Ártemis ria consigo mesma ao perceber a dificuldade que os dois tinham em disfarçar o vontadismo de estar perto um do outro, de trocarem palavras e toques. Passara o jantar observando-os, diversas vezes viu a mão do irmão roçando propositadamente na de Risoleta e ganhando, pelo gesto, um sorriso tímido, também pode constatar como a dona da pensão adquiria um ar outro perto de Aristóbulo e, como se fosse possível, ficava ainda mais graciosa naquela presença soturna. Acho que o contraste fez com que a aproximação fosse natural, sabe? fora a resposta dada à mulher e, sem querer, respondera a si própria: Aristóbulo e Risoleta eram pessoas diferentes, mas a dissimilitude fazia com que ficassem ainda mais bonitos juntos. Estava feliz, verdadeiramente feliz.
— Ah, vocês me desculpem, mas eu irei me retirar – dona Pupu, com um bocejo, levantou-se da mesa – não tenho mais energia para acompanhar vocês, jovens.
— Mamãe, a senhora está bem? Sempre teve sono tardista e agora são...por Afrodite! – Ártemis se espantara ao ver o relógio marcar uma da madrugada – acho que perdemos a noção das horas, mas o palavrório está tão gostoso que nem reparei.
— Quando a companhia é boa as horas decidem correr maratona – e, trocando olhares com Aristóbulo, Risoleta repousou a mão no joelho dele.
— Fiquem à vontade, pelo visto, ainda têm muitas coisas para colocar em ordem. Boa noite, meus queridos – e mandando um beijo para os três, retirou-se da sala de jantar. Rapidamente Ártemis levantou e, escondida na pilastra, conferiu se a mãe realmente havia subido para o quarto, foi somente depois de ouvir a porta abrindo e fechando que voltou para a mesa.
— Acho que perdi alguma coisa – rindo, a dona da pensão encarava a loira.
— Minha mãe é essa senhorinha fofinha dona de gatinhos na aparência – e puxando Aristóbulo e Risoleta para a sala, continuou – Lembra de quando nós nos trancávamos no banheiro do meu quarto e ligávamos o chuveiro para podermos conversar sem ela ouvir, Ari?
— Faz tanto tempo que essa casa exigia que as conversas fossem ditas sempre aos sussurros – sentando ao lado de Risoleta, encarou a irmã – Lembra de quando Astride ouviu a Zoé dizer que tinha visto Melinda beijando o "namorado" da Gaia?
— São nossas irmãs, Risoleta, as quatro – rindo, serviu-se de licor de cacau e, dando a garrafa para Aristóbulo, jogou-se na poltrona – Foi o melhor fofoquismo, para você ter noção, o assunto passou pelos sete irmãos antes de chegar em Gaia.
Os dois irmãos olharam um para o outro e gargalharam com a lembrança, a dona da pensão achava graça dos maneirismos do professor perto de Ártemis, havia entre os dois uma relação de confiança mútua, imaginou que se tivesse tido uma irmã, desejaria uma igual à de Aristóbulo e novamente aquela sensação de querer pertencer à família perpassara seu coração. Permitindo que o lupino enchesse sua taça, sorriu-lhe, afetuosa:
— Eu imagino como foi interessante para o senhor crescer numa casa com tantas mulheres, professor.
— Ah, minhas irmãs são tranquilas...
— Exceto pelas vezes em que acordávamos com elas rolando pelo corredor engalfinhadas uma à outra pelos cabelos – Ártemis sentia o efeito da embriaguez atingindo-a cada vez mais intensamente e decidiu deixar o licor de lado, precisava estar sã para fazer com que a noite terminasse da forma que havia planejado – mas chega de contar os segredismos da família Camargo, você quase não falou de você, Risoleta e sei que a culpa disso é minha, que sempre orbito a conversa nos assuntos estipulados por mim.
Percebeu uma troca nervosa de olhares entre a dona da pensão e o irmão, anotando esse fato mentalmente, sorriu encorajadora.
Uma hora depois
— E então, depois do desvivamento dos meus pais, precisei começar a trabalhar em um bordel para sobreviver – Risoleta não tinha vergonha pois sabia que era uma pessoa honesta e que ter sido prostituta não a tornava menos merecedente de qualquer coisa.
— Lamento pela morte dos seus familiares, querida – Ártemis ficara comovida com a história da recém amiga, não poderia imaginar que aquela mulher tão risonha, gentil e bondosa pudesse ter passado por tanta coisa, um sentimento de profunda injustiça alojou-se em seu peito – E foi trabalhando no bordel que juntou dinheiro para comprar a pensão?
— Isso mesmo, tenho o imóvel há um ano, mais ou menos – a naturalidade com a qual a professora lidou com sua antiga profissão fez com que Risoleta se sentisse acolhida e por um instante desejou de todo coração lhe contar sobre Zé Mario e sua estrelinha, porém a presença do professor, nesse sentido, era opressora, especialmente por ele ser um dos membros mais importantes do partido do formiguento Zico Rosado.
Ártemis reparara na tensão do irmão quando a dona da pensão contou sobre ter trabalhado num bordel, sabia que ele era tradicionalista e até mesmo moralista, teria sido essa a razão do afastamento dos dois? Afastou esses pensamentos quando percebeu ele roçando os lábios ligeiramente na têmpora de Risoleta enquanto ela contava sobre a morte dos pais. As conversas permearam por águas menos melancólicas depois disso e logo os três estavam rindo novamente contando histórias, especialmente da juventude dos dois Camargo e das presepadas nas quais Ártemis colocava Aristóbulo. Foi com um bocejo e um arquear que imitava um gato, que a loira começou a colocar seu plano em prática, no fundo, orava para que o irmão colaborasse e que sua sapiência sobre ele continuasse tão boa quanto sempre fora:
— Risoleta, você quer que eu a leve de volta à pensão?
— Acredito que seja melhor dona Risoleta passar a noite aqui. Está muito tarde para as duas saírem, mesmo de carro – abraçando a mulher pela cintura, Aristóbulo continuou – conquanto se a senhora desejar ir, eu mesmo a levo.
A forma como o professor apertara sua cintura a impossibilitava de pensar racionalmente e antes que pudesse fazer o contrário, aceitou o convite. Logo estavam os três subindo as escadas após desligarem as luzes dos cômodos sociais, rindo Ártemis disse:
— Se quiser dormir no meu quarto, sinta-se à vontade, Risoletinha. Essa casa é meio assustadora... – e desligando e acendendo diversas vezes o interruptor do corredor dos quartos, riu mais intensamente – Porém, caso prefira, temos diversos quartos de hóspedes. Hm...acho que alguma camisola de Genevieve servirá em você, com licença.
Risoleta observou a loira ir em direção ao fundo do corredor e entrar em um dos quartos. Foi com um suspiro que se viu repentinamente prensada na parede, o corpo do professor colado ao seu, uma mão acariciando seu pescoço e a outra aplicando leve pressão em sua lombar. A voz que chegou aos seus ouvidos era rouca e baixa:
— Chegou a hora da senhora tomar o decisório do lugar onde terminará nossa noite.
![](https://img.wattpad.com/cover/259442916-288-k980846.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tudo está bem quando acaba bem
RomanceRisoleta e Aristóbulo não conseguem acertar os descompassos da vida: ele escolheu a política e a vida de sofismas ao amor da linda dona de pensão. Porém eles não são capazes de ignorar o amor crescente e o desejo já inflamado que residem no peito de...