Prólogo

447 43 18
                                    

Charlotte ficou na ponta dos pés, a mão direita apoiada na prateleira enquanto tateava com a esquerda à procura das chaves que deveriam estar ali. Fez mais um esforço, sua barriga impedindo que fosse mais longe, bufou frustrada, os calcanhares batendo no chão frio enquanto seu corpo descia para baixo. Ela só queria as malditas chaves para que pudesse sair daquele lugar antes dele acordar. Oh, a quem ela estava tentando enganar? Não iria sair dali naquela noite.

Mordeu o lábio inferior, seu rosto transmitindo toda a preocupação que sentia, suas mãos voaram para a barriga protuberante como se assim pudesse proteger aquela criança do perigo que a esperava no futuro. Olhou ao redor da pequena despensa parcialmente vazia, não ousou ligar a luz para denunciar sua posição, e também conhecia todo aquele espaço de cor para não precisar. Na ponta dos pés se aproximou da porta, abriu uma fresta só para ter certeza de que ele não havia acordado. Com o coração mais calmo saiu para fora.

A cabana era precária, o frio intenso que castigava o lado de fora se infiltrava pelos espaços estreitos entre as tábuas que a formavam, somente dois quartos e um banheiro minúsculo, fora a dispensa, possuíam uma certa privacidade. Apesar do aquecimento ela ainda era fria, parecia ser um lembrete de que nada ali era vivo o suficiente para merecer calor. Caminhou lentamente até chegar ao seu quarto, então fechou a porta com cuidado e a trancou novamente, nem queria pensar o que aconteceria se ele soubesse que ela saía de madrugada.

Sua cama estava dura como sempre, puxou uma das únicas cobertas grossas que possuía e se enrolou o melhor que pôde, sentiu novamente um nó se formar em sua garganta e não fez esforço para conter as lágrimas. Os dias passavam, viravam semanas e meses e nada de alguém vim resgatá-la, tentava não perder as esperanças, porém era difícil a cada vez que acordava naquele quarto escuro e frio em uma cabana no meio do nada.

Um soluço baixo escapou por seus lábios ressecados, a tristeza a consumindo a uma velocidade assustadora. Apertou os braços ao redor da barriga, a movimentação calma do ser que a habitava veio como um lembrete de que não estava só. Começou a murmurar uma pequena melodia que sua mãe cantava para ela dormir quando era pequena, falava sobre os monstros que habitavam o mundo e que a luz que carregavamos dentro de nós sempre iria detê-los.

O que seu eu mais novo diria se soubesse que os monstros mais terríveis eram humanos, seres que puxavam sua confiança e recusavam sua liberdade? O que a Charlotte de cinco anos faria se imaginasse que um dia estaria presa em um lugar assustador por meses, impedida de sentir a luz do sol diretamente em seu rosto, o vento e o aroma das flores por causa de alguém que decidiu que o ódio era o que deveria regrar sua vida?

Não adiantava pensar no que sua versão mais nova faria, teria que procurar uma solução para se ajudar no presente. Não teria aquela criança ali, não deixaria que ele colocasse as mãos no seu filho, preferia morrer e levá-lo junto para o inferno antes de permitir algo assim. O leve chute a fez abrir os olhos, um sorriso cansado adornou seu rosto enquanto sua mão deslizava pela barriga em um gesto de carinho.

- Nós vamos sair daqui, estrelinha. - sussurrou firme. - Nós vamos sair daqui e conhecer seu pai. Eu não vou desistir de você e sei que ele nunca irá desistir de nós.

Por mais que houvesse dias em que duvidava de tal afirmação, a certeza escondida no fundo de seu coração a impulsionava a continuar crendo. Ele nunca desistiria dela e quando soubesse que ela não estava só, além de mover o mundo também mudaria universos por eles. Disso ela não tinha dúvida.

A matter of timeOnde histórias criam vida. Descubra agora