capítulo único

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A morte, por si só, é uma piada pronta. Morrer é ridículo!

Você combinou de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre. Como assim?! E os e-mails que você ainda não abriu? O livro que ficou pela metade? O telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente?

Não sei de onde tiraram esta ideia: morrer...

A troco de que? Você passou mais de 10 anos da sua vida dentro de um colégio estudando fórmulas químicas que não serviriam para nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu. Passou madrugadas sem dormir para estudar para o vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto à profissão escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente...

De uma hora para outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinquente que gostou do seu tênis. Qual é?

Morrer é um chiste.

Obriga você a sair no melhor da festa sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota mais linda, sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida. Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha úmida no varal, e penduradas também algumas contas. Os outros vão ser obrigados a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante uma vida inteira. Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.

Que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez não almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue a próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer. Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia, bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã.

Isso é para ser levado a sério? Tendo mais de cem anos de idade, vá lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não acompanha a mente, e a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas. Ok, hora de descansar em paz. Mas antes de viver tudo? Morrer cedo é uma transgressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é um exagero.

E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça.

Nunca pensei na morte como uma coisa ruim, mas sim como algo natural que vem porque tinha que vir, mas até então, nunca tinha enxergado, presenciado, sentido realmente o que era morrer. Não, eu não morri, mas é como se fosse. Sinto como se meu coração estivesse dilacerado desde o maldito momento em que atendi aquela ligação. Quando algum parente ou conhecido que não costuma ligar muito o faz no meio da madrugada, só pode significar uma coisa: alguém morreu. E assim foi feito.

Meu namorado se foi. Frank se foi. Nada poderia ser pior para mim nesse momento do que isso. Minha vida anda uma bagunça, meu irmão no meu pé, minha mãe só sabe encher o saco e eu não ando tendo criatividade nem para meus desenhos. Sempre que toco em uma folha de papel em branco, tudo o que sinto vontade de fazer é rabisca-la sem sentido até que a mesma se rasgue e eu me irrite e termine de rasga-la, colocando toda a raiva que está presente em mim.

Nem mesmo música tem conseguido me ajudar com isso, na verdade, eu tenho me irritado ainda mais com qualquer tipo de som. Tenho tentado me aproximar mais da minha família, como era quando eu era criança, mas parece que só os afasto. Em um minuto estou bem e em outro não, provavelmente isso os deixa loucos. Provavelmente não, com certeza! Porque se até eu não me aguento, imagine os outros.

Até logo | FrerardOnde histórias criam vida. Descubra agora