubesse que ia vir aqui pra você ficar me zoando tinha ficado em casa, cê continua o mesmo crianção daquele tempo atrás em. Mas peraí, como cê soube que eu tava no exterior? Eu não tive notícias da sua família enquanto estive fora, achei até que cê tinha esquecido de mim depois de tanto tempo." Eu me sentei na poltrona ao lado da sua cama e me encostei nela tendo finalmente um descanso depois de tanto tempo em pé.
- "Simples, eu perguntei." Ele respondeu com um sorriso mas pra mim foi como um tapa, desde que me mudei tive vergonha de encarar ele e mesmo assim ele ainda me procurou e perguntava de mim para meus parentes...
Sem graça não tive muita escolha a não ser mudar o assunto, era isso ou ia ficar totalmente encolhida naquela cadeira.
- "Mas vem cá, me fala. Sua mãe disse que cê virou doutor né, não lembrava de que cê almejava esse tipo de carreira, como tem sido?" Me apoiei com o cotovelo na poltrona pra conseguir um ângulo melhor do seu rosto na cama.
- "Como você não se lembra? Foi quando éramos mais novos no dia que..." A porta se abriu e uma enfermeira adentrou o quarto. "Senhor Almeida, como você está se sentindo?" Disse ela enquanto aplicava um pouco de medicação no seu soro.
- "Amanda, já conversamos sobre isso, não tem necessidade de me chamar como um paciente nós trabalhamos juntos e ei, precisava mesmo já pôr no soro. Eu já ia dormir." Ele indagou enquanto ajeitava o nebulizador que estava em seu rosto.
- "Desculpe senhor Almeida, mas regras são regras, tanto o toque de recolher como o tratamento com os pacientes. O senhor sabe bem disso." Involuntariamente o meu olhar cruzou com o dela e ela devolveu com um leve sorriso.
- "Você não me dá um sosseuuuuuuh..." um bocejo cortou sua fala explicitando que o remédio já fazia efeito. "Ai que saco, esse negócio já fez efeito. Infelizmente Sarinha, parece que acabou meu tempo. Acho que isso é um adeus. Foi bom... Aiiii." Novamente interrompido pela enfermeira mas dessa vez por um beliscão dela.
- "É assim que você trata sua acompanhante? Você não muda né. Peço desculpas por ele, esse humor sórdido dele apareceu com frequência depois que começou a trabalhar aqui." Ela se virou pra mim como se tentando se desculpar pelas atitudes dele.
- "Ah, obrigada. Ele sempre foi assim desde criança, adora mexer com as pessoas mas é só da boca pra fora. Se aplicar punições violentas ele rapidinho volta a si, né senhor Almeida?" Eu dei um leve sorriso pra enfermeira e senti uma união contra esse mala.
- "Meu deus, que perigo vocês juntas na mesma sala, só uma eu já sou considerado errado, cês duas me fazem parecer pior do que sou de verdade." Enquanto ele falava ele olhava pra nós duas e mesmo lutando contra o sono ele parecia querer ficar ao máximo acordado pra aproveitar cada momento.
- "Bom, ouviu sua amiga de infância, trate de ir dormir. Com licença senhora. Boa noite" Na mesma velocidade que entrou ela saiu, e provavelmente foi pro próximo quarto checar outro paciente.
Felipe já estava com os olhos quase cerrados de tanto sono mas ainda assim ele se esforçou pra tocar minha mão, como se cada segundo valesse ele falou:
- "Eu cumpri a nossa promessa, seu castelo tá guardado comigo." E após ele acabar de falar isso ele dormiu. A mão dele ainda segurava a minha e eu fiquei lá, parada sem entender o que era isso que ele tinha dito e o que estava acontecendo na minha vida. Novamente senti as lágrimas virem ao notar o estado dele, tubos saiam da máquina e entrava no seu abdômen, o nebulizador em seu rosto para aplicar mais remédio e sua mão fina e delicada como se um toque mais forte fosse quebrar...
Eu tive que suspirar fundo, eu não tava preparada pra isso... Não vou negar que já passei coisas tristes mas ver o amor da sua infância desse jeito quebra o coração de qualquer um. Eu limpei as lágrimas que ainda se esforçavam em descer meu rosto e coloquei sua mão de volta a cama e alisei seus cabelos negros. Ele estava muito quente como se estivesse febril, ele realmente esteve assim o tempo todo e estava agindo normal? Ele é muito irresponsável mas não me surpreendo, ele sempre foi assim desde novo.
Eu me levantei e fiquei admirando ele, imaginava como teria sido se tivesse continuado vivendo aqui e como poderia estar nossas vidas juntos, por um momento senti como se a culpa dele estar assim fosse minha mas nem tive tempo de pensar nisso direito pois ouvi o som de passos vindo do corredor então não tive outra ação a não ser fingir que estava tudo bem.
E assim a mãe dele entrou no quarto com umas batatinhas que ela provavelmente comprou na cantina do hospital.
"Ah, ele já dormiu né. Que pena, ele adora essas batatinhas. Ei meu bem, cê quer uma?" Ela me apontou o saco de batatas e eu educadamente recusei a oferta. Eu olhei o relógio e já eram 20:50 e eu precisava sair dali logo pois o hospital iria desligar as luzes e . Me despedi apressadamente de todos e fui em direção ao estacionamento pegar meu carro e ir de volta a minha casa.
Ainda sentia a mão dele na minha como se ainda estivéssemos nos tocando e por um momento senti meu peito apertar, não era desse jeito que imaginava que nos veríamos novamente mas pelo menos ele está bem. A única coisa que agora eu precisava pensar era nessa promessa, eu não lembrava disso, o que ele queria dizer com isso?
Bem... Amanhã pergunto a ele.
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Contos de um amor perdido
RomanceOi, esse livro será uma coletânea de contos que farei sem pretensão de extender, (ou não sei, quem sabe) divirtam-se e chorem bastante. A maioria vai ser romance mas talvez um ou outro eu mude a temática.