Desequilíbrio de Selim

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   Já havia alguns dias que o caminho de volta a casa incluía uma paragem no portão da mansão Kirimli. Ele não conseguia perceber como é que o casamento se mantinha á tona depois de todos os planos, afinal a cunhada garantiu que o mafioso não iria aceitar qualquer traição  mas as semanas passavam sem nada acontecer. Todos os dias Selim esperava em seu restaurante o tão esperado telefonema de Ikbal a informar da saída de sua amada daquele antro mas todo o dia acabava sem qualquer indicio. A desilusão se aprofundava no seu âmago, a vontade de ele próprio resgatar o seu amor crescia de uma forma desmesurada. Sentado na sua carrinha do outro lado do portão ele já conhecia a rotina da casa de tantas horas que passava ali, sabia da existência de um portão lateral para o jardim das traseiras, sabia do habito do dono da casa de ir soltar flechas no inicio da madrugada, sabia que ela costumava observar seu marido durante horas, apesar de ultimamente não a ver. Mas principalmente sabia da existência de três seguranças espalhados na propriedade mas que com o passar das horas iam abandonando e passava a um só que fazia a ronda de três em três horas. Sentia que a sua paciência estava a chegar ao limite, esperava apenas um sinal de trovoada para ganhar coragem de invadir o espaço e resgatar para si  o amor roubado. Desta vez a arma que guardava no restaurante vinha carregada.

   Yaman agia de forma rotineira para fugir ao que o seu coração gritava. Limitava a manter-se longe dela o mais que conseguia pois cada vez que a enfrentava sentia um turbilhão dentro de si. A razão dizia para a odiar mas o seu coração o enganava a cada batida e quando dava por si estava preso no fundo dos seus olhos verdes e bebia cada palavra que lhe saia dos lábios rosados, como se estivesse sedento de sentimentos. A única coisa que conseguia fazer com sucesso era manter-se afastado e não proporcionar mais drama, pelo menos  até conseguir dominar-se a si próprio. Em pose em frente ao cavalete, atirava as flechas mecanicamente arrebatado pelas visões de sua linda mulher, ela estava em todos os momentos de sua vida, em tudo. A cada imagem  tentava sacudir com um abanar de cabeça, antes de soltar a fecha, a tentação corroía mas ele seria mais forte! Sentiu um calafrio na parte de trás da nuca, seus pelos se eriçavam e soube de imediato que estava a ser observado por ela. Esse era um sentimento que ele podia confiar pois seu corpo sabia sempre da presença de sua obsessão. Ela aparecia na varanda de casaco cinza e de pijama ás flores, não olhava para ele mas sim para as estrelas. Talvez procurasse a estrela guia a fim de achar um novo rumo, um novo norte para longe dele...Mais uma sacudida de cabeça, mais um pensamento que seria esquecido, mais uma flecha...

   O som que cortava o ar era bastante destinto, Seher sabia que ele estava em estado pensativo e não de raiva, por isso arriscou pôr sua cara fora do quarto. Ultimamente sentia-se enclausurada dentro daquela casa, cada vez que queria sair do quarto, tinha que saber onde ele estaria para não habitarem o mesmo espaço. Mas hoje, depois de o enfrentar, tinha  decidido recuperado a sua voz e a sua força, não voltaria a baixar a cabeça ao "grande"  Yaman Kirimli. Quando saiu para a varanda, ouviu o som das fechas e seu coração deu um  impulso espontâneo, como é que explicaria a seu coração que não poderia amá-lo? Ela sabia que algo o estava a consumir, algo que ela tinha feito mas não conseguia chegar a ele. Baba Arif, sempre lhe disse que tinha que deixar ele se resolver sozinho, não o enfrentar mas estava a ser mais difícil do que alguma vez imaginou. Seus olhos queriam se perder nas estrelas e tentar ter uma conversa imaginária com seu pai mas seu coração puxava-a para baixo. Respirando fundo dirigiu seu olhar para o homem de colete azul que começava o seu segundo set, mas o que reteve a sua atenção foi a figura que se aproximava nas costas de Yaman.

   Yaman atirou a ultima flecha, pousou o arco no descanso e começou o caminho para recuperar as fechas do alvo. Ouve barulho de galhos a quebrar e sente o seu coração saltar uma batida ao pensar que seria a sua esposa mas ao se virar a surpresa foi mais visceral.

-O que faz aqui, como entrou?- Selim se aproximou em pequenos passos e de arma na mão estendida ao lado do corpo.

-Se está á procura de minha mulher, aviso já que só a leva daqui por cima do meu cadáver!

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