Prólogo

36 3 0
                                    

ANTÔNIO



  Nos primeiros dias, era recomendável que eu checasse a foto que meu investidor me dera antes de tomar qualquer atitude que seja, afinal já fazia um bom tempo que eu não agia em campo graças a aposentadoria forçada. Aos 40 anos, sofri uma terrível queimadura por uma dessas criaturas de pés para trás e cabelos feitos de chamas.

Abaixo os meus olhos para o papel, aos poucos aquele rosto está se tornado mais familiar do que o meu próprio reflexo.

Alvo atual: Garoto de 18 anos, aparentemente ordinário. Mas não pra mim.

Me lembro perfeitamente do testemunho exagerado e choroso da mulher que me contratou,  pintando o menino como o próprio mal encarnado. Compreensível, mas tento não me deixar levar por esses comentários e permanecer centrado.

Já vi um desses antes, há muito tempo. Nos dias de hoje, são praticamente extintos. E mesmo com toda a bagagem que possuo, ainda me deixa surpreso saber que debaixo daquele monte de ossos, pele e espinhas, se esconde uma criatura bestial capaz de matar utilizando somente suas garras. Não que eu esteja hesitando em tirar mais um desses do mundo. Jamais! Sei bem o mal que esses seres causam. Eu só não imaginava que encontraria um que se disfarçasse tão bem de cidadão humano.

Hoje, chego na escola mais cedo do que o usual, meus pés praticamente voam pelos degraus da escadaria da entrada dos fundos. Me direciono ao banheiro caminhando com passos rápidos, em minha mente o plano se repassa.

Visto o meu uniforme rapidamente checando o meu relógio sempre que posso, o tempo não está ao meu favor.

Percorro os corredores me direcionando até o quarto com materiais de limpeza. Após alguns dias trabalhando aqui e observando bem o alvo, posso dizer que conheço o horário de saída e chegada daquela criatura, de cor. Tenho sorte dele ser um ser de hábitos rotineiros.

Passo por alguns professores e os cumprimento com um aceno de cabeça. Chego a sala, e retiro a minha mochila das costas. Pego o esfregão, o balde e depois a garrafa que coloquei dentro da mochila.

Checo meu relógio novamente, está quase na hora.

Tenho pouco tempo para preparar tudo.

Destampo a garrafa e preencho o balde com a água benzida. Saio dali e me direciono a porta lateral por onde geralmente a criatura costuma chegar acompanhada de meros humanos que não tem a mínima ideia do que ele realmente é. O alvo os chama de amigos, mas duvido que eles ainda os seriam se soubessem de seu segredinho.

Solto um suspiro me sentindo tenso. Agora só resta aguardar.

Margarida, a porteira me cumprimenta e me pergunta alguma coisa que não presto atenção. Agora não, Margarida!

Diante de minha hostilidade, a mulher logo se retira, o que foi a melhor coisa que ela fez até agora. 

Respiro bem fundo, me concentro em manter a calma. Ouvi uma vez, que coisas como o menino pode ouvir até os batimentos cardíacos alheios.

Inacreditável. Uma aberração!

Aos olhos dos outros, ele era obviamente apenas um garoto. Estudante do último ano do ensino médio, rodeado de amigos, comunicativo, mas muito esquentadinho. Soube assim que o vi, que tinha que buscar um modo discreto de chegar até ele sem ser notado, na minha idade eu não teria chance em uma luta de punhos com uma coisa assim. Porém, antes de tudo eu tinha que confirmar que ele é de fato o que me falaram. Sendo assim, apelo para os métodos de testes.

Desde que cheguei, tratei de testá-lo de várias formas pois afinal a minha contratante, afetada pela idade não era de se confiar cegamente. A estratégia foi entrar na cozinha e conseguir fazer com que usassem água benzida para cozinhar as refeições daquele dia. Durante os recreios seguintes, limpei o chão nas bordas do refeitório mais de duas vezes, o piso ficou reluzindo. Mas nenhum sinal de algo paranormal da parte do alvo, nada de olhos brilhando, garras, ou dentes pontudos. O menino tomou dois copos de suco e comeu muito bem as comidas que as cozinheiras fizeram com a água benzida e nada aconteceu.

FolklórichusOnde histórias criam vida. Descubra agora