Retaliação

933 51 3
                                    

   Nedim entra pelos portões da mansão sentindo-se uma pilha de nervos, ainda não sabia como iniciar a conversa com o seu amigo. Não queria confessar a sua falta logo de início porque não queria queimar por completo a confiança que existe entre eles, mas como faria ele ouvir o que a irmã da cunhada tinha para contar. O patrão era um homem impressionante, rígido, frio intransponível, exigia eficiência e lealdade de todos os que o rodeiam, mas apesar disso era extremamente adorado por todo o seu staff. Todos conheciam a sua conduta linear e o seu temperamento duro, mas não havia ninguém naquela organização que não soubesse de um ato de bondade, caridade ou de benevolência da parte dele, tinha todos como membros de uma comunidade onde ele era a cabeça, onde o bem-estar dos seus era tão ou mais importante do que os sucessos do coletivo. Apesar de Nedim ser o braço direito nada acontece sem passar pelo aval do chefe, mesmo que ele não colocasse os pés nos estaleiros ou nas empresas tudo estava á distancia de um botão e nada se passava sem ele ser informado por isso mais tarde ou mais cedo iria saber que ele tinha pago a fiança da rapariga. Quando um Kirimli risca alguém da sua vida, muitas vezes essa pessoa apenas desaparece sem necessidade de qualquer ordem, tal era a lealdade do seu grupo, como iria convencer o homem a dar uma oportunidade de redenção a Zuhal? Até á data de hoje a única que tinha conseguido fazê-lo retroceder em uma ordem tinha sido a pequena mulher de olhos verdes, tinha sido a única a ser capaz de apaziguar a fúria de Yaman e a levá-lo a mudar de ideias.

-Benvindo Nedim Bey, Yaman Bey está no escritório.

-Eu vim falar com a senhora da casa, Cenger!

Só tinha visto a patroa zangada duas vezes, a primeira foi quando teve a coragem de revidar a proposta de suborno de Yaman, com um estalo á alguns meses atrás, a segunda quando o foi buscar no meio de um tiroteio, mas num instante começou a rezar para esta não se tornar a terceira.

-Tem a noção do que me está a pedir, Nedim Bay? Você mais que ninguém sabe a devastação que o tal dossier causou a nós e agora me pede que eu convença o meu marido a ouvir as explicações de Zuhal.

-Não iria pedir se não achasse de extrema importância. Não quero branquear as atitudes dela, mas precisamos de saber quais as razões e o que mais pode estar por vir.

-Então o Nedim também é da opinião que Zuhal não seria capaz de um plano tão sórdido e coordenado, que isso significaria um mandante.

Ele sabia perfeitamente quem é que tinha incutido as ideias, quem executava as tramas, quem jogava com as peças de xadrez, mas a informação não poderia vir de sua boca, esse seria o único trunfo que a morena, que prendia o seu coração como refém, tinha e esperava que isso lhe valesse um bilhete de absolvição.

-Meu marido confia em si mais do que em qualquer outra pessoa por isso vou dar-lhe também a minha, se acha que é importante Yaman ouvir o que ela tem para dizer eu irei consigo convencer o nosso gigante.

Nedim respirou de alívio, ter a tia apoiando as suas costas, era metade da batalha ganha, agora só precisava de reunir coragem para contar ao amigo que tinha tomado a decisão sozinho. Podia sempre alegar que o fizera para descobrir a verdade e não falar que foi uma questão de coração, a prioridade não era confessar a sua falha, mas sim abrir os olhos da família para o perigo que existe dentro das paredes Kirimli.

-Hayir, não me interessa nada do que essa mulher possa contar, estamos bem e felizes não quero voltar a mexer no lodo.

Foi assim que Yaman respondeu ao pedido do seu braço direito, mas só precisou de um olhar da mulher para perceber que ela queria que ele o fizesse. Não era preciso muito para que a comunicação deles evoluísse, entendiam-se apenas com o olhar ou com pequenos gestos e quando a sua esposa queria algo não havia maneira de ele negar. Ele consentiu que Zuhal fosse trazida á sua presença, mas na empresa, porque a decisão de de ela nunca mais por os pés na casa familiar, se iria manter para sempre. Ela entrou no escritório praticamente escondida por de trás do tronco de Nedim, vinha encolhida e parecia uma mulher totalmente diferente do que conheciam. Seher não conseguiu segurar um suspiro de surpresa quando a viu, estava vestida de calça jeans, com um hoodie verde escuro, de cabelos presos num rabo de cavalo e sem um único pingo de pintura, ainda era uma mulher bonita mas os dias que tinha passado na cadeia lhe tinham causado mossa mostrando agora um semblante mais duro e de olhar vazio.

-Vamos Zuhal, o que tem para contar? Fale, pois, tanto o tempo como a minha paciência se esgotam num instante!

-Antes de tudo devo um pedido de desculpas a Seher, desta vez é mesmo sincero, por tudo o que te disse e o que te fiz passar. Eu não conseguia ver-te como pessoa, para mim eras um empecilho ao objetivo traçado, via-te como o inimigo e o único pensamento era eliminar a qualquer custo, por isso por quase ter tirado a tua vida, Özür dilerim!

Naquele momento o olhar frio de Yaman passou de frio a furioso e a vontade de acabar com o discurso foi evidente quando se ouviu um murro bem assente no centro da sua secretária, num rompante de ódio e surpresa, mas Zuhal nem se mexeu e continuou a falar como se estivesse ligada á corrente.

-Sabem, eu até tinha uma boa vida no estrangeiro. Estava a fazer um curso de administração de empresas, tinha a liberdade para ir e vir sem dar explicações a ninguém, tinha um grupo de amigos e até tinha um namorado. Passava os meus dias entre o curso, compras, cinema, teatro, festas, viagens, eu era feliz e não o sabia! Mas estava ciente que tudo aquilo tinha um preço e a minha irmã nunca me deixou esquecer isso. Fui obrigada a deixar todos os meus sonhos e voltar para Istambul para tomar o lugar para o qual tinha sido treinada desde que me dou por mulher, vinha para tomar conta de Yusuf e com o tempo conquistar Yaman.

-Então o propósito era conquistar Yaman!-Interferiu Nedim quando sentiu o amigo ficar tenso.

-Evet. Era suposto eu conquistar Yaman através de Yusuf, apesar de eu não ter nem uma pontinha de instinto materno essa era a única maneira de chegar perto dele, mas quando cheguei á mansão Seher já tinha ocupado o lugar que seria meu! Fizemos de tudo para colocar um contra o outro, que se odiassem ao ponto de não se suportarem, mas tudo parecia sair exatamente o oposto, quanto mais planos fazíamos para vos separar, mas juntos vocês ficavam!

-Você e quem, Zuhal? Conte tudo, eles precisam de saber. - Insistia Nedim.

-O grande Yaman Kirimli que não confia em ninguém, mas que se deixa manipular pela cunhada, é para rir, não é? A minha irmã sempre teve nas mãos todos daquela casa, uns controlados por comprimidos e outros como marionetas a puxões de fios invisíveis. Não espero que acreditem no que digo, apenas peço a hipótese de provar tudo.

Seher percebe o marido em ponto de ebulição assim que vê o tradicional toque no braço esquerdo e antes que o vulcão explodisse ela toma as rédeas. Sentia um gosto de fel na boca e de estomago embrulhado, então era esta a sensação que Yaman tinha constantemente quando se sentia traído. Ainda não havia evidencias contra a cunhada, mas o seu instinto a fazia acreditar no que a irmã contava, sempre acreditava no melhor das pessoas, mas se tinha aprendido algo com ele era que nem tudo é o que parece muito menos as pessoas.

-Qual o plano?

-Vamos usar o mesmo método que usaram consigo, vamos gravar a conversa das duas.

-Está seguro que ela vai conseguir uma confissão, Nedim. Neden?

-Yaman, eu sempre desconfiei que as denuncias ao serviço social eram feitas por alguém próximo, mas foi o dossier que me deu as pistas certas. Era evidente que não poderia dizer-te que era a sua cunhada a mandante de tudo, uma vez que tenho a certeza que existe mais alguém por detrás dela, sem provas fundamentadas, mas agora a ajuda de Zuhal será essencial se queremos ter algo concreto para levarmos á polícia.

-Tamam. Yaman estava em chamas, mas de raiva e já não conseguia estar sentado, o único pensamento que tinha era se refugiar no sítio onde se sentia sempre em paz e sem qualquer pudor enlaçou a pequena mulher que era o seu bálsamo e inspirou o tão amado cheiro a baunilha. Nedim retira o telemóvel do bolso do casaco e entrega á morena ao mesmo tempo que lhe faz um sinal com a cabeça, agora era a vez dela de exercer a sua vingança e tomar as rédeas da sua vida. 

-Alló, Abla?!






O bode expiatório!Onde histórias criam vida. Descubra agora