– O mar tá me chamando.
Maldita praia vazia, que insistia em deixá-los em contraste com toda aquela pureza ao redor. Certos olhos brilhantes encaravam o horizonte sem fim, resplandecendo seu verde entristecido.
– Chamando? Não entendi.
Quanto aos olhos deste outro, um nítido homem apaixonado, observava o alvo de seus sentimentos. Aslan nem percebia, mas Eiji o encarava profundamente, como se estivesse dissecando minuciosamente sua alma. Contudo, ele não se importava, Eiji poderia sufocá-lo com suas mãos suaves e imaculadas se assim desejasse, Aslan não se importaria de morrer se fosse pelas mãos de um anjo.
– Me chamando para... Para ir junto. Seguir algum infinito, onde eu possa me perder, onde... mais nada de perverso pudesse me atingir.
A calma naquele lugar era assustadora, a brisa, violenta.
– Mas, e eu?
Aslan finalmente desviou sua atenção do mar, encontrando com o rosto iluminado de Eiji, que o olhava com certa paciência intimidadora.
– Você? Você... poderia voltar, não é? Para o Japão, voltar para sua vida normal de antes.
O vento ficou mais forte, as ondas, mais intensas, e a verdade... A verdade se acovardou.
– Eu não tenho mais vida normal, Ash. Nem a quero ter de volta se for sem você.
– O que quer dizer?
– Quero dizer que se você ousar fugir para o infinito, eu vou atrás. Vou atrás te buscar.
– E como pensa que me acharia?
O nítido sorriso zombeteiro que se abria no rosto de Aslan já deixava claro, para Eiji, o que ele realmente quis dizer.
"Por favor, venha me buscar se for preciso"
– Sei lá, mas eu sei que acharia.
– Eiji...
A areia engolia aos pouquinhos os pés de cada um, mas era uma sensação agradável, a qual fez Aslan chegar um tanto mais perto do outro.
– Sim?
E a verdade ia se escondendo mais e mais no fundo da garganta.
– O que você sente por mim?
Tudo ficou em silêncio. Somente a batida frenética de seus corações podia ser ouvida, quase inaudível. O oceano se aquietou, como se também estivesse curioso e interessado na demorada resposta.
Ambos ficaram apenas se encarando.
– Eu...
Maldita verdade, dói para sair mais do que uma bala dói para entrar. Eiji não sabia como dizer, quando conheceu Aslan, jamais poderia imaginar que nasceriam sentimentos tão profundos dentro de si por ele. Foi repentino, uma experiência diferente a princípio, a qual se tornou frustrante e desesperadora quando foi levado como refém naquele dia. Mas, apesar de tudo, Aslan o salvou e o manteve por perto mesmo sendo um estorvo. Por que ele continua me salvando? Me protegendo? Por que ele ainda me permite ficar ao seu lado?
Até que de repente Eiji sentiu dentro de si toda a imensidão daquela praia, do oceano, a imensidão do mundo. Ele se viu insignificante como os grãos da areia que pisava, se viu suave como o céu e o frescor do vento, ao mesmo tempo que brutal e imprevisível como o gigantesco véu azulado que dançava em sua frente.
Ele se sentiu um só com tudo, solitário, sem entender o porquê de tudo ser como era. Finalmente entendendo que, se os papéis estivessem invertidos, ele faria o mesmo por Aslan.
E o mar pareceu se aquietar dentro dele também. A dor desapareceu, a verdade saiu e tudo o que sobrou foi
– Amor...
Aslan o encarou incrédulo.
– O que eu sinto por você é... É amor, Ash.
Nada poderia superar o sorriso e a pureza de Eiji ao dizer aquilo.
O mar gritou, e Eiji, aparentemente envergonhado com a revelação que fizera, correu na direção da água.
O coração palpitante roubava as palavras da boca trêmula de Aslan, fazendo-o ficar ali, imóvel como uma estátua, enquanto olhava a criatura angelical que fugia de sua visão.
Diferentemente de Eiji, naquele momento Aslan se sentiu à parte de tudo. Isolado do mundo, isolado de si mesmo. Não sabia o que dizer, o que pensar, o que sentir, tudo fazia sentido ao mesmo tempo que não. Ele se viu distante de tudo.
De todas as emoções e sentimentos - como raiva, medo, ódio, adoração, obsessão, paixão, desejo, amizade, admiração – o amor parecia transcender tudo isso. Era como se o amor não fosse um sentimento em si, mas uma necessidade da alma. Como se fosse algo eterno, existindo dentro de nós desde sempre, precisando apenas ser evocado.
E em uma vida de contínua dor, violência e cólera, o amor só vai se escondendo e sendo esquecido cada vez mais.
Maldito anjo que o resgatou. Pobre Eiji, que estendeu sua mão para salvar o amor de alguém que nem mais acreditava na própria salvação. Por que ele ainda continua aqui, nesse inferno? Por que ele não volta para a casa? Por que insiste em ficar do meu lado? Por que ele me ama?
O mar gritou novamente, e dessa vez Aslan pôde ouvi-lo. Ele enfim se desprendeu da surpresa e correu até Eiji, determinado em sentir aquela água por seu corpo e ter a certeza de que ainda vivia.
Eiji, um dia o infinito irá me punir. Irá me punir por eu ter permitido que o amor entrasse na minha vida, a qual foi moldada para a desesperança.
Mas eu não me importo.
Não me importo.
Se eu tiver mais um mês para passar ao seu lado, ou uma semana, um dia ou até mesmo só mais um segundo,
eu já serei eternamente grato.
Mas, se algum dia o infinito me trair, Eiji, e vier buscar você ao invés de mim, também prometo que vou até você.
Não sei como vou te encontrar, mas vou.