Você veio só para ser o sol

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Ártemis respirou fundo ao descer do carro. Dez anos passaram e parecia que nada havia mudado, ao mesmo tempo tinha a impressão de que tudo se alterara. Bole-Bole mantinha o ar de fantasia, daquilo que mora no meio da fina camada existente entre o real e o mágico, mas algo não estava igual, e felizmente as coisas são assim, sempre estando e nunca sendo. Ártemis sempre preferiu o meio do caminho, as veredas que enredam cada pequena existência que povoa a Terra encantavam seu espírito. Cada laço de afeto, cada pequeno motivo para sorrir e cada aconchego em braços amorosos quando a vida se tornava dura demais para seguir sozinho na estrada. Era disso que ela viera atrás.

― Bem, então cá estamos...pensão da dona Risoleta - respirando profundamente pegou a pequena mala que trouxera consigo e adentrou o edifício

Bem, ela definitivamente não esperava o que seus olhos acabavam de ver. Era como se estivesse entrando em um bistrô parisiense, mas com toques de deliciosa brasilidade.

― Bons dias! Risoleta, prazer - Ártemis sorriu sem se dar conta ao olhar para a dona da pensão, havia algo de singelo e profundo nela, fora a beleza estonteante - Pela mala, a senhora veio se hospedar.

― Bom dia, e não precisa de tanta informalidade, oras. Sou Ártemis, muitíssimo prazer, Risoleta.

A dona da pensão estava impressionada com a nova hóspede e, enquanto levava ela para escolher um dos quartos vagos, não conseguira não reparar no jeito risonho e brincalhão da mulher. Mas alguma coisa lhe intrigava, sentia conhecer Ártemis de pratrasmente. O cabelo castanho claro, quase loiro, e os olhos de um azul tão límpido, como se ali habitasse um pedaço do céu, não lhe pareciam estranhos. Toda aquela informalidade...era como se Risoleta conhecesse o contrário daquela mulher que falava rapidamente sobre como adorou a decoração da pensão.

― Ah, mas eu estou deverasmente apaixonada por esse! - e parando um segundo, gargalhou alto - Olha, não podemos pisar em Bole-Bole que magicamente adquirimos maneirismos linguísticos rosianos.

― Maneirismos linguísticos rosianos? - Risoleta tinha o semblante de quem procura uma explicação

― Bem, digamos que esse lugar tem uma linguagem um pouco, hm...distinta - e com ar professoral, continuou enquanto tirava as poucas peças de roupa que trouxera na mala e as pendurava em cabides - E tem um grande escritor conhecido justamente por lidar com a língua de uma maneira brasileira, mesmamente que inusitada, Guimarães Rosa. Portanto quando classifico algo como "rosiano" estou me referindo ao estilo de Rosa.

― Nossa, você explica tão bem e com tanta clareza... - até mesmo esse jeito de quem sabe muito não era estranho à Risoleta - Deve gostar deverasmente de literatura e de línguas.

― Ah, que cabeça a minha! - puxando Risoleta para sentar na cama consigo, lhe deu um olhar esperto, como se esquadrinhasse a dona da pensão - Eu sou professora de literatura, trabalhava na Università di Firenze, na Itália.

― Na Itália? Uma lonjura considerável. E o que fez você descambar aqui para Bole-Bole? - a sobrancelha de Risoleta ergueu-se em desconfiança

― Você vai achar que estou de invencionice se eu lhe contar toda a história, basta saber que tem uma pessoa, aqui, com quem preciso ter um avistamento. Na verdade, Risoleta - ela pegou gentilmente na mão da outra - Que bom que você pôde me receber em sua pensão. Confesso que estou profundamente acovardada com esse palavrório, mesmamente que já tenha tomado um decisório sobre a situação.

― Ah, mas não seja por isso. Sabe, Ártemis, você tem alguma coisa tão formidável que já adquiri admirância e bem-querer por você - Risoleta sentia um calor fraterno nas mãos da outra - Que tal tomarmos um café e você me explica esse agoniamento todo?

― Um convite dessa magnitude não se recusa, não é mesmo? Aindamais vindo de uma pessoa tão encantadora e de riso tão fácil - e como quem sabe de afeto, desceram para a cozinha da pensão.

Tudo está bem quando acaba bemOnde histórias criam vida. Descubra agora