Capítulo 1

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"Bobagem, Donghyuck! Eu vou com você" - a mulher dizia em lágrimas.

Era a primeira vez que Haechan via sua mãe chorar.

"Mãe, por favor..." - ele próprio precisou reunir toda a sua força para conseguir falar. Seus lábios tremiam demais. - "Se eu sou crescido o suficiente pra ir pra Universidade, então eu também posso... também posso me cuidar sozinho" - disse, sua própria voz vacilante enquanto olhava para o envelope em sua mão. 

Nele, o emblema Da Universidade (em letras maiúsculas, porque era aquela que ele sempre sonhara em cursar) e uma palavra que tinha mudado a vida do jovem: "aceito". 

Só não pensou que aquilo mudaria tanto

Não pensou que a visita para admissão iria lhe dar uma surpresa nada agradável.  Não acreditava que estava tão perto de realizar seu sonho, tão, tão perto... mas ele continuava inalcançável. Sentia-se como se tivesse nadado quilômetros e morrido na praia. No caso, não tinha morrido ainda. Estava se afogando. O peito queimando, não conseguindo puxar o ar direito, os olhos ardendo e cheios de água. 

Porque não sabia que iria sim se mudar, mas não porque o apartamento que encontraram era perto Da Universidade. E sim porque era perto do hospital.

Sabia que os avaliadores lhe garantiram que, se melhorasse, a vaga estaria aberta para ele tentar semestre que vem, para que Donghyuck refizesse os testes e que, tendo recuperado a saúde, 'seria uma ótima adição ao nosso programa de artes'. Mas sabia, também, que seu médico (já chamava de seu, pois teria sessões de tratamento diárias consigo) tinha dito que era muito difícil conseguir melhorar em tão pouco tempo. 'Mas quem sabe, rapazinho, se você fizer tudo certo e for forte!'

Se tinha uma coisa que Donghyuck não queria precisar ser, era forte. Mas, infelizmente, só se descobre o quanto você consegue superar algo quando a única escolha é ser forte.

"Você tem que cuidar dos meus irmãos..." - retomou a fala, lembrando-se que ele não era a prioridade ali. Não podia ser. 

Ele era o irmão mais velho. Tinha que ser o responsável. Tinha que amadurecer mais cedo que os outros. E, definitivamente, tinha que tentar cuidar de seus pais. Não tinha sequer coragem de se imaginar tomando uma posição egoísta, se ela de qualquer forma ferisse sua mãe - especialmente sua mãe, que já era tão frágil e com tantos problemas, por mais que colocasse sua fachada forte.

"Eu vou ficar bem sozinho." - assegurou com o melhor sorriso que podia dar no estado que se encontrava. E sabia que, independente do que acontecesse, queria estar de bem com sua mãe. Porque sabia que, de todos os erros que ela cometeu, sempre fez o melhor que podia dentro de sua capacidade. 

"Eu te amo" - um soluço escapou sem permissão de sua garganta - um soluço de amor, sim, mas também de medo.

Ele estava aterrorizado.

Aterrorizado pela chance de partir e não mais voltar. Aterrorizado em pensar como ficariam todos que o amavam, se soubessem a gravidade da sua doença. Aterrorizado por estar indo sozinho. 

"Oh, querido... Eu te amo tanto" - a mulher disse, puxando-o para seu colo como se fosse uma criança. E Haechan se permitiu chorar, tocado demais pela confissão maternal.

"Eu juro que eu vou ficar bem. Eu juro que vou ser forte. Eu juro que vou fazer de tudo, tudo, mãe, pra voltar pra vocês bem." - prometia para ela e para si mesmo, sabendo que cumpriria absolutamente qualquer imposição que o tratamento viesse a lhe trazer, que o dinheiro gasto não seria em vão. Que ele tentaria lutar contra a doença.

"Eu sei, Donghyuckie, eu sei" - afagou os cabelos do menino antes de fazê-lo levantar o rosto para lhe analisar. 

Seu garoto sempre fora forte, esperto, tão cheio de vida, tão prestativo e tão companheiro. Por mais que soubesse que ele podia fazer aquilo, ainda lhe doía o coração. Por mais que o amor fosse imortal, não queria perder seu filho. 

Ela também estava aterrorizada.

O seu garoto era determinado, enérgico, alegre, saudável. Sempre pareceu saudável. Mas a mulher sabia, por ter tido-o bebê em seus braços e cuidado de cada mínimo resfriado, que como qualquer humano, Donghyuck era frágil.

Pôs as mãos em volta do rosto do menino, emocionada demais com o tanto que ele cresceu, o tanto que tinha ficado bonito. Secou as lágrimas das bochechas de seu pequeno - sempre seria seu pequeno - e viu como ele ainda parecia tão inofensivo, tão vulnerável, como quando era criança.

A mulher não tinha parado de chorar, mas o seu pequeno homem conseguiu fungar uma última vez antes de reunir toda sua coragem. Precisava aguentar, precisava se erguer, precisava lembrar que a distância não quebraria os pilares de amor da sua mãe, nos quais podia se apoiar sempre.

"Eu tenho que ir" - Donghyuck disse, segurando a mão da progenitora com ternura cativante. - "Porque só a cidade grande vai me permitir... ter tudo. E vocês têm que ficar. A loja é aqui, a escola deles é aqui, e vocês não podem largar as coisas por mim. A gente tem que conseguir juntar o dinheiro da faculdade pra eles também" - afirmava, pensando no futuro de sua família.

Mesmo se ele não fizesse parte desse futuro.

O pensamento fez seu coração fisgar, um gelo se instalando na beira de seu estômago de modo quase inevitável e percorrendo suas veias, deixando seu corpo inteiro em calafrios.

"Eu vou te visitar assim que eu puder" - a senhora Lee afirmou, apertando forte as mãos de seu filho entre as suas. O simples fato de elas parecerem agora tão pequenas perto das de Haechan já lhe encheu de uma nostalgia melancólica de como já tinha carregado o garoto, bebê, naquelas mesmas mãos. - "Vou te visitar logo, pra ir te ajudar"

O sussurro preocupado fez Donghyuck sorrir fracamente. Em meio à tristeza, medo, agonia e total impotência (que aprendera que podia ser o pior sentimento do mundo) com o que aconteceria consigo, conseguiu se sentir seguro. Conseguiu pensar em ter pra quem voltar, uma casa para qual voltar.

"Eu vou ficar bem" - sussurrou de volta, fazendo contato visual. Dizem que os olhos são as janelas da alma. Se fosse verdade, o jovem conseguia ver em cada pequena ruga de cansaço e pintinhas de tanto sua mãe trabalhar no sol as mais lindas marcas de uma vida de dedicação. E estava grato, muito mais do que poderia dizer.

"Me liga a cada cinco minutos" - a mulher disse, finalmente soltando suas mãos para secar as próprias lágrimas, tentando ajeitar suas roupas mesmo que não estivesse bagunçadas, tentando se fazer forte mais uma vez. - "Me avisa todo dia, eu não quero que você esqueça de me mandar mensagens todo dia quando voltar pra casa, e toda manhã quando sair de casa"

Haechan sorria enquanto a mulher lhe dava todos os lembretes do papel que trouxera de volta quando foi até a cidade fazer os exames de admissão. Os papéis que o médico tinha anotado todas as recomendações para ele 'começar o tratamento o quanto antes e o mais eficiente possível'. Ofereceu mais um sorriso pequeno à mulher, aceitando as notas. Como se ele já não tivesse decorado tudo. 

Decorara cada mínimo detalhe, cada mínimo risco, cada mínimo cuidado que teria que ter todos os dias de agora em diante. Faria sua parte, e torceria pelo melhor.

Um aspecto bom de estar indo sozinho era não ver a tristeza no rosto de quem amava. E não ter que esconder a tristeza e o sofrimento do seu próprio rosto. De seus próprios olhos. 

Não precisaria preocupar seus parentes, os vizinhos gentis, os amigos maravilhosos e nem os moradores da cidadezinha que praticamente faziam parte de sua família. Não precisaria fazê-los ficar consigo. Não precisaria fingir.

Foi com esse mínimo consolo, o de que todos ficariam bem, que partiu.

Sem saber se ele ficaria bem.

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