A noite de sábado começa agitada na Rainbow House, música pop explode do quarto da Max num volume ensurdecedor, invadindo todos os cômodos, inclusive o meu. Ela já começou a se ajeitar a mais de uma hora, desde então estou no quarto de Josh tentando fugir do barulho, que graças a Deus tem isolamento acústico.
-Ele é assim mesmo - Josh me fala quando conto sobre o ocorrido da corrida -Joey tem várias transtornos e não nos diz quais são, mas ele aparentemente toma medicamentos e se trata, alguns dias ele é gente boa, que é o que eu gosto de chamar de Anti-Joey, mas na maioria das vezes ele é só ele: maluco por limpeza, obcecado por várias coisas, inconstante.... talvez a melhor palavra pra explicar Joey seja essa: Inconstante.
Faço uma cara pra ele de " porque você não me disse?", e acho que ele se toca:
-Desculpa, eu devia ter te avisado.
-Como vocês fazem pra conviver com ele?
-O Joey é bem na dele, só fala o essencial ou no máximo briga com a Max, então é de boa. O Anti-Joey é mais complicado, ele é muito bonzinho, boa companhia, preocupado com nosso bem-estar, e se a gente interage muito com ele, o Joey fica com raiva quando volta ao normal e nos trata pior ainda, então a gente o ignora. Todos nós daqui da casa passamos por várias situações como a sua até descobrir que tínhamos que ignorar o Anti-Joey pra manter o equilíbrio. - Sinto uma dor na garganta enquanto tento engolir o seco, o arrependimento batendo por ter pensado tantas coisas ruins sobre ele, e acima de tudo, sinto pena.
-Parece tão triste e solitário... Mas, e se o Anti-Joey for o Joey? E vice-versa?
-Ja tivemos essa teoria, na época a gente decidiu ir atrás de alguém que o conhecesse desde criança pra descobrir, e foi difícil pra caralho. Os pais deles já morreram, ele não tem irmãos, os pais eram filhos únicos, e os avôs também morreram...
-Não é à toa que ele é assim, coitado, perdeu todo mundo.
-Então descobrimos uma pessoa, uma senhora que foi babá dele, nós a encontramos e a descrição que ela passou bate mais com o Joey do que com o Anti, ele não tinha mania de limpeza nem nada, mas ela fala que ele era antissocial, e impulsivo, entre outras coisas, parece que ele era muito na dele e ficava com raiva fácil.
-Não sei se esse papo de babá me convenceu. E como foi que vocês descobriram isso?
-Detetive particular, não olha pra mim, foi ideia da Kim, ela que pagou - Que coisa triste, o Anti-Joey me pareceu tão legal, e não sei se concordo com esse método de ignorá-lo.
-Eu sei o que você está pensando, você tá com pena do Joey e não quer ignorá-lo né? vá por mim, você vai se arrepender, muita gente já saiu da casa por causa disso.
-Caralho - não quero ir embora, principalmente agora que tô começando a me acostumar.
-Relaxa, só faça como a gente - talvez seja simples pra ele porque está sempre fora e só bate com o Joey umas duas vezes por semana.
-É diferente Josh, eu tô sempre em casa, lembra?
-Olha, não esquenta com isso, já decidiu o que vai usar no show da Max? Não vá me dizer que você não vai? -Na verdade eu ainda não sei se quero ir ou não, então acho melhor não dar nenhuma resposta e faço apenas uma careta sem expressão.
-Não faz essa cara Sam, pelo menos uma vez esquece essa insegurança, sai dessa casa, vai se divertir, você não precisa beber nem ficar com ninguém, só vai curtir com seus amigos e dançar.
-Tem razão, adoro dançar, não que eu saiba... - sou extremamente desengonçado e a labirintite não ajuda.
-Deixa de ser inseguro, vá se aprontar, daqui a um tempo ela acaba a maquiagem e a gente sai, vou aproveitar e me ajeitar também.
Josh me expulsa do quarto e tranca a porta, ele tem razão, não vou perder nada se der uma olhada.
Tomo o banho ouvindo música pra me preparar como fazia nos velhos tempos, escolho uma roupa gay básica: minha camisa azul com estampa de arco-íris, shorts e suspensórios laranjas e botas rosas de cano baixo, quero sair pra dar muita pinta.
Me observo no espelho pra ver como ficou tudo no final, mas só o que consigo ver é como minha cara tá grande e caída, como minha barriga parece a da Beyoncé quando estava grávida de gêmeos, como minha barba tá num formato estranho e meu cabelo tá comprido demais. A única coisa que não me incomoda são meus olhos. Cara, eu amo os meus olhos, é a parte favorita do meu corpo, então decido focar neles.
Volto pro meu labirinto colorido da minha mente mais uma vez, só que agora dobro no caminho da autoestima. Quando foi que eu parei de me cuidar? como foi que eu deixei isso acontecer comigo? Talvez a minha imagem atual seja um reflexo de como eu tratei mal das outras áreas da minha vida.
Mas não dá pra se amargurar pra sempre, acredite, eu já tentei, realmente não dá.
Tranco todos esses pensamentos negativos numa caixinha rosa imaginária daquelas de guardar maquiagem bem fofinha e frufru dentro da minha mente, hoje, nem que seja só por hoje, eles vão ficar aí.
Saio do quarto todo belo - Cof Cof! - e perfumado e vou em busca de olhar a montação da Max, mas quando abro a porta, me deparo com uma visão dos céus: Uma mulher negra, muito alta, corpo perfeito de cantora pop, um cabelão altíssimo, usando um vestido dourado com uma fenda que vai até quase a cintura. Minha mente virou ao avesso, quem era aquela divindade?
-Oi. - Falo mesmerizado.
-Olá, você é o novo morador? Doutora Kimberly, Prazer. - Ela fala com graça e estende a mão pra mim, não a reconheci de cara, até porque no dia em que me mudei, ela estava completamente diferente.
-Uau, prazer. - Seguro a mão dela e sinto um aperto tão firme que chega a doer um pouco - Eu ouvi falar de você, você é exatamente igual ao que os outras falaram, você é incrível -Sem querer já começo puxando o saco.
ela murmura séria - Como se chama?
-Sam - respondo.
-Hum...VAMOS LOGO MAX! - ela faz uma cara enjoada pra mim depois que grita.
-Calma, tava calçando o salto- Max berra enquanto nos acompanha.
-Nós vamos no meu carro e você vai de moto com o Josh - Ela fala bem abusada enquanto a gente caminha até o lado de fora.
-Tudo bem- Não me espanta que o Josh tinha uma moto, o que me espanta é o carro esporte de luxo da Kim, Joey tinha falado que ela era médica, mas não sabia que era tão rica.
- Eu te levaria, mas só tem dois lugares - Ela fala seca, e sem ao menos esperar que eu responda algo, ela baixa a porta do carro e vai embora.
-Devia ter te falado - Josh fala dois minutos depois enquanto tira a capa da moto na garagem.
-Cuidado por favor, eu peso muito- Puta que pariu, se Josh soubesse que morro de medo de andar de moto, tô começando a achar que devia ficar em casa.
-É questão de equilíbrio, relaxa, você não vai cair, é só apertar minha cintura.
-Mesmo assim, vá devagar, a última vez que andei de moto quebrei minha perna - graças ao filho da puta do meu primeiro ex.
Nem preciso dizer que foi uma péssima ideia né? São Francisco é cheia de ladeiras, e eu tinha medo de me apoiar demais no Josh e derrubar nós dois, todas as vezes que eu sentia que ele estava rápido eu gritava. Só quando estamos chegando ao destino é que começo a me costumar, e no fim das contas a gente demora uma eternidade.
-Cara, você tá pálido, calma. - Ele fala me abanando enquanto tiro o capacete, consigo sentir o suor frio escorrer por minhas costas.
-Eu pensei que fosse morrer... - falo baixinho enquanto agradeço por estar de pé e parado sobre o chão, só então olho ao redor e paro pra analisar o lugar: A entrada da Boate não parece ser nada demais, apenas uma porta vermelha com dois seguranças e uma fila enorme de pessoas.
Quando pensei na chatice que seria pegar fila, Josh me puxa e mostra os ingressos ao cara da porta, ele nos deixa entrar na hora e ainda por cima dá duas doses de vodca por conta da casa pra cada um, dou as minhas pra Josh e fico um pouquinho revoltado pensando: "Caralho, Porquê essas coisas não aconteciam comigo na época que eu bebia?"
A boate é gigantesca, circular com um palco no centro, várias colunas quase sem fim adornam as beiras, onde ficam os bares e lugares pra sentar. Me pergunto se acima tem algum tipo de camarote porque o teto é muito alto. A decoração é toda feita de luzes e projetores que saem de todos os cantos, transformando o ambiente em todo tipo de lugar, desde um infinito campo de flores vermelhas até um tipo de labirinto futurístico cheio de formas geométricas contornadas por um azul neon, após passar minutos maravilhado com toda aquela ambientação, noto que está meio lotada para o horário.
Não consigo evitar de me sentir estranho, não dá pra enxergar quase nada além das luzes, e a música tá tão alta que incomoda. Josh me chama pra sentar no bar e minutos depois estamos morgados, encostados na bancada e olhando pro nada. No fundo já imaginava que fosse ficar assim, mas fico surpreso em ver que Josh se sentindo do mesmo jeito.
-Você tá bem? parece incomodado -Ele questiona enquanto bebe a vodca que ganhamos.
-Sei lá, me sinto como se não pertencesse a esse lugar, não sei se é porque tô velho, ou se é porque não tô bebendo... - é a primeira vez que entro numa boate desde que me aceitei como alcóolatra.
-Não dá pra negar, a bebida deixa essa experiência menos desagradável - Dava pra ver que ele pensava assim, tava descendo os copos goela abaixo como se fosse suco de abacaxi. Ele deve gostar muito da Max se acha isso tudo tão insuportável assim.
-Tá, já chega de sentir pena de nós mesmos, vem, vamos dançar -Puxo Josh e vamos até a pista. A música tá boa e eu até que me solto mais um pouco, mas Josh é duríssimo, acho que o negócio dele é rock mesmo, inclusive:
-Quando vai ter show da banda? quero muito ver.
-Daqui a uma semana, mas você pode ir ver um ensaio antes se quiser.
Me calo pra me concentrar e não acabar caindo e derrubando as sete pessoas que dançam como se não houvesse amanhã ao meu redor. Nos mexemos de forma estranha por uns 15 minutos, até que Josh decide pegar mais bebida e some. Como já estava ali, continuei me remexendo entre a multidão. É fácil fingir que está sozinho quando não se pode ouvir outra coisa a não ser a música alta, e sei que se prestar atenção nos meus arredores vou acabar com pensamentos de insegurança, então fecho os olhos e foco em me movimentar e seguir o ritmo, me incentivando com coisas positivas como o fato de estar queimando calorias.
O volume da música começa a baixar aos poucos e Max, ou melhor, Little Precious, entra animada no palco pra apresentar o show, ela já começa com um número de lipsync, do nada seis caras com ternos chiques aparecem entre a fumaça e dançam em sincronia com ela enquanto vão despindo seus blazers e mostrando os músculos avantajados, fazendo as gays do local gritarem. É difícil pra uma pessoa sedentária como eu descrever como ela dança bem. Não parece que aquele corpo pequeno aguenta fazer os passos que ela dá no palco, é quase como se eu tivesse no show Britney antiga, ou da Beyonce atual, só que muito melhor.
A plateia enlouquece, jogando dinheiro e espalhando as notas por todo o palco enquanto uma drag baixinha recolhe tudo de forma discreta com a ajuda de um rodo. Josh não mentiu quando disse que ela era famosa. Se eu tivesse metade da confiança que ela tem, as coisas seriam diferentes na minha vida.
O show acaba e o pessoal volta a dançar enquanto anunciam outra drag, avisto Kim sentada no bar e decido conversar com ela, além do mais, preciso de água.
-Oi, e aí, gostou do show? - pergunto pra ela animado enquanto peço uma água para o bartender gostoso e peludo sem camisa, quase me fazendo esquecer da existência dela por um momento.
-Sim, Max sempre é incrível - ela responde seca.
-Você sempre vem no show dela? - Pergunto, dessa vez tentando dar minha atenção toda a ela após notar que Kim não parece estar indo com a minha cara. Será se eu deveria insistir e provar que sou uma pessoa maravilhosa?
-Sim - ela responde mais seca ainda, acho que meu plano não vai funcionar.
Não parece mais apenas uma sensação, está na cara que Kim não está nem um pouco interessada em falar comigo. Passo uns minutos esperando-a olhar pra mim e continuar a conversa, mas após um momento que pareceu durar uma eternidade, eu desisto. Ficamos uns minutos em silêncio, até que eu sinto alguém cutucar meu ombro.
-Você é bonito, tá com alguém? - Não consigo enxergar direito provavelmente porque as luzes móveis começam a balançar na minha cara, mas sinto um bafo forte de álcool de longe.
-Não, só com uns amigos que estão por aí - Falo olhando ao meu redor, procurando algum deles que possa me tirar dessa enrascada.
-Posso te pagar uma bebida? - Sua voz é grave, e logo as luzes apontam para o outro lado e consigo notar que ele é até bonitinho: é baixinho e tem uma barba comprida como a minha. Meu antigo eu não pensaria duas vezes antes de dizer sim, mas uma bebida agora iria destruir tudo que sofri pra conseguir nessas últimas semanas, e sem contar que ele está descaradamente caindo de bêbado.
-Eu não bebo, mas valeu - sempre me perguntei como seria negar uma bebida de um flerte, e sempre achei que ia acabar não resistindo, talvez por isto não queria vir para esse lugar, mas pra minha surpresa continuo tranquilo e sob controle.
-Você é de San Francisco? nunca te vi por aqui, te achei bonito pra caralho - ele não perde tempo, mas isso não é nada incomum, nós gays somos assim, se você visse as coisas que alguns de nós fazem quando estão no banheiro público...
-Obrigado. - Falo enquanto retribuo com um sorrisinho de "não vai rolar", tô tão enferrujado que esqueci até como dar um fora. Ele aproxima o rosto do meu com pressa e qualquer pessoa mesmo que tenha apenas um terço do cérebro notaria que ele está tentando me beijar, mas eu literalmente faço a egípcia e viro a cara.
-Desculpa, é que saí de um relacionamento a pouco tempo sabe? - Pra qualquer pessoa numa festa gay essa é a desculpa mais esfarrapada do mundo, mas fazer o que? Infelizmente é a verdade.
-Tudo bem, basta um "não", não precisa me contar a história de sua vida. - Ele resmunga enquanto se vira e vai embora, quase como se não tivesse se interessado por mim desde o começo.
Acho tudo aquilo um pouco grosso da parte dele, mas também, eu tô sóbrio, numa boate cheia de gente bêbada. É como se todos eles estivessem dentro de Alice no país das maravilhas e eu estivesse preso em algum livro do Kafka. Antes que me recuperasse daquela sensação estranha de dar um fora, escuto uma voz levemente familiar atrás de mim:
-Ei, você não tem outro lugar pra ir não? tá espantando os caras e as minas - Kim grita pra mim, ainda sem olhar pra minha cara, como se eu fosse um monte de merda que alguém tivesse jogado ali, não sou obrigado a escutar aquela grosseria após ter acabado de escutar outra, muito mais leve por sinal, e é aí que meu medo começa a se realizar, e eu começo a perder o controle.
-Minha querida você não é a Madonna pra tá falando assim comigo não, tá? E outra, a Max me convidou, me deu um ingresso igual ao seu, eu tenho direito de me sentar onde quiser.
Explodo, não acredito que os meninos falaram aquilo tudo dessa Doutora, pelo visto ela é só uma patricinha enjoada e mimada, e pensar que eu passei esse tempo todo a achando tão incrível...
Não espero pra ouvir o que Kim tem pra responder, viro a cara pra sair dali e decido ir pra casa se não vou acabar me esquentando com outra pessoa, ou muito pior, vou acabar bebendo...Mas... óbvio que alguma coisa a mais tinha que acontecer ou não seria minha vida, afinal é como disse a vocês, é quase como se eu vivesse vinte e quatro horas por dia em algum tipo de paródia idiota de Hollywood, e é nessa hora do filme que a coisa mais tosca e mais impossível de acontecer, acontece: De todas as pessoas, do universo inteiro, a última, a que eu menos queria ver, nem se estivesse com a Rihanna do lado segurando um cheque no valor de um milhão de dólares no meu nome, caminha em minha direção:
Meu ex marido, Calvin.
Calvin é literalmente o meu oposto, ele é baixinho - Já deu pra notar que curto, né? - meio musculoso, completamente careca, e ele jura que ninguém diz que ele é gay - ele mesmo sempre disse ser bi -.
-Sam, que milagre você não está sem roupa arrancando as perucas das drags e vomitando enquanto tenta chupar o pau de algum idiota? - Já esperava que as primeiras palavras que trocaríamos depois do divórcio seriam insultos, mas mesmo assim, nem em um milhão de anos pensei que ele iria zombar do meu alcoolismo, não depois de tudo que passamos juntos, não depois de tudo que fiz por ele.
-Você sabe que eu não bebo mais, e "que milagre" digo eu, o que você tá fazendo em São Francisco? Pensei que você não pudesse sair do seu restaurante, acharam que você era um rato e a vigilancia sanitária fechou?
-Porque eles só largam a bebida quando o casamento acaba? - Ele grita pro lado como se estivesse falando com uma pessoa invisível, como ele não nota o quão essa pergunta é tão fácil de responder?
-Por que eles bebem pra aguentar você - Grito de volta, e diferente dele, estou apenas falando a verdade.
-O restaurante não está fechado, eu tô abrindo uma franquia aqui, deixei um chefe no meu lugar e vou cuidar desse por uns tempos, não que seja da sua conta.
-Resumindo, você se mudou pra cá só pra encher meu saco. Como você me achou? tô praticamente sem usar redes sociais e não falei a ninguém que vim morar aqui.
-Por Favor - Ele fala puxando um cara que estava de costas do nosso lado e o beija de forma que apenas posso descrever como explícita.
-Esse é Chris, Chris, esse é meu ex marido que te falei - Uma gay novinha, toda musculosa e bronzeada, olha pra mim da cabeça aos pés e cochicha algo no ouvido dele enquanto ri.
Sinto um desconforto estranho pelo corpo.
-Eu sabia que você ia transar com o primeiro que aparecesse no Grindr dois segundos após eu sair daquela casa e ainda iria atrás de mim nem que fosse no inferno só pra esfregar em minha cara. Eu te conheço melhor do que ninguém, eu sei que antes de mim você era só uma puta, e pelo visto nunca deixou de ser, e quer saber uma coisa? Fique com quem quiser, transe com quem quiser, eu não me importo!
Me viro em direção aonde eu tava e saio dali, não quero passar um segundo a mais olhando pra cara desse desgraçado, meu estômago começa a regurgitar toda a água que consumi sem me alimentar e tenho que fazer esforço pra não por para fora...Não acredito que ele já tá com outro cara. Não acredito que ele consegue e eu não consigo, não tem nem um mês...Preciso encontrar Josh...
Saio caminhando como um louco por todos os lugares a procura dele. Mesmo que Josh seja o oposto de todas as pessoas que tão aqui, fica difícil achá-lo com milhares de luzes na minha cara.
Eu rodo por um tempo, até vê-lo de longe, conversando com outro cara de forma descontraída, ando o mais rápido possível ao encontro deles, mas na medida que percorro o caminho, Josh vai chegando mais e mais próximo do outro cara até finalmente se beijarem.
Paro à alguns metros, não quero interromper. Me sinto idiota quando penso que eu podia ter ficado com Josh, ele é um cara incrível e insistiu tanto, me deu várias chances, e eu joguei todas fora... Arrependimento é a sensação que mais detesto na vida, meu estômago começa a embrulhar de novo, ao mesmo tempo que avisto uma garota abrir uma garrafa de cerveja e beber com vontade, minha boca começa a salivar...
-Se perdeu? Ou você tava afim desse cara e ele acabou ficando com outro? - Reconheço a voz de bêbado, é o cara que eu dei um fora mais cedo, e por incrível que pareça acho que está mais bêbado do que antes.
-Não, na verdade ele era minha carona - Respondo enquanto tento guardar toda a vontade de beber de volta aonde estava, até esquecendo que que de certa forma minha resposta é verdadeira.
-Não precisa ir embora agora, por que não fica mais um pouco e vai com seu amigo mais tarde?- Ele fala se aproximando de mim - Ele parece tá bem ocupado, e se você tiver mudado de ideia, minha proposta ainda está aberta - suas palavras acabam no momento em que nossos rostos ficam a ponto de se encostar.
O tempo para enquanto eu debato na minha cabeça: Porque não? Calvin já superou tudo, eu não vou ter outra oportunidade com Josh, ele com certeza já aceitou ser só amigo e partiu pra outro, e o mais importante: só vou saber se estou pronto pra beijar outra pessoa quando tentar.
Chego mais perto ainda e nossas bocas se encostam, a primeira coisa que sinto é um leve gosto de cerveja, que me fez suar frio no começo, mas que por mais que o gosto pareça tentador ,logo fico mais tranquilo, é mais ou menos como se eu estivesse sentindo sabor da bebida mas sem ingeri-la. Nos beijamos por um tempo, não é ruim, é apenas estranho sentir aquele beijo tão diferente do que estou acostumado a sentir, o movimento de língua que decorei depois de tantos anos... Porra, Já fazia mais de sete anos que a única boca que me beijava era a de Calvin.
-Sam? - Escuto Josh falar atrás de mim, sinto um gelo percorrendo meu corpo dos pés a cabeça, como se tivessem me jogado numa piscina de água fria.
-Você disse que eu era bonito, que era interessante, mas que não ficava comigo porque tinha terminado com alguém a pouco tempo, então por que você tá beijando esse cara aleatório? Se você não me quis porque me achou feio, ou porque sou trans, porque mentiu? Porque fingiu como todos os outros fazem? - Não conheço Josh a tanto tempo assim, mas nunca o vi com aquela expressão horrível, como uma mistura de decepção e orgulho.
-Josh, eu não pretendia, eu...
-Não pretendia o que? ser pego mentindo? - Assim você não ajuda cara.
-Eu não estava mentindo quando falei aquilo, e não é que eu não tenha procurado por você, eu te vi com outra pessoa, quase tirando a roupa de outro cara a cinco minutos atrás... Olha quer saber? Aconteceu muita coisa hoje, encontrei meu ex e ele fez questão de beijar outro na minha frente, tá? Sem contar a sua melhor amiga perfeita, que gritou comigo e só faltou me chamar de um monte de merda inútil, e além do mais você me deixou a festa quase toda sozinho, cercado de centenas de pessoas enchendo a cara e jogando suas bebidas pra lá e pra cá...
Josh olha pra mim sem dizer nada, talvez eu tenha sido grosso demais, ou talvez eu tenha transformado aquela situação numa coisa pessoal e minha, mas eu não me arrependo do que falei, apenas sinto meu estômago embrulhar mais ainda.
-Foi bom te conhecer aí carinha- O bêbado fala quase de forma inaudível e sai quando nota que o negócio ficou sério.
-Acho melhor eu ir pra casa de Uber - digo pra ele e me vira. Não vou esperar Josh falar algo pois não aguento mais um minuto nesse lugar, não aguento mais aquelas luzes e música alta, não aguento mais ver aquela multidão de pessoas, todas belas e perfeitas, se entupirem de álcool mais e mais enquanto eu tenho que me contentar apenas com água. Sinto uma fina lágrima escorrer a força sobre meu rosto enquanto apresso o passo olhando para o chão para não ter que esbarrar com mais nenhuma das pessoas desagradáveis que estão ali, só quero sair desse lugar mais rápido possível e de preferência nunca mais voltar.
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Rainbow House (Romance e Drama LGBTQ)
Ficción GeneralApós terminar um longo e doloroso casamento, Sam foge dos seus problemas com vício e do seu ex-marido abusivo, deixando a chuvosa Seattle em busca de um novo recomeço na ensolarada e paradisíaca São Francisco, onde acaba indo morar na histórica Rain...