7 on a neck

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Acho que não foi uma boa ideia fugir para São Francisco no verão. Vim sem avisar a ninguém e agora estou nos subúrbios, tentando carregar minhas malas cheias de videogames e desejando morrer pra não ter que aguentar mais um segundo desse calor do caralho.
Atravesso a faixa de pedestres com dificuldade enquanto arrasto duas malas de rodinha e carrego três mochilas nas minhas costas. O carro da ponta é um Jipe prata chique e cheio de Gays, daquelas musculosas bem padrão. Todas de shortinho e exibindo o tanquinho pra combinar com a cara plastificada. Provavelmente estão indo pra praia pra se exibirem e chuparem umas às outras no banheiro público.
O sinal abre e elas estão impacientes demais para chegar na praia e cultivar o resultado das muitas horas que gastaram na academia: - Sai da frente Obesa - uma delas grita, e isso me faz andar ainda mais devagar. Seu rosto é quase inexpressivo por causa do botox, mas ainda assim dá pra notar que está irritada, e logo minha teoria é comprovada quando sinto ela acelerar com o carro e passar centímetros ao meu lado, numa tentativa frustrante de me assustar enquanto suas parceiras me chamam de baleia e outros típicos apelidos que usam em gente gorda.
"Que belo começo pro primeiro dia da minha nova vida."
Paro um pouco pra descansar e beber um gole de água da garrafinha que vim bebericando desde que desci do Uber, que a quinze minutos atrás estava gelada e deliciosa e agora parecia uma sopa com gosto de nada. Puxo uma das mochilas de lado pra catar o celular e olhar o Maps, já estou bem perto, só mais uns 100 metros...
Sinto vários olhares quando entro na alameda, as pessoas da vizinhança devem ter uma vida muito chata pra virem observar uma bicha grande, gorda e desengonçada carregar malas no sol escaldante, talvez não tenham Netflix em casa.
Finalmente chego no meu destino, uma construção antiga, toda de madeira, conhecida como Rainbow House. Dou uma olhada na foto da casa que tenho no celular só pra confirmar, é bem maior ao vivo, acho que deve ter uns três andares. Abro a cerca na entrada e atravesso o jardim grande e bem cuidado que fica na frente. É tudo tão bonitinho, rosas, cactos... Espero que não contem comigo para ajudar a manter porque se depender das minhas mãos amaldiçoadas essas plantas morrem em dois dias.
Arrasto minhas coisas até a entrada da casa sem acreditar que finalmente encontrei sombra, meu olhar voa até a campainha, mas não chego a tocá-la, porque a porta se abre bem na minha cara, me derrubando pra trás e espalhando toda minha tralha. Minha vida inteira passa por meus olhos quando vejo a mala com meus videogames e as outras coisas frágeis serem derrubados por meu corpo em queda.
-Porra que susto - Reclamo tirando a minha bunda do chão e dando umas tapinhas nos meus shorts pra tirar a terra.
-Mil desculpas, eu vi você chegando da janela do meu quarto e resolvi descer logo - Uma voz grave, tranquila e um pouco familiar fala antes que eu possa abrir a boca pra xingar: É o dono da casa e se chama Joey, pelo menos foi o nome que ele me passou quando a gente conversou um dia antes. Não imaginava que ele fosse tão grande, mais alto que eu até - pra sua informação tenho 1,86 - e ainda por cima está usando apenas a porra de um roupão rosa com estampas de pôneis fofinhos. Seu rosto é calmo e tem um sorriso assustador na boca, daqueles de psicopata assassino de estilistas.
-Cuidado! Tá pesado pra caralho e os meus bebês que estão dentro são frágeis - Grito enquanto ele pega a mala pesada que sofri pra arrastar e levanta como se fosse leve como um pacote de batatinhas.
-Você sabia que ela tem rodinhas? - Eu ironizo enquanto sigo ele pra dentro de casa.
-Assim é mais prático, e não quero arranhar o porcelanato. - Ele responde, sinto leves vibes de T.O.C.
A sala parece bastante aconchegante, tem sofás e poltronas o suficiente pra várias pessoas sentarem, uma lareira bem moderna, e uma decoração bem dona de casa classe média que mora nos subúrbios e não faz nada da vida, o que na minha opinião é de péssimo gosto.
-Temos algumas regras na casa - ele fala enquanto caminhamos até as escadas: -As pessoas que moram aqui são bem noturnas então evite fazer barulho durante o dia. Medimos a energia de cada quarto separadamente desde o incidente da garota que mantinha um servidor, e se quiser fazer uma festa ou coisa do tipo precisa da permissão de pelo menos três dos moradores da casa... ah, temos duas geladeiras, você vai dividir uma com Naty e Josh. Não se preocupe eles nunca estão em casa, o máximo que você vai encontrar lá é um pedaço de queijo velho e... esse é o quarto azul.
Joey coloca minha mala do lado da cama e fica me encarando com aquele sorriso de psicopata como se estivesse esperando que eu falasse algo.
"Detesto azul"
O quarto não é lá tão ruim, fica no segundo andar, é bem iluminado por duas janelas, e já tem uma cama de casal e um pequeno armário. Não é muito espaçoso, mas eu não tenho muita coisa, na verdade tudo o que eu tenho estão nessas malas e mochilas, tô meio que começando a vida do zero, sabe? Então vendi quase tudo (menos as roupas e os videogames) e resolvi me mudar, claro eu poderia morar sozinho, mas eu cansei da vida de antissocial.
-Vem, vou te apresentar o resto do pessoal, você tá com sorte parece que tá todo mundo em casa.
Joey me pede pra descer até a sala enquanto bate com força na porta do quarto ao lado do meu. Minutos depois estou afundando numa poltrona enquanto quatro rostos estranhos me observam em silêncio. Geralmente, as gays são mais animadas e corajosas, mas infelizmente eu sou uma bicha muito tímida.
-E aí o que acharam? - Pergunta Joey enquanto aponta pra mim como se eu fosse um móvel novo da casa.
-Olá, meu nome é Josh - um cara magro, de cabelo verde logo se apresenta enquanto esboça um sorriso tímido, tem um piercing no lábio e um no nariz e seu corpo parece ser coberto por tatuagens. Os outros dois continuam em silêncio. Um deles é uma mulher com um cabelo alto que cobre uma parte de sua cara, que parece estar a ponto de desmaiar por exaustão e não para de murmurar palavras inaudíveis, a outra é... Difícil de descrever...
-Tu tinhas que me arrastar pra cá? no meio do meu momento especial de beleza, só pra olhar pra cara dessa gay? - Reclama abusada. Então a coisa verde na cara dela são produtos pra pele?
-Max, é importante dar boas-vindas, ele vai fazer parte de nossas rotinas agora, e pare de falar essas coisas, você nem sabe se ele é gay - Joey discursa bem tranquilo.
-Por favor - eu respondo de um jeito bem afeminado enquanto cruzo minhas pernas, não precisa me olhar por mais que dez segundos pra saber que sou bicha, até a quilômetros de distância dá para notar.
-Nos três anos que moro aqui os únicos boys héteros que pisaram nessa casa foram os coitados dos ex namorados da Kim. Tanto viado e sapatão já passou por aqui que o povo batizou a casa de Rainbow House... olha pra mim: - ela gesticula ao redor da cara quase se arranhando com as pontas finas de suas unhas postiças enormes - Eu sei identificar outra bicha quando vejo. Diz minha filha, qual seu nome?
-Sam, prazer. - Respondo levantando a mão, ainda meio sem jeito com aquela situação.
-Ótimo, bem-vindo a nossa casa querida, pronto, satisfeito Joey? beijinhos tô apressada.
-Aquela é a Max - Josh informa enquanto ouvimos os passos pesados dela subir as escadas de madeira às pressas - ela é meio doida e tem muita energia, mas é gente boa e uma das pessoas mais engraçadas que conheço. Você precisa ir no show de drag dela, é um dos melhores da região. - Trocamos um breve sorriso por uns segundos, e então ele continua a explicação: - A bela adormecida aqui do lado é a Kim, ela está sempre exausta por causa da faculdade e do trabalho, é uma pessoa incrível, todo mundo gosta dela mesmo sendo a pessoa mais difícil do mundo de se encontrar - ele aponta para a mulher zumbi que agora dorme espalhada pelo sofá.
-Ela parece destruída mesmo... Todos vocês são ocupados assim?
-Todos menos o Joey. - Ele fala enquanto observamos Joey com o rosto colado na tela do celular, ignorando nossa existência - O cara passa o dia quase todo assim, ele pelo menos te apresentou a casa?
-Não, só o meu quarto - Estranho, Joey parecia uma pessoa totalmente diferente minutos atrás.
-Posso te apresentar agora, beleza? - Ele fala enquanto olha pra mim com um sorriso estranho, do tipo que não recebia a anos.
-Beleza, porque não?
Josh é bem mais baixo que eu. Ele tem uma aparência de bad boy, cabelo verde, piercings cobrindo seu rosto delicado e sério, algumas tatuagens saindo do pescoço, percorrendo o ombro e cobrindo o braço direito inteiro. Primeiro ele me arrasta até o quintal e acabamos caminhando ao redor da piscina enquanto conversamos sobre nossas tatuagens.
-Eu sempre me considerei viciado - tenho desenhos por toda a perna direita e mais algumas espalhadas pelo corpo - Mas você me supera com facilidade - Digo enquanto fico me perguntando se ele também tem tatuagens nas partes que a roupa esconde...
-Você tem umas bem legais, qual a história do sete no seu pescoço? - Ele pergunta.
-Besteira, na época que fiz achava que era meu número da sorte.
-Se você chegou a fazer uma tatuagem é porque não acha besteira, não? - Ele questiona, com toda razão.
-Mas e aí, me fala mais do pessoal, será se vou conseguir me enturmar? - Tento mudar de assunto, não tô afim de explicar a tatuagem.
-Todos eles são gente boa, mas Kim é muito mais fácil de conviver que os outros. Max é narcisista e barulhento, enquanto Joey tem umas mudanças de comportamento às vezes...Mas mudando de assunto, o que te fez querer vir morar aqui? - ele pergunta de forma descontraída sem fazer ideia de quanto eu não quero falar sobre aquilo.
-Ah, sei lá...a localização é boa, não vou gastar muito e o ambiente é agradável, é perfeito pra quem trabalha quase sempre em casa.
-Legal, o que você faz? Espera, deixa eu adivinhar... você tem cara de quem é Youtuber.
Não consigo segurar o riso, de onde será que ele tirou essa conclusão?
-Não, seu lindo, eu escrevo roteiros e outras coisas, geralmente pra jogos.
-Então você gosta de videogames e essas coisas?
-Sim- Se ele soubesse que tenho 17 consoles na minha mala lá em cima...
Então continuamos e na próxima parada Josh me apresenta seu quarto, é o único fora da casa e o maior de todos, de cara a primeira coisa a notar é uma bateria no centro cercada por vários outros instrumentos musicais: algumas guitarras, um violino e um teclado. A cama dele fica no final toda espremida. As paredes são repletas de pôsteres de bandas como o The 7 Luckyes e prateleiras de discos, e de onde vejo todas parecem ter isolamento acústico.
-Não preciso perguntar se você é músico né? - Falo quase no automático.
Ele ri.
Numa das pontas, tem uma pequena escrivaninha com um notebook em cima, Josh deve compor e editar as músicas ali.
-Eu tenho uma banda a um bom tempo - Ele solta um sorriso orgulhoso quando me passa essa informação.
-Você é tão diferente do resto do pessoal que mora aqui. - Analisando o pouco que vi até agora.
-Nem tanto, também sou gay - ele comenta com um sorrisinho de safado. Sinto minha cara ficar um pouco quente após receber essa informação e tento com todas as forças disfarçar. - Na verdade Joey só aceita pessoas LGBTQI+ na casa, então todo mundo já imaginava que você fosse do meio. - Continua.
-Ele não bate muito bem da cabeça né? Eu tinha dito a ele que era Gay na extensa entrevista que fizemos por bate-papo de vídeo...- Continuamos falando sobre o Joey enquanto Josh me leva ao Jardim.
-Ele passa uma boa parte do dia aqui, ninguém pode encostar nas plantas ou ele enlouquece, uma vez a Max chegou bêbada da boate e dormiu mesmo ali naquelas violetas, foi quase a terceira guerra mundial, passaram mais de um mês sem se falar.
Atravessamos o mar de rosas e margaridas bem cuidadas até chegarmos numa porta do lado direito da casa, onde fica a cozinha. Ele me mostra geladeira que vamos dividir, os armários e utensílios. Cada um é responsável por limpar o que suja, então acho que vai ser uma boa começar uma dieta, afinal, detesto lavar louça.
Eu fiz dieta a minha vida quase toda, infelizmente fui amaldiçoado com o metabolismo lento da família do meu pai, então eu sempre tô gordo, depois magro, depois gordo, depois magro, e assim continua o ciclo.... Basta olhar minhas fotos no Instagram para notar.
As pessoas falam que é questão de aceitação, mas ninguém nunca me quis quando eu estava na fase gordo diferente do que acontece com outras pessoas, sem contar a tristeza que sinto ao me ver no espelho.
Talvez Josh fosse diferente...na verdade duvido que seja... e de qualquer forma, eu não tô afim de ficar com ninguém, não depois dos últimos acontecimentos que se passaram nessa paródia cômica que chamo de "minha vida".
Depois da cozinha finalizamos a tour no meu quarto.
-Bom, é isso então, acho que vou por minhas porcarias no lugar...- me dá uma preguiça só de imaginar.
-Eu posso te ajudar, não tô fazendo nada - Josh se oferece, e seria ótimo, mas talvez ele esteja fazendo tudo isso porque está afim de mim, o que não é bom.
-Não, seria abuso demais. - Sem contar que não seria nada sexy se ele achasse minha coleção de jockstraps.
-Então, que tal mais tarde irmos pra um bar de rock bem legal que tem aqui perto? - Tentador, porém...
-Sim, seria uma boa, mas eu não bebo, você se importa se eu só acompanhar?
-Tipo, você não bebe nada mesmo? - Porque será que todo mundo me pergunta isso quando falo que não bebo?
-Não, o máximo que curto é fumar unzinho quando rola - jogo a verde, talvez ele fume maconha também.
-É seu dia de sorte então- Ele tira uma carteira de cigarro do bolso e puxa um beck - vamos fumar esse?
Óbvio que eu não ia negar. Sentamos no chão do quarto, encostados na parede e começamos a fumar. O negócio é tão forte que na primeira puxada eu já me sinto tranquilo.
-Parece até que você leu minha mente sabia? - Falo enquanto passo o beck pra ele. O escuto tossir por uns segundos, e então ele me responde.
- Sabe, eu gostei da sua energia, assim que bati os olhos em você eu já tive certeza que a gente ia se dar bem.- Queria poder dizer o mesmo sobre ele, pois pensei que ele fosse um desses héteros roqueiros escrotos.- Mas Sam, você não me contou o real motivo de ter vindo morar na Rainbow House, desculpa, mas não deu pra acreditar naquela história de "localização". Tá precisando de ajuda? tá fugindo de alguém? brigou com o namorado? É que você não tem cara de quem mora aqui porque precisa.
-É Tipo isso.
Desconforto nível mil, esse era o último assunto que eu queria falar na vida e, de repente, todo o papo de energia e conexão foi por água abaixo, não que eu esteja escondendo algo, eu só não tô afim de falar sobre aquilo porque ainda me machuca, então resolvo resumir o máximo que posso só para mudarmos de assunto:
-Eu terminei um longo e sofrido relacionamento há algumas semanas.
-Desculpa, eu não sabia...- sua cara é de arrependimento, ele devia imaginar que o assunto seria desconfortável já que sabia que eu estava evitando.
-Relaxa, só não tô afim de falar sobre isso ainda, tudo bem?
-Tudo bem - ele consente, depois se toca que o beck apagou e reacende.
-Tá, agora me conta como é esse bar e que tipo de rock toca lá...

Rainbow House (Romance e Drama LGBTQ)Onde histórias criam vida. Descubra agora