Procuramos o resto da tarde mas tudo que consegui foi ficar cansada. Me contentei em ver o por do sol em meio as árvores, era uma cena linda, mas sinto que poderia ter aproveitado mais, pois, enquanto o sol se deitava meus pensamentos voavam para o imbecil com quem namorei por dois anos, não conseguia deixar de sentir raiva, afinal, não entendo que tipo de graça deveria ter um namoro, deveria ser algo sério, como uma tentativa de casamento, pertencer um ao outro sem o compromisso de se unir pelo resto das vidas, com a possibilidade de terminar e começar de novo, não era algo para ser engraçado.
Quando consegui varrer os pensamentos ruins para debaixo do tapete e prestar atenção somente no que meus olhos viam o sol já havia terminado seu show, me senti mal, poderia ter tentado olhar, tentado afastar os pensamentos, mas não consegui.
Voltamos ao acampamento e para fazer medo nas garotas os rapazes se puseram a contar histórias de terror, elas se abraçavam neles e pediam pra parar alegando que eu, por ser nova, não conseguiria dormir, suspirei fechando os olhos para evitar revira-los, não tenho medo dessas histórias pois é isso que são, histórias, lendas, mitos, não são a realidade, pois ela é muito pior, impiedosa.
— Não se preocupem, a Luci consegue se virar sozinha. — disse Maicon rindo, não me lembro de uma única vez que meus primos pegaram leve comigo, a não ser pelo Alex que a alguns anos atrás pareceu até que tinha batido com a cabeça. Logo depois de voltar de um desses acampamentos ele se afastou um pouco da família e terminou com a namorada, trocou o emprego e alugou uma casa enquanto terminava sua faculdade, parou de me tratar como um estorvo, assim como os outros, e passou a me ter como uma irmãzinha, me defendia, me ensinava, acostumei tanto com esse "novo Alex" que o antigo parece ser apenas fruto de algum pesadelo.
— Ela está tremendo de medo, posso ver daqui. — comentou a rainha das chatas, Evelyn, agarrada ao braço do meu primo enquanto seu dedo trêmulo apontava descaradamente para mim.
— Não tenho medo de histórias de terror... — mantive minha atenção nos salgadinhos em minhas mãos. — Acho elas divertidas, mostram o quanto o ser humano é capaz de criar com o seu medo.
Todos ficaram em silêncio me olhando de forma estranha até que ouvi uma risada que logo foi acompanhada de outra. Olhei para o casal ao meu lado, Alex e Jéssica riam abraçados mas faziam questão de acenar com a cabeça concordando.
— Tem razão! Algumas pessoas são muito criativas! — ria-se Alex mas apenas sorri para ele, sabia que não era eu o motivo do riso mas sim a cara de espanto dos outros ao nosso redor.
Durante um longo tempo cada um contou alguma história no intuito de tentar assustar os outros. Sem dúvida Evelyn era a que mais estava assustada com aquilo, se virava constantemente a cada barulho que o vento proporcionava, mas estava sendo divertido, poder rir sem culpa junto dos rapazes estava sendo legal, até que fui tomada novamente pela lembrança do meu ex, abaixei a cabeça tentando não demostrar o quanto apenas a lembrança me fazia mal, eu tinha que parar com isso, afastá-lo de uma vez por todas.
Mesmo com todo o barulho em minha cabeça tentei ir dormir ao que todos se despediram e desejaram "boa noite", a barraca não era muito aconchegante e eu conseguia ouvir gemidos vindos das outras barracas, por mais incomodada que estivesse eu não poderia fazer nada. Tentei fechar os olhos, sentia a canseira me dominar mas não conseguia dormir, talvez fosse passar mais essa noite em claro lembrando de todos os momentos ruins de minha vida, esse era um hábito que eu gostaria de extinguir, se tivesse controle sobre ele. Mas sinto que tentar não pensar é como apagar o fogo com gasolina, tudo só se intensifica mais, e diante de todos os meus erros meu futuro só parece mais e mais incerto, como um borrão em um pedaço de papel.
Não me dei conta de que tinha adormecido até que acordei, me sentia destruída mas mesmo assim sentei, estava um pouco claro, o suficiente para enxergar por onde andava mas o sol parecia não ter raiado ainda. Resolvi fazer uma caminhada, talvez sentar em algum lugar pra ver o nascer do sol, ou apenas ir até a cachoeira para ouvir o barulho da água, seria relaxante, deixar os pensamentos fluirem como a água, límpidos, organizados, sem interferências.
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Castelo Brecht - Óbice De Uma Alma
AventureQualquer caminho serve para quem está perdido, mas Luci não estava perdida, ao menos era isso que pensava antes de sua vida começar a ruir. Um término, cobranças sobre a entrada na faculdade, constantes comparações com seus primos e como cobertura f...