Já no meio da aula, câmera ligada, exercícios complicados e alunos sonolentos, começo timidamente a pigarrear.
O aluno engraçado usa o chat.; E aí Professor tem se cuidado esses dias?
Subitamente olho para a reportagem aberta no canto do monitor e meu peito responde com um duro golpe. Mais um recorde de mortes. Maldito vírus.
Ignoro aquela pergunta e tento inutilmente continuar a explicação. O ar me falta de uma maneira tão violenta que abro completamente a janela, ignorando toda a algazarra de meus vizinhos barulhentos.
Puxo o ar com força e só vem a tosse reumática do fundo de meus pulmões.
Agora é a aluna aplicada que pergunta; está tudo bem Professor?Dou uma desculpa atrapalhada e finalizo a aula para a alegria geral da nação de estudantes.
Com a palma da mão tenho a impressão que minha testa está queimando. O ar não vem de jeito nenhum, cambaleando chego até a garagem.
Passando em frente ao hospital, aumenta minha agonia, resolvo acelerar nem olhar para trás.
Dirijo até o parque mas este horário todos querem se exercitar e o que menos preciso agora é ver aquele amontoado de gente.
Abro todos os vidros e continuo com minha aflição. Paro a duas quadras da reserva ambiental.
A placa grande com letras garrafais;
“ Proibido a entrada. Sujeito a detenção”.
Não me intimida.
Pode ser ilegal, mas na minha cabeça não é nada imoral. Ok, me julguem.
Atravesso com facilidade a cerca com alguns poucos arranhões. Início uma caminhada entre árvores e sons de pássaros que não consigo identificar. Mesmo assim o canto é libertador.
Puxo o ar, agora ele vem com força, invade minhas narinas percorre minhas veias e inunda meu pulmão.
Com uma corrida de cinco quilômetros em trinta minutos curo mais um ataque de pânico.
Até a eventual “detenção” começa a me preocupar, então saio rapidamente pelo mesmo buraco na cerca.
Acelero com gosto, não quero perder a próxima aula.
A lata de cerveja no fundo da geladeira é convidativa.Seguro com as duas mãos e uma sede enlouquecida.
Mesmo fechada o aroma do lúpulo invade toda a casa.
Duvida? Azar o seu.
Ela fica para mais tarde. A garrafa de água sacia toda minha sede por enquanto.
Respiro fundo e volto feliz para mais uma aula.
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Historia CortaUm vírus mortal afronta o mundo todo. Para nós resta o medo e toda morte dos nossos pensamentos